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2 CONAR: CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO SOBRE O PLÁGIO

2.3 AS CIRCUNSTÂNCIAS DE ENUNCIAÇÃO

2.3.1 Conhecendo melhor a estrutura organizacional do Conar

Apresentaremos, nesta seção, um panorama geral do Conar, descrevendo sua estrutura administrativa e de pessoal, bem como a do seu rito processual26, para que possamos conhecer as “circunstâncias

enunciativas” da produção do discurso sobre plágio nesta instituição. Isso porque, os sentidos de (não-)plágio estão relacionados não só às condições de produção discursiva em um nível mais amplo (o do “contexto sócio- histórico-ideológico”, de que falamos anteriormente), mas também àquelas condições de produção discursiva no Conar de ordem mais específica (relacionada ao “contexto imediato”). Assim, focalizaremos agora os sujeitos, a situação e os textos envolvidos nessa prática discursiva de julgamento de processos éticos no Conar.

26 Em sua maioria, tais dados constam, como dissemos anteriormente, no Regimento

O Conar se constitui como uma organização não-governamental (ONG) – portanto, entidade civil sem fins lucrativos –, que reúne representantes da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP), Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), Associação Nacional dos Editores de Revistas (ANER), Associação Nacional de Jornais (ANJ), Central do Outdoor, Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas (FENEEC), Interactive Advertising Bureau Brasil (IAB – Mídia Interativa), associações nacionais, regionais e estaduais de propaganda, clubes de profissionais de criação, além de outros associados convidados, tais como representantes da sociedade civil27.

A principal função ou “missão” do Conar, segundo a própria instituição, é “impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas e defender a liberdade de expressão comercial”, não exercendo censura prévia às publicidades, mas sim apurando denúncias trazidas durante ou após a veiculação de determinada campanha ou peça publicitária. O Conar define-se ainda como uma entidade que preza pela agilidade de suas ações, evitando o “excesso de formalismo”, bem como o “conservadorismo”, e com capacidade de “assimilar as evoluções da sociedade”.

Sua estrutura organizacional comporta quatro órgãos: Assembleia Geral, Conselho Superior, Conselho de Ética e Conselho Fiscal, como ilustramos no organograma abaixo (Quadro 03):

27 O estatuto social do Conar classifica como associados fundadores “as entidades

representativas das agências de publicidades, dos veículos de comunicação e de anunciantes que tenham subscrito como fundadoras os atos constitutivos do Conar” (ABA, ABERT, ANER, ANJ, ABAP e Central do Outdoor); são associados efetivos, também chamados de aderentes, “as entidades e empresas que aderirem ao Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e se comprometerem a seguir suas normas e a acatar as decisões do Conselho de Ética e do Conselho Superior do Conar” (ABTA, FENEEC e IAB), sendo aqueles que preferem não participar do “quadro social como associado efetivo” denominados de “associados titulares”; por fim, são associados honorários “as pessoas físicas ou jurídicas que tenham prestado relevantes serviços à ética na atividade de propaganda, seja por atuação ou estudos”. Disponível em: www.conar.org.br.

Quadro 03 – Organograma simplificado do Conar

Fonte: a autora

“Órgão soberano” deliberativo, a Assembleia Geral é composta pelos associados fundadores e efetivos, com poderes para destituir membros da Diretoria, julgar as contas do Conselho Superior e alterar o Estatuto Social da instituição.

O Conselho Superior, por sua vez, constitui a “instância máxima” normativa e administrativa, formada por representantes dos associados fundadores, mais um “membro nato” (último ex-presidente do Conar). Esse Conselho Superior elege a Diretoria, órgão executivo, composto por um

presidente, quatro vice-presidentes (sendo um representante dos

anunciantes, um das agências de publicidade, um dos veículos de comunicação e um presidente “executivo”) e três diretores (sendo um para “assuntos jurídicos”).

