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DO RITO PROCESSUAL À ORGANIZAÇÃO DO CORPUS DA PESQUISA

2 CONAR: CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO SOBRE O PLÁGIO

2.4 DO RITO PROCESSUAL À ORGANIZAÇÃO DO CORPUS DA PESQUISA

Aproveitamos aqui a descrição que fizemos de como se dá o processo ético no Conar para apresentar como o corpus desta pesquisa foi organizado, já que os discursos que analisaremos foram acessados a partir do lugar onde eles estão materializados linguisticamente, ou seja, nos textos produzidos durante o rito processual da entidade (documentos denominados “autos da representação”, seguindo terminologia da área jurídica). Isto porque, como vimos na introdução deste trabalho, se o discurso é objeto teórico de análise da AD, a unidade desta análise é o texto42 (MITTMANN, 2007; ORLANDI,

1999).

Porém, apesar de na Análise do Discurso – como o próprio sintagma que denomina a disciplina já assinala – a relação entre teoria, método, procedimentos analíticos e objeto ser inseparável e interdependente (ORLANDI, 2012), não existe, na explicação de Mittmann (2007, p. 158), “uma passagem natural da dispersão do arquivo à seleção de textos de nosso corpus empírico e deste à organização das sequências discursivas que formam nosso corpus discursivo”.

Assim, nesse subcapítulo, buscamos explicitar como, a partir do arquivo existente sobre o plágio publicitário, delimitamos nosso corpus empírico até chegarmos à configuração do nosso corpus discursivo. Antes de seguirmos, contudo, cabe esclarecermos o que estamos entendendo por estas noções de arquivo, corpus empírico e corpus discursivo.

Vimos na introdução deste trabalho que, de acordo com Pêcheux ([1982] 2010b, p. 51), o arquivo pode ser, de forma geral, definido como

42 Reforçamos que o texto é entendido, como na definição de Indursky (2006, p. 69-70): “um

espaço discursivo, não fechado em si mesmo”, que “estabelece relações não só com o contexto, mas também com outros textos e com outros discursos”, sendo seu efeito de fechamento, “a um só tempo, simbólico e indispensável”. Também salientamos, mais uma vez, que como as peças publicitárias são constituídas tanto por uma materialidade verbal quanto por uma materialidade não-verbal (seja imagética, sonora etc.), tomamos ambas as materialidades como texto, tal como o vem pensando Indursky (2011b) e Mittmann (2011).

“campo de documentos pertinentes e disponíveis sobre uma questão”43. No

nosso caso, o arquivo são os vários textos existentes sobre plágio na publicidade – desde aqueles que circulam na internet, ou que foram publicados em livros, nos meios de comunicação de massa, em decisões judiciais etc., ou ainda os que foram escritos por publicitários profissionais, ou por estudantes de publicidade, pesquisadores, advogados, pelo público em geral e assim por diante. Enfim, o arquivo seria o todo já dito (registrado materialmente e acessível) sobre o tema.

Como esses textos são inúmeros e dispersos (por isso, impossíveis, digamos, de serem todos identificados e reunidos para uma pesquisa), tivemos que fazer um primeiro recorte neste arquivo, optando por estudar o discurso sobre plágio publicitário a partir dos casos julgados no/pelo Conar, entidade responsável pela autorregulação do setor no Brasil. Porém, este recorte ainda se mostrou insuficiente para permitir a viabilidade de nossa pesquisa, visto que foram julgados cerca de 250 processos envolvendo tal matéria desde a fundação do Conar. Assim, realizamos mais um segundo recorte, escolhendo restringir nossa coleta de dados junto à instituição aos autos dos 10 casos de denúncia de plágio julgados em 2010, os quais constituem o nosso corpus empírico, isto é, o conjunto de textos selecionados a partir dos recortes feitos no arquivo sobre o tema.

O ano de 2010, além de ser o período no qual iniciamos a pesquisa, também apresenta heterogeneidade quanto às decisões sobre se houve configuração ou não de plágio naquele caso (há 5 decisões de arquivamento do processo, 3 de alteração do anúncio e 2 de sustação da veiculação).

