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Este capítulo aborda a experiência do PROEJA-FIC no Curso de Formação Inicial e Continuada em Gestão Agropecuária integrado ao Ensino Fundamental na modalidade de EJA, organizado pelo Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Farroupilha - Campus Santo Augusto, em parceria com os municípios de Coronel Bicaco, Tenente Portela e Três Passos. Seu objetivo central é caracterizar essa experiência realizada e refletir sobre ela através da análise e descrição do processo de implantação, desde o seu início. Especificamente sobre as práticas realizadas, a ênfase é dada ao trabalho docente e seus desafios na Educação de Jovens e Adultos e sua inserção nas atividades da Formação Continuada que tem sido desenvolvida como parte integrante do programa.

Os princípios teóricos e metodológicos do PROEJA-FIC, conforme explicitados nos capítulos anteriores, trazem como desafio o desenvolvimento de um Currículo Integrado que ofereça os conteúdos da formação básica, juntamente com os conhecimentos da Educação Profissional. Neste caso, o curso apresenta uma proposta de Currículo Integrado das grandes áreas da Base Nacional Comum, isto é, Ciências Humanas e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, contemplando os conteúdos básicos das séries finais do Ensino Fundamental. A formação profissional está organizada em um arco ocupacional baseado em informática, gestão e agropecuária. Esta tem como objetivo o aprimoramento profissional dos agricultores, de um modo geral, vinculados à agricultura familiar.

Seguindo o objetivo de analisar a ação docente diante dos desafios do PROEJA-FIC, tomou-se como construção do objeto a ser investigado a seguinte afirmação: mesmo que o histórico da EJA demonstre algumas contradições na execução dos projetos de alfabetização e

complementação de estudos básicos, é inegável que ela “esteve sempre mais aberta a

inovações vindas da renovação das teorias da formação, socialização, a-culturação,

politização, conscientização [...]” (ARROYO, 2007, p. 31). Partindo desta constatação, a

a) os educadores expressam uma compreensão das intenções estratégicas do Currículo Integrado no PROEJA-FIC, isto é, como projeto pedagógico contra-hegemônico?

b) quanto às especificidades dos sujeitos da EJA, como elas são percebidas pelos educadores, especialmente quanto às formas de avaliação e integração curricular?

c) houve um ambiente de crítica sobre as condições da realidade vivida por educandos e educadores, com o objetivo de ampliar os papéis que têm sido atribuídos à educação de adultos no Brasil, ou, nas palavras de Falkembach (2006), “ampliar cabeças”?

Na “sistematização da experiência”27, pretende-se lançar luz sobre os elementos acima mencionados, através das narrativas e considerações que se procura fazer, ao “ouvir as vozes” dos educadores envolvidos, em diálogos provocativos de reflexões sobre as questões estruturais do programa, durante o curso de formação continuada. A análise das manifestações busca verificar o entendimento que vem sendo construído entre os educadores do PROEJA-

FIC quanto aos objetivos deste, na visão de que “[...] todo processo de ensino deve ser

considerado como prática social mediada [...], e que as situações pedagógicas são organizadas teórico-metodologicamente com intencionalidade” (OLIVEIRA, 2007, p. 102-103).28

Como pesquisador, integrante da experiência em estudo e membro da equipe de Coordenação, se tem consciência da intencionalidade do projeto e da intencionalidade pessoal. Desta forma, deseja, neste trabalho, seguir a orientação de que “[...] o pesquisador deve ser capaz de situar-se em um contexto concreto para pensar o desconhecido ou para recolher, sistematizar, analisar, extrair das informações um conhecimento que não estava

dado” (CIAVATTA, 2001, p. 139). E também, que “Podemos colocar um problema quando

sabemos reconhecê-lo em torno” (p. 139). Consideram-se as vozes dos educadores como manifestações de sujeitos implicados no processo de ensino e aprendizagem dos jovens e adultos, mas que trazem aspectos de suas trajetórias afetivas e profissionais, relacionadas à família e à sociedade.

27

Segundo Falkembach (2000, p. 13), a sistematização é “um processo que tem a capacidade de fazer nossa visão penetrável também à não aparência da coisa; capaz de levar- nos aos avessos das nossas práticas”. Neste sentido, procurou-se identificar os anseios dos educadores participantes do PROEJA-FIC, que nem sempre se apresentaram em conformidade com os referencias teóricos explicitados no Documento Base que lhe deu forma. 28

Nesta pesquisa procurou-se uma aproximação à sistematização, conforme a define Jará (1996, p. 29), isto é,

como “[...] aquela interpretação crítica de uma ou várias experiências que, a partir de seu ordenamento e

reconstrução, descobre ou explicita a lógica do processo vivido, os fatores que intervieram no tido processo, como se relacionaram entre si e porque o fizeram desse modo”. No desenvolvimento do trabalho não foi possível contar com a participação do coletivo na escrita. Somente em alguns momentos de reflexão sobre as práticas realizadas.

Para compreender a importância deste “estar implicado” no processo de ensino e aprendizagem, como sujeito histórico e na ação docente carregada de certa intencionalidade, é preciso fazer-se a leitura dessas relações que se estabelecem e se entrelaçam. Relações estas que têm historicidade como parte constituída de uma totalidade social e histórica e, ao mesmo tempo, constituinte desta mesma totalidade. Refletir sobre esta condição dos sujeitos educadores revelou a necessidade de recorrer-se à categoria da dialética da totalidade, cujo conceito já foi definido em outro momento, mas também à categoria da mediação, que “[...] implica em uma perspectiva de análise que começa com a própria definição do objeto, e não constitui stricto sensu, solução para uma relação insuficiente de causalidade, empiricamente

estabelecida (ou dada por hipótese)” (CIAVATTA, 2001, p. 142). Acrescenta a autora: “Vistos sob o conceito da mediação, os objetos revelam-se como processos sociais

complexos, com significados diversos, dependendo dos sujeitos atuantes e da dinâmica dos fenômenos envolvidos” (p. 153).

Considerando os efeitos do pensamento hegemônico em uma sociedade de classes como a brasileira e a trajetória singular dos sujeitos, pode-se avançar na interpretação dos diferentes significados e práticas que um mesmo projeto de currículo pode vir a produzir no interior da experiência do PROEJA-FIC. Isto significa que os sujeitos educadores, embora tenham participado de um mesmo processo de formação continuada e tomado conhecimento dos princípios que balizam o projeto, podem interpretá-los de forma diversa, o que resulta em práticas também diferentes daquelas propostas. Em relação a esse aspecto, pretende-se, através dos diálogos, identificar tendências do pensamento docente no que se refere à questão que orienta todo o trabalho de pesquisa, isto é, qual a intencionalidade da Educação de Jovens e Adultos e, neste caso, desta ser organizada através de um Currículo Integrado, que, por sua gênese teórica, tem como questão central a transformação radical da educação e, por consequência, objetiva contribuir para a transformação da sociedade.