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3 DESIGNAÇÕES NAS FRONTEIRAS DO (NÃO-)PLÁGIO NO DISCURSO DO CONAR

3.3 A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO REFERENTE PLÁGIO

Ademais da questão da pequena frequência da designação plágio no Código do Conar, ou de sua ausência nos títulos da categorização das decisões, ou ainda da estranha inconstância das designações no arquivo jurídico da instituição, podemos perceber mais um aspecto importante: tal designação não está relacionada a nenhuma predicação ou conceituação no Código do Conar38. Isso não quer dizer, contudo, que as próprias

designações não definam o referente, pois estas podem ser entendidas como “processos definitórios”, porquanto, “além de nomear, também definem, conceituam os objetos de referência”, como afirma Grigoletto (2003, p. 90). Isto é, designar é atribuir qualidades a um referente, pois “não há designação sem determinação” (PRELLVITZ, 2006, p. 86).

No entanto, a ocorrência de enunciados que definem o referente de uma determinada designação foi uma das características que Zoppi-Fontana (2002, 2003a, 2003b) identificou analisando práticas de escrita da lei, tomando como corpus a legislação municipal de Campinas acerca do comércio informal e loteamentos fechados. Em sua pesquisa, a autora observou que tais designações estavam, muitas vezes, seguidas por um “enunciado definidor”, alguns apresentados como conceituação (“definição conceitual”), fazendo com que fatos sociais adquirissem “o estatuto universal

38 O mesmo podemos dizer da designação direitos autorais. Já imitação, no Código, está

e atemporal de conceito” (ZOPPI-FONTANA, 2002, p. 7)39. Podemos, assim,

dizer que as definições e conceituações produzem uma circunscrição do referente que reforça o efeito de determinação dos sentidos das designações.

Trazendo isso para a nossa pesquisa, percebemos que a designação plágio não está funcionando como nomenclatura no Código do Conar. Não há, nesse texto, ao contrário do que identificou Zoppi-Fontana (2002), enunciados definidores das designações, apesar de um código ser um instrumento normativo. Já nos autos processuais, iremos encontrar enunciados que, apesar de não serem explicitamente apresentados como conceito, funcionam como tal, como podemos observar nas próximas sequências discursivas:

SD1340 – O plágio é a imitação41, pura e simples, de obra protegida pelo Direito Autoral e não ocorre só quando o consumidor é confundido. O plágio existe por si só, quando houver a imitação.

SD1442 – Saliente-se que o plágio não é mera contrafação, cópia ou reprodução servil da obra de outrem43. O plágio é mais discreto, pois se caracteriza pelo aproveitamento, com aparência distinta, da essência criativa de obra já existente.

SD1544 – Ora, se não há direito autoral, não há que se falar em plágio, pois este pressupõe aquele, conforme vemos na lição de Carlos Fernando Mathias Souza: “O plágio não é mera cópia ou reprodução servil de obra alheia. Ele é algo mais sutil, posto que se caracteriza pelo aproveitamento, com roupagem diversas, de essência criativa de obra anterior”.

39 Os exemplos que a autora apresenta são: “Para fins desta lei, conceitua-se loteamento

fechado como sendo [...]” e “Para fins desta lei, conceitua-se cinturão de Segurança como sendo [...]” (ZOPPI-FONTANA, 2002, p. 7) [grifos nossos].

40 Caso 7; Defesa; Decisão de sustação.

41 Note-se que, aqui, plágio é, mais uma vez, orientado em direção a ter o mesmo sentido

que imitação.

42 Caso 2; Representação de denúncia; Decisão de arquivamento.

43 Já nessas duas outras SDs, as designações não funcionam como substituíveis e sim

portando sentidos diferentes entre si.

Acreditamos, assim, ser possível relacionar o conceito de enunciado definidor com os processos discursivos de “atribuição” e “exclusão”, em que x é dito como sendo y e como não sendo z, parafraseando Orlandi (2008b, p. 41). Ou, em nosso caso, que plágio é algo sutil e não mera cópia, por exemplo, ou ainda que a semelhança entre anúncios não é plágio, e sim, coincidência.

Estudando tais processos no que chamou de “Discurso de Seriedade”, Orlandi (2008b, p. 41-42) verificou que um autor era considerado sério ou não, a partir da qualidade dos seus textos, por um mediador que possuía a legitimidade do dizer (sendo esta também um efeito discursivo) em uma comunidade discursiva. O mediador se colocava com o poder – sendo este construído discursivamente – de estabelecer o que é sério e o que não é sério, buscando “fixar sentidos, organizar relações e disciplinar conflitos (de sentidos)”45 (ORLANDI, 2008b, p. 41-42).