Para uma familiarização inicial de quais foram os casos de suspeita de plágio julgados pelo Conar nesse período, apresentamos, abaixo, alguns dos principais dados identificatórios dos processos44:

43 Quando o corpus não é preexistente, mas sim produzido em pesquisa empírica do próprio

analista do discurso (através de questionários, entrevistas etc.), fala-se em corpus experimental (COURTINE, [1981] 2009; ORLANDI, 1999) em oposição ao corpus de arquivo.

44 Em anexo, disponibilizamos a íntegra dos resumos (que são publicados no site do Conar)

Quadro 05 – Casos que compõem o corpus da pesquisa CASO 01 (fev. 2010)

“Seu intestino não vai prender você – Plantacil” Representação nº 146/09, em recurso ordinário Autora: Hypermarcas

Anunciante: Luper Decisão: Arquivamento CASO 02 (mar. 2010) “Na Oi você pode sim”

Representação nº 213/09, em recurso ordinário Autora: Vivo

Anunciante: Oi

Decisão: Arquivamento CASO 03 (mar. 2010)

“Fototica – Cuidando da sua visão”

Representação nº 229/09, em recurso ordinário Autoras: Óticas Carol e SM Magalhães

Anunciante: Fototica Decisão: Arquivamento CASO 04 (mar. 2010)

“Cimed Indústria de Medicamentos - Bepantriz” Representação nº 256/09

Autora: Bayer Anunciante: Cimed Decisão: Alteração CASO 05 (mai. 2010)

“O melhor conteúdo também em vídeo - R7” Representação nº 291/09, em recurso ordinário Autora: UOL

Anunciante: Record Decisão: Sustação CASO 06 (jul. 2010)

“Porque entender você é outra coisa – Coelho da Fonseca – 35 anos” Representação nº 129/10

Autora: EC São Paulo Comunicação

Anunciante: Coelho da Fonseca Empreendimentos Imobiliários Decisão: Arquivamento

CASO 07 (nov. 2010)

“Feirão de passagens Gol” e “Superfeirão Gol” Representação nº 058/10, em recurso ordinário Autora: DPZ

Anunciante e agência: Gol e AlmapBBDO Decisão: Sustação

quais tivemos acesso depois de atendidas as tabelas de custas de cópias processuais, tal como dispõe o Regimento Interno do Conselho de Ética).

CASO 08 (nov. 2010) “Torcida – Yokitos”

Representação nº 176/10 Autora: Pepsico

Anunciante: Yoki Alimentos Decisão: Arquivamento CASO 09 (nov. 2010) “Ki-Flor”

Representação nº 261/10 Autora: Yoki Alimentos

Anunciante: Ki-Flor Indústria & Comércio de Produtos Alimentícios Decisão: Alteração

CASO 10 (dez. 2010)

“Dove – Repara 3 meses de danos em 3 minutos” Representação nº 327/10

Autora: P&G

Anunciante: Unilever Brasil Decisão: Alteração

Por ser de grande volume45, organizamos esse corpus empírico em 10

domínios discursivos, sendo cada domínio correspondente aos autos de uma “representação”, ou, como preferimos, de um caso46. Cada domínio foi então

dividido em recortes discursivos correspondentes a documentos específicos, a saber: (a) representação de denúncia; (b) defesa; (c) decisão de pedido de medida liminar47; (d) relatório, parecer e voto48; (e) acórdão. Vale destacar

que seis dos 10 casos coletados foram para 2ª instância, isto é, são recursos ordinários – possuindo, assim, dois documentos de denúncia, de defesa, de

45 Os autos selecionados somam um total de 1801 páginas.

46 Preferimos não usar o termo “representação”, utilizado pelo Conar em referência ao

processo ético, porque “representação” também é a terminologia empregada para denominar o documento de denúncia. Este documento, designaremos “representação de denúncia” ou apenas “denúncia”, enquanto que usaremos “processo ético” ou “caso” ou “autos” para fazer referência ao todo do processo. Aqui também chamamos a atenção para o fato de que só tivemos acesso aos autos da etapa do processo ético contencioso, já que, ao processo investigatório é garantido sigilo.

47 Este é um documento de “despacho”, mas iremos especificá-lo dessa forma para evitar

confusões terminológicas com relação a outros despachos que existem durante o processo (apesar destes não serem alvo de análise). Vale também destacar que a medida liminar, embora não seja obrigatória, foi solicitada em todos os 10 casos que compõem nosso corpus empírico.