Há ainda um Conselho Fiscal, órgão fiscalizador de administração e finanças, e, finalmente, um Conselho de Ética, “órgão soberano” do Conar responsável por fiscalizar, julgar e deliberar o que tange ao Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, primando por seu cumprimento e obediência. É esse órgão, portanto, quem julga os processos éticos no Conar, incluindo aí os casos de suspeita de plágio.

O Conselho de Ética atua através de um Plenário, de uma Câmara Especial de Recursos e de oito Câmaras localizadas em São Paulo (1ª, 2ª, 6ª e 7ª), Rio de Janeiro (3ª), Brasília (4º), Porto Alegre (5ª) e Recife (8ª), contando ainda com uma Secretaria Executiva. Integram o órgão, o presidente, 2º vice- presidente e vice-presidente executivo da Diretoria, mais os presidentes das Câmaras e ainda 32 representantes dos veículos de comunicação, 16 dos anunciantes, 16 dos profissionais de propaganda e de criação e 24 da sociedade civil (podendo este último grupo ser membros de entidades

privadas representantes dos consumidores, advogados, jornalistas,

pesquisadores, professores, administradores, engenheiros, médicos etc.)28.

Sempre que alguém ou alguma entidade entender que uma propaganda não se mostrou verdadeira, ou julgar que um anúncio foi desleal com a concorrência, ou até mesmo achar que em uma campanha houve desrespeito à própria atividade publicitária, por exemplo29, pode fazer uma

denúncia ao Conar. É a partir dessa queixa ou representação30 (não

28 Há de se notar que os veículos de comunicação são o grupo que mais possui

representantes, seguido da sociedade civil. Se, no entanto, somarmos os anunciantes e publicitários aos veículos de comunicação, pensando em um grupo maior dos vendedores em oposição aos consumidores, temos que a balança fica bem desequilibrada: 64 representantes daqueles e apenas 24 destes.

29 O Conar, portanto, exerce ações apenas com relação à publicidade, não se ocupando de

mau atendimento, problemas de entrega, defeito de produtos e serviços etc., que são atribuições do Procon ou de outras entidades de defesa do consumidor. A propaganda política (eleitoral ou partidária) também não é regulamentada pelo Conar, mas pela Lei nº 9.504/97, artigos 36 a 58-A, Código Eleitoral, arts. 240 a 243, 248, 249, 251, 255 e 256 e Resolução TSE nº 23.370/2011 e controlada pela Justiça Eleitoral (BRASIL, 2012); no entanto, a publicidade governamental deve estar de acordo com o Código do Conar.

30 Este documento de representação deverá já informar quem é o autor da denúncia, bem

como a agência de publicidade e/ou anunciante responsável pela peça publicitária denunciada, que, além de ser anexada ao processo, precisa ser especificada por seu título, marca anunciada, data e veículo de divulgação. Além desses dados, na representação já deve constar em quais dispositivos do Código (de que falaremos no subcapítulo seguinte) ou do Regimento Interno do Conselho de Ética (RICE) a denúncia está sustentada.

anônimas e escritas) contra alguma peça ou campanha publicitária que o rito processual do Conar, ou seja, a sequência de procedimentos realizados durante todo o processo ético31, tem início. Vale esclarecer que queixa é uma

denúncia feita por consumidor individual, enviada por carta manuscrita, fax ou e-mail, enquanto que representação designa documento de ofício, formal, que pode ser elaborado por grupos de consumidores individuais (no mínimo, sete pessoas) ou entidades de defesa do consumidor, por órgãos ou autoridades do poder público e ainda por associados do Conar32.

Também cabe aqui destacar que dos 10 processos éticos sobre plágio, selecionados para comporem o nosso corpus empírico, nenhum foi decorrente de denúncia feita por consumidor ou poder público e sim por anunciantes ou agências de publicidades. Ressaltamos novamente que podemos, com isso, perceber que o tema “plágio”, ao menos no Conar, parece circunscrito ao conflito de interesses entre empresas concorrentes, sejam elas anunciantes ou agências.

Mas, voltando ao rito processual, com a denúncia, então, o presidente do Conar abre um processo ético investigatório, por meio de despacho, encaminhando o caso ao presidente de alguma das oito Câmaras, para que este averigue se se trata de uma possível transgressão ao Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (ou ainda para apurar, em caso de dúvidas, de quem é a responsabilidade pelo anúncio ou outro elemento necessário para “conhecimento da causa”).

Se o presidente da Câmara julgar que a denúncia não compete ao Conar ou não abrange uma eventual infração ao Código33, o processo

investigatório é arquivado liminarmente pelo presidente do Conar. Mas, se considerar haver procedência, a denúncia volta a este, que instaura, por

31 Todo processo ético é gratuito, mas, se a denúncia partir de um anunciante, este deve ser

associado ou associar-se ao Conar. Também é garantido “amplo direito de defesa” e as partes não precisam ser representadas por advogado.

32 O Conselho Superior e o Diretor Executivo do Conar podem elaborar, respectivamente,

representações de ofício com base em denúncias do Poder Público e dos consumidores.

33 Ou ainda: se a representação estiver fora dos padrões requeridos pelo Conar; se não for

um real interesse do denunciante; ou, se não houver conclusão lógica na exposição dos fatos.

meio de despacho, um processo ético contencioso34, solicitando à Secretaria

Executiva a distribuição do processo, bem como a citação do anunciante ou agência de publicidade denunciado(a). Nesse despacho, deve constar em destaque os principais dados da representação, isto é, identificação do autor da denúncia, do anunciante e de sua agência de publicidade, além do título do anúncio e nome da marca anunciada.

A representação, já em posse da Secretaria Executiva do Conar, será encaminhada para o presidente de uma outra Câmara (diferente daquela para a qual foi enviada a denúncia durante o processo investigatório). Antes, contudo, será verificado se já existe alguma representação cuja matéria seja “análoga ou conexa”. Se houver, o diretor executivo pode tanto remeter a representação para a Câmara que julgou o caso anterior ou então autorizar que seja feito o seu apensamento ao processo mais antigo. Realizada a distribuição para alguma Câmara, a Secretaria Executiva promove a citação dos denunciados, que deverão apresentar a sua defesa por escrito35.

No documento de denúncia, poderá constar ainda pedido de sustação imediata da peça ou campanha publicitária denunciada, como em todos os casos que compõem o corpus da nossa pesquisa. Há quatro situações em que tal medida liminar é cabível de deferimento: quando a sustação do anúncio só após julgamento parecer ineficaz; quando o anúncio provoca clamor social (que coloque em risco o consumidor ou a própria atividade publicitária) ou configura-se abuso da liberdade de expressão; quando existir súmula de jurisprudência sobre a infração; ou ainda quando um anúncio, já julgado e reprovado, volta a ser veiculado. Em qualquer desses casos, um membro do Conselho de Ética (presidente do Conar, presidente da Câmara

34 Todo o rito durante o processo investigatório é sigiloso; já durante o processo contencioso,

o sigilo só é garantido nos casos de proteção de propriedade intelectual e de estratégia de mercado, ou quando o conteúdo do caso não beneficiar diretamente os consumidores, ou ainda se os responsáveis pelo anúncio suspender a sua veiculação de forma voluntária até a decisão final do julgamento.

35 Caso o documento de defesa não seja apresentado em um prazo de cinco dias após o

recebimento da citação, é considerado “verdadeiro” o que constar na representação (a não ser que o exame dos autos revele o contrário). No entanto, o anunciante e a agência de publicidade, ou seus representantes, poderão fazer a defesa oralmente durante sessão de julgamento. O autor da representação, se quiser, também poderá manifestar-se oralmente nessa ocasião.

ou relator do processo) pode recomendar, em caráter excepcional, através de despacho “ad referendum”, a sustação imediata da publicidade em questão (a ser providenciada pela Secretaria Executiva). Esta decisão, no entanto, também pode ser revogada por este mesmo membro “judicante” a qualquer momento do processo.

Tomadas essas providências, todos os documentos processuais (representação do denunciante, despacho para processo da representação, citação, defesa e, se necessário, despacho de decisão do pedido de liminar) são reunidos e enviados para a Câmara escolhida. O presidente desta Câmara para qual o processo foi encaminhado sorteia então um conselheiro relator, que será responsável por apresentar um relatório36 contendo o

“resumo dos fatos, das principais peças dos autos e das provas neles produzidas”. Este relator também dará um parecer recomendando ou o arquivamento da representação37 ou alguma das seguintes penalidades:

alteração, ou correção, da peça publicitária objeto da representação; sustação de veiculação da peça publicitária38; advertência ao anunciante,

agência, veículo ou outros responsáveis pela peça publicitária ou por sua divulgação; publicação, na mídia, da posição do Conar sobre o caso. A depender da “infração configurada e dos elementos de convicção existentes nos autos”, o presidente da Câmara pode tanto encaminhar o processo para sessão de julgamento do Conselho de Ética, bem como (em se tratando de arquivamento, alteração ou advertência) homologar o parecer do relator a fim de que a Secretaria Executiva faça as intimações cabíveis.

Para que as sessões de julgamento do Conselho de Ética sejam instaladas, e suas deliberações configurem-se válidas, é necessária a presença de pelo menos quatro membros da Câmara, além do seu

36 Antes, contudo, se a denúncia envolver algum associado do Conar, as partes poderão ser

convidadas para uma sessão de conciliação, a fim de se tentar solucionar conflitos de interesse.

37 O arquivamento é recomendado quando o relator julgar que não houve infração ao Código

do Conar, quando existir perda do objeto da ação, quando houver desistência dos autores ou ainda quando ocorrer conciliação entre as partes, denunciante e denunciado.

38 O relator também poderá solicitar liminarmente a sustação da veiculação da peça

publicitária durante o trânsito do processo. Nesse caso, deve constar no relatório esta decisão.

presidente, que abre cada sessão informando o número da representação em pauta, as partes e quem é o relator. Este, logo após a exibição da peça ou campanha publicitária objeto da ação, apresenta o relatório, sem divulgar seu parecer. As partes podem então se expressar oralmente. Em seguida, os conselheiros podem tirar eventuais dúvidas com o relator, com o denunciante e o denunciado. Depois, já na ausência das partes envolvidas no caso, o relator anuncia seu parecer e voto e abre-se discussão com os conselheiros, que, encerrado o debate, também dão seus votos. O presidente, por fim, anuncia a decisão. Se o voto do relator foi seguido pela maioria, este deverá redigir o acórdão39; caso contrário, um outro conselheiro o fará. Para

os sujeitos leitores em geral, só é publicado o resumo da decisão40.

O Conar possui mais duas instâncias de julgamentos, destinadas a recursos: a Câmara Especial de Recursos, que julga os recursos ordinários, isto é, aqueles originados de interposição às decisões das Câmaras, e o Plenário41, destinado ao julgamento dos recursos extraordinários, impetrados

contra as decisões da Câmara Especial.

Para facilitar o entendimento desse funcionamento das atividades do Conar, especialmente no que diz respeito aos processos éticos, elaboramos o fluxograma que se segue (Quadro 04):

39 O termo acórdão refere-se à decisão realizada em sessão de julgamento; já as decisões dos

presidentes, relator e do diretor executivo são denominadas despacho.

40 As partes envolvidas no caso tem acesso livre aos autos. Os demais interessados devem

solicitar a consulta ao Conar e, sendo esta permitida, pagar a reprodução do material de acordo com a tabela de custas da instituição, como nós fizemos.

41 O Plenário também é responsável por “uniformizar” a jurisprudência quando houver

Quadro 04 – Fluxograma simplificado do rito processual ético do Conar

Fonte: a autora

Considerando, portanto, o rito processual do Conar, bem como os documentos nele produzidos, organizamos o corpus da nossa pesquisa, tal como exposto no próximo subcapítulo.