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A construção do conhecimento pela sistematização

A sistematização da experiência permite uma forma diferenciada de construção do conhecimento através de um olhar crítico dos próprios envolvidos na prática social. Tem sua

origem em ações educativas do Serviço Social, na década de 1950, porém “marcada por uma

forma conservadora, ainda que técnico-inovadora para a época” (FALKEMBACH, 2007, p. 2). Lembra a autora que, mais tarde, a sistematização viria a se tornar uma ferramenta da

educação de adultos, e o contexto histórico acabaria por levá-la a adotar uma perspectiva

crítica. “As ações de grupos, movimentos sociais, Organizações Não-governamentais

(ONGs), sindicatos, igrejas e setores dos estados nacionais começaram a necessitar de reflexão e a provocá-la” (FALKEMBACH, 2007, p. 5).

Sistematizar uma experiência pode ter diferentes significados, desde ordenar os aspectos e ou fatos envolvidos, até a problematização e acompanhamento dos mesmos sob uma perspectiva de análise definida.

A perspectiva adotada para captar a experiência desenvolvida no PROEJA-FIC, possibilitou ao pesquisador29 “[...] refletir ordenadamente a partir da nossa prática

submetendo tudo a uma crítica, problematizando e identificando os conflitos e contradições,

analisando tudo o que fizemos, buscando os porquês e as relações entre as coisas” (SOUZA,

2000, p. 33). Ao analisar os porquês e as relações, a sistematização torna-se um instrumento capaz de contribuir para a percepção mais ampla da realidade vivida e das implicações que têm as ações individuais e coletivas na reprodução de determinadas estruturas de poder. Este dar-se conta das relações é possível, uma vez que a

A sistematização transforma práticas sociais em objetos para o pensamento. Com isso, possibilita que os seus integrantes, sem se distanciarem da singularidade do seu mundo cultural, o vejam e dêem conta da relação deste com um exterior. Permite que percebam, ainda, que a complexidade das coisas com as quais se debatem para realizar ações, produzir conhecimentos e aprendizagens advém também desse pertencimento a algo mais amplo (FALKEMBACH, 2006, p 5-6).

Por isto, problematizar é identificar as questões que geram uma série de dificuldades para educandos e educadores populares, no mundo trabalho e nos processos de ensino e aprendizagem e que, se não forem objeto de reflexão, podem ser sentidas apenas nos seus efeitos, sem o questionamento das suas origens históricas.

No que concerne aos aspectos epistemológicos, a sistematização refere-se à pesquisa e à produção de conhecimentos numa relação dialética em que o sujeito que deseja conhecer faz das suas práticas o objeto a ser conhecido. Por esta razão, exige cumplicidade de todos os sujeitos da ação. Ao mesmo tempo, um rigor que seja capaz de legitimar o conhecimento

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O pesquisador é integrante da prática deste curso, na condição de Coordenador do curso de Formação Continuada dos professores e técnicos envolvidos no projeto.

produzido, em meio à crise da razão instrumental (SOUZA, 2000), ao distinguir sabedoria,

conhecimento e ciência, coloca a primeira “como a mais ampla expressão da intelecção

humana” e afirma ser a sistematização um “instrumento didático na construção da sabedoria” (SOUZA, 2000, p. 5-6). A afirmação do caráter dialético desta abordagem, conforme Falkembach (2007, p. 6-7), passa pela

não-separação entre sujeito e objeto; o reconhecimento de diferentes saberes

produzidos desde diferentes “lugares” na prática sistematizada [e] o corte com a

ilusão da neutralidade valorativa do investigador e com a idéia de que a rigorosidade científica estaria em dependência desta.

A sistematização, portanto, elege a condição histórica como fundante da apropriação do real e o diálogo como meio pelo qual o coletivo se habilita a pensar sobre sua própria vivência para produzir novos empoderamentos em contraponto aos valores e relações estabelecidos em determinado contexto histórico. É o pensar sobre a realidade vivida-sentida que pode, através da problematização, abrir novas possibilidades para o ato criativo. Essa é uma oportunidade para aqueles que acreditam que os sujeitos possam crescer na capacidade de discernimento e de construção de condições mais autônomas frente às relações que os oprimem.

A sistematização, como processo de produção do conhecimento, reconhece a necessidade de se estabelecer um vetor de relações com a produção acadêmica. Apesar das diferenças e divergências, estas relações podem e devem ser complementares e não excludentes, pois a sistematização lança mão dos conhecimentos acumulados para o exercício de reflexão sobre a temática da realidade que está sendo sistematizada. Assim,

As fronteiras entre as formas de conhecer não são fixas. Os saberes da experiência e o conhecimento acadêmico são formas de produzir conhecimento que se distinguem pela menor ou maior capacidade de sustentar a crítica sistemática, a argumentação e a contra-argumentação. A sistematização, na sua diversidade de propostas metodológicas, se apóia em ambos, procura mente-los em diálogo e romper com a hierarquia que desqualifica os primeiros (FALKEMBACH, 2006, p. 8-9).

Como método de investigação, está diretamente ligado às motivações de quem está comprometido com determinado processo social-educativo. Não se trata de uma investigação sobre um fenômeno do qual o pesquisador esteja alheio, ao contrário, há uma intencionalidade

que transforma em objeto de conhecimento, se apóia em narrativas acompanhadas de análises e interpretações” (FALKEMBACH, 2006, p. 9) que subsidiam essa crítica.

As fontes utilizadas são as seguintes:

- documentos que deram origem à criação do curso PROEJA-FIC, ainda no ano de 2009;

- documentos e relatos do Curso de Formação Continuada, destinado aos docentes e técnicos que participam do projeto, cujo início se deu em maio de 2010 e será concluído no primeiro semestre de 2012;

- agendas seguidas pela equipe de coordenação;

- reflexões dos docentes, através dos relatos feitos em reuniões e diálogos do cotidiano.

A proposta de “sistematização da experiência” do PROEJA-FIC resulta do compromisso deste pesquisador com este programa no Instituto Federal Farroupilha – Campus Santo Augusto. Compromisso este de natureza educacional e política, no sentido de contribuir na construção de novos conhecimentos para educadores e educandos dos municípios parceiros do Campus Santo Augusto, na realização deste projeto. O recorte possível para o alcance deste trabalho é o ordenamento e a crítica sobre as atividades de organização e ação docente. Um aspecto central, objeto de reflexão, foi a Formação Continuada dos educadores envolvidos no curso PROEJA-FIC. Procurou-se fazer uma reconstrução da experiência vivida pelos educadores envolvidos na organização do curso, na Formação Continuada de professores e no trabalho efetivo com os educandos, jovens e adultos, para que seja possível “[...] criticar o processo vivido” (JARA, 2000, p. 36).

A ordenação e reconstrução das vivências foram feitas com o objetivo de refletir sobre as questões norteadoras da pesquisa, apresentadas no início deste capítulo. Contudo, o diálogo vivo de saberes sobre a prática não foi possível acontecer. Foi substituído pela interpretação do pesquisador, também integrante da prática, e que, no caso, teve que assumir o protagonismo nos diversos momentos da investigação, conforme esclarecido na introdução da dissertação.