48 Como o relatório, parecer e voto estão em um mesmo documento, este poderá também ser

denominado de documento de “julgamento/decisão” ou apenas “decisão”. A exceção fica por conta dos casos em que o voto do relator não é o vencedor. Neste caso, o voto é redigido em separado, por outro Conselheiro.

decisão e dois acórdãos49 (um concernente ao processo primário e o outro,

ao recurso)50; um caso ainda foi julgado em 3ª instância, ou seja, em

recurso extraordinário, o que soma mais um documento de cada tipo.

Esse tipo de organização do corpus nos pareceu interessante, pois permitiu, conforme o que estávamos analisando, configurá-lo de diferentes formas. Pudemos, com isso, analisar um determinado funcionamento discursivo a partir de recortes de um mesmo domínio ou de recortes de domínios distintos (como realizado no capítulo 3 quanto à designação plágio e outras correlatas). Pudemos também agrupar tais recortes em blocos discursivos referentes aos discursos de defesa, decisão ou defesa (como procedemos no capítulo 4 quando analisamos os saberes e dizeres mobilizados no discurso sobre o plágio). E ainda permitiu que agrupássemos tais recortes em função do tipo de decisão final conferida ao caso – arquivamento do processo, alteração da peça/campanha publicitária ou sustação de veiculação (como fizemos em nossas reflexões finais a respeito da movência de sentidos entre as peças publicitárias).

Assim, o corpus discursivo desta tese, ou seja, as sequências discursivas51 efetivamente analisadas foram selecionadas e organizadas, a

partir do aparato teórico-metodológico da Análise de Discurso, em convergência com nossos objetivos52 de pesquisa, os quais retomamos aqui

na forma de questões que conduzem este nosso trabalho:

• Como a designação plágio (bem como designações correlatas como imitação ou ainda noções como criatividade e originalidade a ele relacionadas), constante no Código do Conar, são retomadas nos discursos de denúncia,

49 Nos autos processuais, também há outros documentos (como despachos, citação do

denunciado, avisos de convocatória de reunião etc.), mas que não serão analisados porque se tratam apenas de documentos burocráticos administrativos.

50 A outra metade dos casos coletados se trata de processos primários, isto é, sem recurso,

não havendo nenhum caso de recurso extraordinário.

51 “Sequências orais ou escritas de dimensão superior à frase”, de acordo com definição de

Courtine (2009, p. 55).

52 Conhecer as condições de produção do discurso sobre o plágio do/no Conar – que

defesa e de julgamento? Há movência de sentidos? Se houver, quais, como e por quê?

• Como esses discursos constroem as possíveis fronteiras que distinguem um plágio de um não-plágio? E que fronteiras são essas?

• Quais saberes e vozes são mobilizados nos autos dos casos suspeitos de plágio julgados no/pelo Conar? Há um saber (ou saberes) dominante(s) e outros transversos? Qual seria a forma-sujeito da FD em questão?

• Como estes saberes e vozes são articulados? Que posições-sujeito são tomadas pelo acusador, defensor e julgador em relação à forma-sujeito da FD do discurso sobre plágio que identificamos?

• Qual compreensão podemos ter do plágio, como fenômeno discursivo, a partir de conceitos teorizados pela AD e de nossas análises do corpus da pesquisa?

Entendemos, junto com Courtine (2009, p. 115), que um corpus discursivo não é “um conjunto fechado de dados dependente de uma certa organização”, mas sim um “conjunto aberto de articulações cuja construção não é efetuada de uma vez por todas no início do procedimento de análise”, resultando, ainda de acordo com o autor, “que a construção de um corpus discursivo só possa estar perfeitamente acabada ao final do procedimento”. Mittmann (2007, p. 115-116) também afirma que o procedimento de análise não é linear e sim um percurso de idas e vindas, em que

[...] o corpus não está dado, mas é construído pelos gestos do analista de pôr unidades em contato, selecionar sequências, agrupá- las em blocos, voltar à teoria, num movimento espiral de retomadas de aspectos metodológicos e teóricos, lançando novos olhares, surpreendendo-se.

Apresentamos, por fim, um esquema geral de como foi constituído e organizado o corpus da nossa pesquisa (Quadro 06).

Quadro 06 – Constituição do corpus da pesquisa

Fonte: a autora

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DESIGNAÇÕES NAS FRONTEIRAS DO (NÃO-)PLÁGIO