No contexto da nossa pesquisa, o mediador seria o próprio Conar, que, em suas decisões, tem o poder de estabelecer o que é considerado plágio e o que não é considerado plágio (o não-plágio, como dissemos). Mas, perceba-se que a SD14 é uma paráfrase da SD15, ainda que não haja citação (plágio em uma acusação de plágio?). Com a citação, no entanto, menos que apenas indicar a autoria, o sujeito-acusador busca conferir legitimidade ao seu dizer trazendo um outro mediador para o discurso, que, como autoridade (estudioso, teórico que dá lição sobre o assunto), também teria o poder de determinar o que seria ou não plágio46. É o que acontece ainda no exemplo

abaixo, quando o sujeito-defensor apresenta definições de criatividade e originalidade, designações relacionadas a plágio a partir de uma “obra doutrinária”:

45 Orlandi (2008b, p. 41), nesta pesquisa, estava preocupada em investigar como o silêncio e

o implícito produzem a monofonia. De acordo com a autora: “a voz que fala no Discurso da Seriedade impõe o silêncio e impede a discussão e a discordância”.

46 A jurisprudência, ou seja, as decisões que o Conar já referendou sobre o assunto, ou

mesmo trechos do seu Código, quando trazidos intertextualmente para o discurso – pelos sujeitos acusador, defensor ou mesmo decisor – também procuram produzir, ainda mais fortemente, o efeito de legitimidade do dizer, isto porque o dizer não é de outro mediador, mas do próprio Conar. Iremos ver essa questão no capítulo 4.

SD1647 – Na obra doutrinária mencionada acima – Direito de Autor na Obra Publicitária – o autor, Carlos Alberto Bittar, considera criatividade “o algo novo, o produto intelectual inserido pelo autor no mundo exterior ou a individualização da representação do pensamento”.

Por originalidade entendem-se “os elementos distintivos da obra, vale dizer as características intrínsecas próprias que a distinguem de outras”.

Mais comumente, no corpus da nossa pesquisa, no entanto, é a não utilização da designação plágio e sim de predicações que constroem discursivamente o “domínio nocional” (CULIOLI, 1990, p. 86, citado por INDURSKY, 1997, p. 25) desta designação, como acontece nestas sequências discursivas, por exemplo:

SD1748 – Basta uma simples análise entre as campanhas publicitárias da Óticas Carol e da Fotótica, acima indicadas, para se constatar uma absoluta semelhança entre elas, principalmente quanto à FORMA, APELO e CONCEITO, utilizados com absoluta anterioridade pelas Óticas Carol e que passaram a ser, portanto, no campo ético e publicitário, de sua propriedade e que vem sendo utilizada insistemente desde outubro de 2008.

SD1849 – As peças publicitárias criadas nada mais contemplam do que uma coincidência do objeto utilizado, ou seja, a referida imagem do cadeado, porém desenvolvido dentro de estruturas criativas conceitualmente diferentes, diferentes design, cores, sendo exibidos ainda que em distintas mídias.

Essas e outras predicações vão formando o “domínio nocional” de plágio dentro do arquivo do Conar. Tal conceito vem dos trabalhos enunciativos de Culioli (1990, citado por INDURSKY, 1997, p. 25), para quem “um termo não remete a um sentido, mas, [...] a um domínio nocional,

47 Caso 1; Defesa; Decisão de arquivamento.

48 Caso 3; Representação de denúncia; Decisão de arquivamento. 49 Caso 1; Representação de defesa; Decisão de arquivamento.

isto é, a um conjunto de virtualidades”50. Os domínios nocionais seriam,

assim, “ideias gerais acerca das coisas em relação às experiências dos indivíduos” (REZENDE, 2009, p. 137), ideias que, numa perspectiva

discursiva, podem ser entendidas como “formações imaginárias”,

representações que os sujeitos fazem do objeto discursivo, isto é, do referente (PÊCHEUX, 2010a, p. 82).

O domínio nocional, portanto, funciona como um “centro organizador” que permite a identificação do que está dentro, fora e na fronteira da noção, a partir do que lhe é reconhecido ou estranho, especialmente a partir dos processos discursivos de atribuição e exclusão. Dessa forma, anterioridade, originalidade, direitos autorais, semelhança, cópia, imitação etc. são “ideias” (formações imaginárias) que constituem o domínio nocional da designação plágio. É importante ressaltar, contudo, que as fronteiras do que é ou não é considerado plágio, no entanto, não é algo pré-determinado, como se o “plágio existisse por si só”, como argumentado na SD13.

Então, deslocando o conceito de domínio nocional de uma perspectiva enunciativa para uma discursiva, vemos que tal conceito pode ser conduzido em direção aos saberes que regulam o discurso sobre o plágio em uma determinada formação discursiva, que por ora denominamos como FD da ética publicitária. E é a memória que põe em relação, de forma indissociada, frise-se, o que está sendo dito agora, na enunciação, com os já-ditos dispersos no interdiscurso, produzindo contradições e tensionando os próprios saberes sobre plágio.

A partir desse entendimento, veremos a seguir, no próximo capítulo, como os sujeitos do discurso do/no Conar sobre plágio articulam (e se posicionam com relação a) a tais saberes, que não são só da ordem da ética e da publicidade, citadas expressamente na SD17, como também de outras ordens, como do direito, do mercado etc.

50 Para Indursky (1997, p. 26), a concepção de sentido de Culioli se aproxima da AD, mas

ressalva que nesta, além de linguístico, o sentido é também social. Sendo assim, o domínio nocional não é só semântico como também ideológico.

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O ENTRELAÇAMENTO DE SABERES NO DISCURSO SOBRE O PLÁGIO PUBLICITÁRIO: