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O currículo integrado na educação de jovens e adultos

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

OSMAR LOTTERMANN

O CURRÍCULO INTEGRADO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Ijuí (RS) 2012

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OSMAR LOTTERMANN

O CURRÍCULO INTEGRADO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Dissertação apresentada à Banca de Qualificação do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação nas Ciências -Mestrado, do Departamento de Pedagogia (DePe), da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

Orientadora: Doutora Elza Maria Fonseca Falkembach

Ijuí (RS) 2012

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A comissão abaixo assinada aprova a presente dissertação

O CURRÍCULO INTEGRADO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

elaborada pelo mestrando

OSMAR LOTTERMANN

como requisito parcial para obtenção do grau de

MESTRE EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

COMISSÃO EXAMINADORA:

_______________________________________________ Doutora Elza Maria Fonseca Falkembach (Orientadora)

_______________________________________________ Doutora Maria Simone Vione Schwengber

_______________________________________________ Doutor Walter Frantz

_________________________________________________ Doutora Maria Clara Bueno Fischer

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À minha esposa e companheira de todas as horas, Lisa, pela interlocução crítica e criativa que comigo tem estabelecido, pelo carinho, apoio e cumplicidade afetuosa.

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Dona Amália e aos meus filhos, Pedro, Álvaro e Luiz, por compreenderem o significado da minha ausência em muitos finais de semana. A distância que nos separa não me afasta do amor que sinto por vocês.

À minha sogra, Dona Eronita, pelo cuidado materno sempre dispensado a mim e ao meu sogro, Seu Siqueira, pelo apoio, vibrando com as minhas conquistas como se fossem as suas.

À minha orientadora, Professora Elza, que, com suas palavras, sua visão progressista e sua postura como educadora e ser humano, reanimam minha esperança na Educação Transformadora. Transformação esta que pode ser realizada, mesmo que pelas pequenas

“fissuras” abertas dentro do sistema.

Aos colegas Professores Mariléia e Tarcísio, pelas palavras de incentivo, pelas leituras indicadas, pelos livros emprestados e por muitas vezes terem realizado a minha parte nas atividades do grupo, para que eu pudesse me dedicar a escrever.

Aos Professores Maria Simone e Walter, pessoas admiráveis, pelo grande aprendizado que me proporcionaram, pelo carinho e consideração de sempre e por aceitarem o convite para fazer parte da Banca, em meio a tantos compromissos.

À Professora Maria Clara Bueno Fischer, por ter aberto um espaço em sua agenda e ter acolhido o convite para fazer parte da Banca de defesa.

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Aos Professores do Programa de Pós-graduação, Mestrado em Educação nas Ciências, pelas contribuições que trouxeram no decorrer desses dois anos, para que este trabalho se realizasse.

Aos colegas do Mestrado, pela acolhida carinhosa e pela parceria em tantos momentos de trabalho, de dúvidas e de descontração.

Aos educandos do PROEJA-FIC, por proporcionarem momentos inesquecíveis. Em vocês renovo minha crença na educação e a certeza de que fiz a escolha certa quando optei em ser professor.

Em especial, aos educadores do PROEJA-FIC, sujeitos da minha pesquisa, pela

convivência fraterna e a disposição em “abrirem-se” em suas experiências nesta construção permanente em que nós, seres humanos, estamos “porque a História em que me faço com os

outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismos [...]”. (Paulo Freire)

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“Não junto a minha voz à dos que, falando em paz,

pedem aos oprimidos, aos esfarrapados do mundo, a sua resignação. Minha voz tem outra semântica, tem outra música. Falo da resistência, da indignação, da

“justa ira” dos traídos e dos enganados. Do seu

direito e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas de que são vítimas cada vez mais sofridas. [...] [...] É reacionária a afirmação segundo a qual o que interessa aos operários é alcançar o máximo de sua eficácia técnica e não perder tempo com debates

“ideológicos” que a nada levam. O operário precisa

inventar, a partir do próprio trabalho, a sua cidadania que não se constrói apenas com sua eficácia técnica, mas também com sua luta política em favor da recriação da sociedade injusta, a ceder seu lugar a

outra menos injusta e mais humana.”

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RESUMO

Esta pesquisa descreve e reflete sobre as origens históricas do Currículo Integrado, descreve a história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil e “sistematiza” a experiência dos educadores do Curso de Formação Inicial e Continuada em Gestão Agropecuária integrado ao Ensino Fundamental na modalidade de EJA, desenvolvido pelo Instituto Federal Farroupilha, no Campus Santo Augusto, em parceria com os municípios de Tenente Portela, Três Passos e Coronel Bicaco. As análises foram realizadas a partir do método dialético, conforme define Moacir Gadotti, e tiveram como referências as categorias: trabalho, totalidade, contradição e hegemonia. O estudo foi realizado através da revisão bibliográfica sobre as origens do Currículo Integrado, com ênfase no seu principal referencial – a Escola Unitária de Gramsci -, considerando os princípios teóricos que lhe dão sustentação e da reflexão sobre o debate que se estabeleceu sobre o tema, a partir da sua definição como uma das prioridades da Educação Profissional de nível médio na Rede Federal de Educação Profissional. Tomei como referência para esta reflexão, os trabalhos de Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta, Acácia Kuenzer e Marise Ramos. O estudo serviu de base para indagar se o programa analisado tem caráter transformador. Em relação à Educação de Jovens e Adultos, foi realizada a descrição do seu histórico, tendo por base os trabalhos de Vanilda Pereira Paiva e Paulo Ghiraldelli JR, com ênfase nas experiências da Educação Popular realizadas a partir do final da década de 50 e início da década de 60, do século passado. Período em que houve projetos cujos objetivos eram a real emancipação dos trabalhadores, em contraposição ao projeto conservador de alfabetização que pretendia oferecer as primeiras letras e uma formação básica, que nada mais faria que inserir os trabalhadores como mão de obra dos setores produtivos urbanos. Neste contexto histórico aparece a Educação de Adultos em meio à disputa de projetos sociais e políticos mais amplos. No capítulo da “Sistematização da Experiência”, considerei as orientações de Elza Maria Fonseca Falkembach e Oscar Jara, no sentido de organizar as etapas do trabalho realizado, analisar os documentos, fazer a leitura e transcrição resumida dos Memoriais Formativos e a transcrição e análise dos depoimentos dos professores. A

“sistematização” orientou-se pelas seguintes questões: Os educadores expressam uma

compreensão das intenções estratégicas do Currículo Integrado no PROEJA-FIC, isto é, como projeto pedagógico contra-hegemônico? Quanto às especificidades dos sujeitos da EJA, como elas são percebidas pelos educadores, especialmente quanto às formas de avaliação e integração curricular? Houve um ambiente de crítica sobre as condições da realidade vivida por educandos e educadores, com o objetivo de ampliar os papéis que têm sido atribuídos à educação de adultos no Brasil, ou, nas palavras de Falkembach (2006), “ampliar cabeças”? Como resultado da investigação, podemos afirmar que apenas um educador revelou compreensão sobre as intenções estratégicas do Currículo Integrado no PROEJA-FIC. Os demais manifestaram compreensão razoável, apenas. Quanto à metodologia para as especificidades dos sujeitos da EJA, os educadores expressaram preocupações em relação à integração curricular, reconhecendo o espaço do PROEJA-FIC como meio de encontro e reencontro para pensar as vivências para além dos conteúdos, o que levou à percepção da necessidade de processos avaliativos que priorizem aspectos qualitativos. Esta foi a questão com as respostas mais adequadas para as condições históricas requeridas pela EJA e seus sujeitos. A pesquisa também revelou a necessidade de se ampliar os trabalhos de Formação Continuada dos professores.

Palavras-chave: Currículo Integrado. Educação de Jovens e Adultos. Emancipação.

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ABSTRACT

This research describes and reflects on historical origins of the Integrated Curriculum, describes the history Youth and Adult Education in Brazil and also systematizes the experience in the Agricultural Management Course, developed by Instituto Federal Farroupilha in the Santo Augusto City campus, alongside with the cities of Tenente Portela, Três Passos and Coronel Bicaco. The analyses were made using the dialectical method, according to Moacir Gadotti, and the references were, as follows, work, totality, contradiction and hegemony. The study was done using the bibliography revision of the Integrated Curriculum origins, emphasizing its main referential – Gramsci Unity School –, considering the theoretical principles that support it and the reflection about the discussion established on the subject, since its definition as a priority in the secondary professional education in the Federal Professional Education System. I used the works of Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta, Acácia Kuenzer and Marise Ramos as references to this reflection. The study formed the basis for to inquire whether that the program studied has a transformer character. The historical description of the Youth and Adult Education was put in practice, with the works of Vanilda Pereira Paiva and Paulo Ghiraldelli Jr. as references, emphasizing the experiences in the Popular Education from the late 50s and early 60s of the last century. In this period, a certain number of projects were developed with the focus on the real emancipation of the workers, in opposition to the conservatory alphabetization project that intended to offer the first words and a basic training program that would not do nothing but set the workers as common laborers in the urban productive sectors. In this historical context, the Adults Education appears in between of broader social and political projects. In the Experience Systematization Chapter, I considered the orientations by Elza Maria Fonseca Falkembach and Oscar Jara to organize the steps of the work, analyze the documents, to read, to transcribe and to make a summary of the Formative Memorials, as well as to transcribe and analyze the reports made by teachers. The research systematization was guided by the following questions: have the educators shown some comprehension of the PROEJA-FIC integrated curriculum strategic intentions, that is, as an anti-hegemonic pedagogical project? Regarding the specificities of EJA (youth and adult education) students, how are these specificities perceived by the educators, especially in the evaluation and curricular integration methods? There was an environment of critiques about the reality experienced by both educators and students and its conditions, aiming to broaden the roles attribute to the adult

education in Brazil, or according to Falkembach (2006), “broaden the heads”? As the result of

this investigation, we can confirm that only one educator demonstrate full comprehension about the PROEJA-FIC integrated curriculum strategic intentions. The other educators have

only shown reasonable understanding. Regarding the methodology for the EJA students’

specificities, the educators have shown their concerns to the integration of curriculum, recognizing that the space of PROEJA-FIC is a way of meeting new perspectives and share life experiences that goes beyond class contents; therefore this lead to the observation that evaluation process focused on qualitative methods are necessary. This was the question with a higher number of answers that are appropriate for the historic conditions that surrounded EJA and its students. Moreover, this research has revealed the need for improving continuous education work for teachers.

Keywords: Integrated Curriculum, Youth and Adult Education. Emancipation. Experience Systematization. PROEJA-FIC.

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LISTA DE SIGLAS

CNI - Confederação Nacional da Indústria

IFF - Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetização ONGs - Organizações Não-governamentais

PLANFOR - Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador

PROEJA - Programa Nacional de Integração da Educação Profissional à Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos

PROEJA-FIC - Programa de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos no Ensino Fundamental

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...11

1 O CURRÍCULO INTEGRADO...21

1.1 O conceito de currículo ...33

1.2 Fundamento teórico do Currículo Integrado e sua intencionalidade ...40

1.2.1 O Currículo Integrado e a educação brasileira ...41

1.2.2 O debate em torno da revogação do Decreto nº 2.208/1997 por meio do Decreto nº 5.154/2004 ...42

1.2.3 O ensino integrado como caminho na construção do ensino unitário e politécnico...44

2 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E SUAS RELAÇÕES COM OS PROJETOS DE SOCIEDADE - SÍNTESE DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL ...50

2.1 A Educação Popular no período colonial ...53

2.2 Século XIX (novas demandas e possibilidades para o ensino brasileiro) ...55

2.2.1 A Educação de Adultos e a Educação Profissional ...57

2.3 As décadas de 1920 e 1930...58

2.3.1 Algumas mudanças importantes para a Educação Popular ...60

2.4 A educação de adultos em âmbito nacional ...62

2.4.1 A Educação de Adultos e o Golpe de 1964 ...65

2.4.2 Currículo Integrado e a Educação de Jovens e Adultos a partir do Governo Lula...69

2.5 Análise do Documento Base do PROEJA - FIC ...73

2.5.1 Concepções e princípios do PROEJA - FIC ...75

2.5.2 O Projeto Pedagógico ...77

2.6 Considerações finais quanto à Educação de Jovens e Adultos...81

3 A “SISTEMATIZAÇÃO DA EXPERIÊNCIA” NO PROEJA-FIC ...90

3.1 Introdução ...90

3.2 A construção do conhecimento pela sistematização ...92

3.3 Organização do curso PROEJA-FIC ...96

3.4 A Formação Continuada dos professores ...99

3.5 Memoriais formativos e depoimnetos dos professores do PROEJA - FIC do município de Coronel Bicaco e Campus Santo Augusto...104

CONCLUSÃO...122

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INTRODUÇÃO

O tema central desta pesquisa é o Currículo Integrado no Programa de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos no Ensino Fundamental (PROEJA-FIC).1 Este programa, criado pelo Ministério da Educação em 2007, para ser realizado pelos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, está sendo executado no Instituto Federal Farroupilha (IFF) - Campus Santo Augusto - RS, desde 2010, através da oferta do curso de Formação Inicial e Continuada em Gestão Agropecuária integrado ao Ensino Fundamental na modalidade de EJA. Este curso é oferecido em parceria com os municípios de Tenente Portela, Três Passos e Coronel Bicaco.

Apresentam-se, a seguir, algumas características dos municípios, informações importantes a fim de que se tenha uma ideia sobre a formação física e histórica dos mesmos:

Santo Augusto, município sede do Campus, onde atuo profissionalmente como docente, está localizado no Noroeste do Rio Grande do Sul, assim como os demais Municípios parceiros do Programa. Possui uma população de 13.968 habitantes e seu território é de 468,105 Km². A economia é baseada na agropecuária e na prestação de serviços. Sua colonização e povoamento iniciaram em 1918, com a instalação de uma casa comercial na estrada que ligava a Colônia Militar do Alto Uruguai a Ijuí e Catuípe. Mais tarde, começou a receber famílias oriundas de outras localidades, formadas por descendentes de imigrantes italianos, alemães, poloneses e luso-brasileiros, em sua maioria. A emancipação do Município se deu em 1959 (IBGE, 2010).

Tenente Portela, com uma área territorial de 338,085 Km², possui uma população de 13.719 habitantes. A economia também é baseada na agropecuária e na prestação de serviços. O início do povoamento deste Município se deu por volta de 1911, por aproximadamente 90 famílias, vindas de diversas cidades de diferentes regiões do Estado. Há época, junto a essas famílias, habitavam duas tribos indígenas, os Kaigangs e os Guaranis. Atualmente os índios habitam o Toldo Indígena do Guarita. Tenente Portela emancipou-se em 1955 (IBGE, 2010).

1O Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos/Formação Inicial e Continuada/Ensino Fundamental (PROEJA-FIC) foi instituído pelo Decreto 5.840/2006.

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O município de Três Passos conta com o maior em número de habitantes, 23.965. Porém, em área territorial é o menor, possuindo 268,397 Km². Sua economia baseia-se na prestação de serviços, na indústria e na agropecuária, nesta ordem de importância. Em 1860, com a intenção de instalar uma Colônia Militar na área, o Governo Imperial enviou uma equipe de engenheiros e um forte destacamento a fim de abrir a primeira picada, que, por sua extensão, criaria problemas com a vizinha Argentina alguns anos mais tarde. Somente por volta de 1879, a Colônia Militar do Alto Uruguai foi instalada, sendo este o primeiro vestígio de formação do município. Em 1882, distante 35 km da Colônia, foi construída uma casa de guarda avançada, com a finalidade de proteger a estrada, onde surgiria a cidade anos depois. Em 1919 chegaram os primeiros descentes de imigrantes alemães ao local, sendo emancipado em 1944 (IBGE, 2010).

Pela possibilidade de acompanhamento mais efetivo do trabalho e por ter designado uma carga horária especial aos professores para atendimento do PROEJA-FIC, Coronel Bicaco foi o município de onde foi selecionada a prática para “sistematização” do Programa na dissertação. O município possui a maior área territorial, 492,126 Km² , entre os demais municípios envolvidos no Programa e a menor população, 7.748 habitantes. A economia é predominantemente baseada na prestação de serviços e na agropecuária. Em 1724 surgiu o primeiro povoamento no Rincão do Guarita, hoje Distrito de Campo Santo, sede da escola onde estudam os alunos do PROEJA-FIC. O nome, Coronel Bicaco, foi dado em homenagem a um dos primeiros colonizadores, vindo da Argentina. Sua emancipação ocorreu apenas em 1963, mas a instalação se deu em 1964 (IBGE, 2010).

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Figura 1. Região Noroeste do Rio Grande do Sul onde estão localizados os Municípios de Santo Augusto, Tenente Portela, Três Passos e Coronel Bicaco

Fonte: FEE, 2009.

O curso de Formação Inicial e Continuada em Gestão Agropecuária integrado ao Ensino Fundamental na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), denominação dada em seu documento de criação, tem por objetivos, sintetizados no Projeto Pedagógico:

- criar parceria entre Municípios e Rede Federal de Ensino com vistas a oferecer ensino de qualidade às camadas populares;

- oportunizar aos jovens e adultos a conclusão de seus estudos;

- certificar os alunos com a formação técnica integrada ao ensino fundamental, relacionando a teoria e a prática profissional;

- capacitar os docentes do ensino fundamental a trabalharem com o ensino de jovens e adultos.

- desenvolver a autonomia e a capacidade empreendedora de modo que o profissional tenha visão de novas oportunidades de trabalho e geração de emprego e renda, fomentando assim o surgimento de novos empreendimentos.

O curso é destinado a jovens e adultos dos municípios parceiros, cujas atividades ocupacionais tenham vínculo com a agricultura. Das quatro turmas organizadas, três são

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formadas por trabalhadores da agricultura familiar e uma é integrada por membros da Terra Indígena Guarita. Esta última faz parte das duas turmas ofertadas em Tenente Portela. Em Três Passos, a turma é composta por membros da comunidade Floresta, e em Coronel Bicaco, da comunidade de Campo Santo. De um modo geral, os educandos, há vários anos fora da escola, têm idade superior a 30 anos. Cada turma é composta por 30 alunos, perfazendo um total de 120 matriculados no curso. Os educadores encarregados de ministrar as aulas da Base Nacional Comum fazem parte do corpo docente dos municípios parceiros. Esses professores, em sua maioria, também são filhos de trabalhadores da agricultura familiar ou assalariados em atividades vinculadas à produção primária.

As aulas da Educação Profissional são de responsabilidade do Instituto Federal Farroupilha - Campus Santo Augusto. Os educadores envolvidos possuem formação especifica nas áreas tecnológicas abrangidas pelo arco ocupacional que envolve o curso: Agricultura, Informática e Administração. Os professores dos municípios e do Campus participam de um programa de Formação Continuada, cujo objetivo é ampliar os conhecimentos sobre as temáticas essenciais do programa, isto é, o Currículo Integrado, a Educação de Jovens e Adultos e a Educação Profissional.

A ideia de pesquisar nesta perspectiva baseou-se no fato de que há um grande número de iniciativas governamentais, tanto no que se refere às abordagens metodológicas, quanto aos programas destinados a segmentos específicos da educação formal que, ao chegarem às escolas, transformam-se em algo bastante diferente daquilo inicialmente concebido. Vários são os fatores que levam a esta situação, como também são diferentes as motivações que geram tais políticas no campo educacional. Esta constatação gerou o interesse de pesquisar a implantação de um programa que envolve duas temáticas de interesse do pesquisador: o Currículo Integrado, como possibilidade a partir da revogação do Decreto nº 2.208/97 pelo Decreto nº 5.154/2004, e a Educação de Jovens e Adultos, como espaço da Educação Popular.2 Pesquisar estas duas temáticas é uma necessidade à medida que o Governo Federal vem ampliando a oferta de Educação Profissional integrada à formação básica. Esta

2

O Decreto nº 2.208/97 determinava a separação entre o Ensino Médio e a Educação Profissional. Ele foi revogado pelo Decreto nº 5.154/2004, que abriu a possibilidade do Ensino Médio Integrado.

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ampliação está sendo realizada através dos Institutos Federais, criados com a missão de qualificar os trabalhadores através do ensino técnico e tecnológico em todo o país.3

Ao lado dessa necessidade percebida como educador do Campus Santo Augusto e participante do programa, há uma motivação de caráter pessoal, relacionada à história de vida deste pesquisador, que, ainda adolescente, deixou a escola para ingressar no mundo trabalho. Na prática do trabalho manual, percebeu o quanto o sujeito que o realiza se distancia rapidamente do conhecimento escolar. Há uma lógica constatada empiricamente ao voltar à escola como trabalhador-estudante: os trabalhadores das atividades em que predomina o dispêndio da força física têm certa reserva em relação ao trabalho em que predomina o uso do intelecto. E isso sempre causou uma inquietação, ou seja, a falta de reconhecimento de ambas as partes e o distanciamento que ocorre entre os saberes ao invés de se complementarem. Também, como assalariado, foi-lhe possível conhecer a pressão que sofrem os trabalhadores, especialmente a partir da década de 1990, quanto à necessidade de qualificação permanente, como forma de manter-se no mercado de trabalho.4 Por esta razão, realiza-se um objetivo particular, ao mesmo tempo em que se pretende contribuir na construção do conhecimento a partir de uma experiência da Educação Popular.

A distinção radical entre trabalho manual e trabalho intelectual tem relação com uma espécie de hierarquia solidificada na história contemporânea, embora Gramsci (1982) tenha advertido para o fato de que todo o trabalho humano envolve, em certa medida, um trabalho intelectual. O autor esclarece que, ao se referir aos intelectuais, está fazendo referência àquelas pessoas cuja atividade principal se realiza e tem funções típicas do trabalho intelectual. Na modernidade, o trabalho intelectual e a ciência se sobrepõem às demais formas de aquisição de conhecimento.

Esta pesquisa busca contribuir com a construção da proposta do Currículo Integrado, a partir da reflexão sobre a base teórica que dá sustentação a ele. Para isso, o primeiro capítulo apresenta a revisão bibliográfica sobre as concepções que lhe deram origem, cuja matriz de pensamento tem sua base no marxismo, no que se refere às categorias da totalidade, do

3Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia foram criados pela Lei nº 11.892/2008, alterando as estruturas organizacionais das Escolas Técnicas Federais e dos Centros Federais de Educação Tecnológica. 4A expressão mercado de trabalho, muito utilizada hoje, especialmente no meio empresarial, não nos deixa esquecer que no capitalismo, conforme afirmou Marx, os homens que não possuem os meios de produção vendem a única coisa que lhes resta, a força de trabalho.

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trabalho, da contradição e da hegemonia, utilizadas como referências de análise da formação da sociedade capitalista e suas contradições. Seguindo a mesma tradição, procura-se descrever os pressupostos que embasam o Currículo Integrado, tentando identificá-lo como proposta de projeto contra-hegemônico na sociedade brasileira, que tem sido marcada pela dualidade em diferentes campos da organização social, política e cultural. Nesta descrição, toma-se como referência os trabalhos de Gaudêncio Frigotto, Acácia Kuenzer, Maria Ciavatta e Marise Ramos, cujas elaborações têm contribuído significativamente no estudo deste tema, especialmente na última década. Embora Karl Marx não tivesse a educação como um de seus temas de maior interesse, uma vez que suas análises estiveram centradas nas macroestruturas que formam a sociedade capitalista, suas ideias passaram a ser fundamentais para as reflexões que, no campo educacional, pretendem se contrapor ao capitalismo e sua forma de inserir os trabalhadores nos sistemas de ensino. A educação, portanto, como espaço de preparação das gerações para conviver neste mundo de relações contraditórias e como parte desta mesma sociedade, passou a ocupar lugar de destaque, especialmente no século XX, quando a formação escolar se transformou em uma necessidade para a reprodução da sociedade capitalista.

A questão apresentada para esta análise é o trabalho e os papéis reservados aos trabalhadores no sistema capitalista. A partir desta preocupação, toma-se a discussão sobre currículo, que é um fato do início do século XX, quando nas sociedades industriais capitalistas dos Estados Unidos e da Europa Ocidental se passou a oferecer a escolarização para grande parte da população desses países. Esta nova situação levou à construção de concepções acerca do que a escola formal e o seu currículo deveriam ser. Assim, nos EUA, o

currículo passou a ser tratado “[...] como um campo profissional especializado” (SILVA,

2009, p. 22). Na Europa, e também em vários outros países, foram promovidas reformas educacionais nesse mesmo período. Além das experiências nessas sociedades industriais, a Revolução Socialista na Rússia fornecia novos paradigmas para a formação escolar.

Partindo da concepção de trabalho e de seu caráter na sociedade capitalista e tendo como foco de preocupação a função dos intelectuais e a questão da hegemonia de uma classe sobre as demais, o pensador italiano Antônio Gramsci deixou fecunda contribuição para as discussões a respeito do currículo escolar. Sua preocupação com a necessidade de uma nova formação escolar, que não servisse aos interesses do pensamento hegemônico capitalista e que qualificasse os trabalhadores para a produção com nova base tecnológica, levou-o a propor a

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Escola Unitária: uma escola que oferecesse aos trabalhadores tanto a formação humanística quanto a técnica.

A Escola Unitária de Gramsci está na base do pensamento atual sobre a necessidade de integração entre as formações da Base Nacional Comum e a Profissional no Ensino Médio. Esta integração, no entanto, tem como objetivo central a formação humana para além dos interesses do mercado. Por essa razão, apresenta-se, no capítulo do Currículo Integrado, uma reflexão sobre as motivações deste pensador. Em seguida, a reflexão apresenta as contribuições de Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavata, Marise Ramos e Acácia Zeneida Kuenzer, que têm travado uma luta pela implementação do Currículo Integrado e, ao mesmo tempo, oferecido exaustivas e ricas contribuições para que o debate chegue às instituições escolares. A proposta do Currículo Integrado passa por um processo de experimentação, uma vez que está definido como uma prioridade dos Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia.

O Programa Nacional de Integração da Educação Profissional à Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) é analisado a partir do segundo capítulo, onde se encontra a síntese da história da Educação Popular e de Adultos no Brasil, com base nos trabalhos de Vanilda Pereira Paiva e Paulo Ghiraldelli Júnior, tendo por objetivo traçar um perfil das suas experiências, ao mesmo tempo em que se pretende demonstrar que a Educação, de forma geral, e a Educação Popular, em particular, constituem um campo de tensões entre os grupos sociais. Neste sentido, procura-se revelar certa intencionalidade nos projetos de Educação Popular e de Adultos, no sentido de estabelecer uma formação que regula o comportamento das classes populares e as coloca a serviço do modelo social vigente, ou como possibilidade de avanço para a construção de um novo projeto social. Em outras palavras, pretende-se compreender em que medida se pode dizer que a EJA esteve implicada a um ou outro projeto político.

Atenção especial é dada às experiências de Educação Popular realizada a partir do final dos anos 50, período em que houve projetos cujos objetivos eram a emancipação dos trabalhadores, em contraposição ao projeto conservador de alfabetização que pretendia oferecer as primeiras letras e a formação básica, que nada mais faria além de inserir os trabalhadores como mão de obra dos setores produtivos urbanos, dentro da lógica do plano desenvolvimentista em curso no país. Deseja-se demonstrar, com base em Miguel González

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Arroyo e Carlos Rodrigues Brandão, que o Estado, no curto espaço de tempo em que esteve dirigido por governos populistas, porém, com alguma sensibilidade em relação aos problemas estruturais, incorporou e investiu em programas de Educação Popular. “Mesmo administrando o país sob o fogo cruzado dos setores conservadores e assistindo ao solapamento das instituições democráticas por tais elementos, o presidente Jango conseguiu desenvolver medidas importantes para o avanço nas áreas sociais” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2009, p. 91). Nesse mesmo cenário, já no final da década anterior, o educador Paulo Freire começava a desenvolver uma prática nova de alfabetização, por estar sensibilizado com os graves problemas sociais e a forma subalterna como a população oriunda do êxodo rural vinha sendo incorporada ao meio urbano.

É nos anos 1960, com Paulo Freire, que no Brasil se tem, pela primeira vez, de forma consciente, uma pedagogia anunciada das classes populares. Pela primeira vez começa-se a conceber uma pedagogia na educação brasileira (e latino-americana) que leva em consideração a realidade brasileira com vistas à sua transformação, em que as classes populares assumem papel central (PALUDO, 2001, p. 91).

Com a instalação do Regime Militar, em 1964, a Educação Popular tomou novos rumos, inclusive com o término de alguns programas de alfabetização, com a mudança de enfoque dado pelos que permaneceram e, sobretudo, com a criação do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL). Aos poucos, o Estado brasileiro foi dirigindo a educação do povo para uma formação básica dentro dos limites conservadores. Procura-se explicitar essa mudança e, ao mesmo tempo, observar que a construção iniciada no período anterior seria um legado jamais esquecido e, por isso, retomado mais tarde. Mesmo durante a ditadura militar, várias experiências levaram consigo as influências dos anos 60, em especial do pensamento de Freire. Abordam-se também as mudanças possíveis para a educação de adultos a partir da Constituição de 1988 e da Lei nº 9.394/1996. Em relação à formação básica integrada à Educação Profissional, na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, são analisadas as possibilidades criadas pelo Decreto nº 5.840/2006, que tem sua forma de aplicação detalhada no Documento Base/2007.

Tomando como referência a reflexão sobre o Currículo Integrado, seu projeto de emancipação dos trabalhadores e a sua aproximação com os compromissos e a tradição da Educação Popular transformadora, apresenta-se no terceiro capítulo desta dissertação, a

“sistematização da experiência” em andamento do curso de Gestão Agropecuária, do

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Procurou-se seguir a ideia de que “[...] fazer sistematização é colocar-se em situação de aprendizagem frente a esse fazer; é predispor-se a circular, conscientemente e

inconscientemente entre os limites do novo e do já vivido” (FALKEMBACH, 2000, p. 16).

Neste trabalho, a sistematização difere, em parte, do que tem sido proposto, que é a escrita da experiência feita a várias mãos. Não foi possível realizar momentos coletivos de reflexão e escrita, como pretendido, dado que, a maioria dos professores trabalha em mais de uma escola e os prazos da dissertação não puderam se adaptar aos tempos desses para encontros coletivos – que pudessem gerar a pretendida reflexão coletiva e posterior escrita. Esta “sistematização” é realizada por meio dos registros do desenvolvimento do programa nos municípios de Tenente Portela, Três Passos e Coronel Bicaco, uma vez que são realizadas várias atividades em que há o envolvimento dos educadores desses municípios e dos professores do Campus Santo Augusto. As suas contribuições são dadas pelas vivências realizadas, pela reprodução resumida dos seus memoriais formativos e pela transcrição dos depoimentos dos educadores do município de Coronel Bicaco; do memorial e depoimento de um professor da Educação Profissional e do depoimento de um membro da equipe de Coordenação do PROEJA-FIC. Nesses depoimentos, buscam-se respostas às seguintes questões:

a) Os educadores expressam uma compreensão das intenções estratégicas do Currículo Integrado no PROEJA-FIC, isto é, como projeto pedagógico contra-hegemônico?

b) Quanto às especificidades dos sujeitos da EJA, como elas são percebidas pelos educadores, especialmente quanto às formas de avaliação e integração curricular?

c) Houve um ambiente de crítica sobre as condições da realidade vivida por educandos e educadores, com o objetivo de ampliar os papéis que têm sido atribuídos à educação de adultos no Brasil, ou, nas palavras de Falkembach (2006), “ampliar cabeças”?

A metodologia adotada no desenvolvimento da dissertação cumpre as seguintes etapas: revisão bibliográfica de um conjunto de obras referentes ao Currículo Integrado, revisão da história da Educação Popular e de Adultos e leitura de textos sobre o método de sistematização de experiências. A revisão bibliográfica e a história da Educação Popular e de Adultos são acompanhadas de uma análise em que se pretende dar relevância às contradições existentes na implantação dos programas da Educação Popular no Brasil, bem como contribuir para a discussão sobre as possibilidades de se implantar o Currículo Integrado. As

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análises partem do pressuposto de que a educação está inserida no conjunto de práticas sociais cujo caráter tem relação com as questões estruturais da sociedade brasileira. Assim, adotou-se

o método dialético, porque “O pressuposto básico da dialética é que o sentido das coisas não

está na consideração de sua individualidade, mas na sua totalidade [...]” (GADOTTI, 2010, p. 104). As interlocuções com os textos analisados, portanto, são feitas partindo da ideia de que a história da educação, seus programas e concepções filosóficas são produzidas numa relação com a totalidade histórica. Essa interlocução considera como referências a contradição, a totalidade e a questão da hegemonia. Isso não significa, no entanto, que se toma a educação como um setor totalmente subserviente aos grupos dominantes, mas como lugar de

continuidades e rupturas, espaço de mediações. “A mediação é [...] a visão historicizada do

objeto singular, cujo conhecimento deve ser buscado em suas determinações mais gerais, em seus universais, assim como ser situado no tempo e no espaço” (CIAVATTA, 2009, p. 133-134).

A “sistematização” é realizada através da análise dos documentos que possibilitaram a realização do PROEJA-FIC no Campus Santo Augusto, da descrição das etapas realizadas e das manifestações dos educadores de Coronel Bicaco e do Campus. São apresentados, de forma resumida, os memoriais formativos dos professores que atuaram no curso e depoimentos produzidos em diálogos mais específicos, cujas palavras são transcritas e comentadas. Os participantes desta etapa serão identificados pelas variáveis: A, B, C, D e E.

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1 O CURRÍCULO INTEGRADO

A temática do Currículo Integrado é apresentada neste capítulo a partir de três aspectos considerados relevantes na revisão bibliográfica e na análise da mesma: uma abordagem sobre a origem e os compromissos político-ideológicos que norteiam a defesa da sua realização, partindo de uma interpretação do conceito de trabalho em Marx, da Escola Unitária de Gramsci e dos atuais proponentes do Currículo Integrado e o debate que se estabeleceu sobre o tema nas últimas décadas; o aparecimento da definição de currículo como espaço de organização do conhecimento escolar, na concepção de John Franklin Bobbit (apud SILVA, 2009), como um processo de seleção de conhecimentos para serem abordados na escola, segundo Silva (2009) ou, ainda, um “plano pedagógico e institucional” (DAVINI, 2009, p. 282); e, por último, a construção teórica que fundamenta o Currículo Integrado e sua intencionalidade como proposta de educação transformadora.

O Currículo Integrado faz parte de uma concepção de organização da aprendizagem que tem como finalidade oferecer uma educação que contemple todas as formas de conhecimento produzidas pela atividade humana. Trata-se de uma visão progressista de educação à medida que não separa o conhecimento acumulado pela humanidade na forma de conhecimento científico daquele adquirido pelos educandos no cotidiano das suas relações culturais e materiais. Por essa razão, possibilita uma abordagem da realidade como totalidade, permitindo um cenário favorável a que todos possam ampliar a sua leitura sobre o mundo e refletir sobre ele para transformá-lo no que julgarem necessário. O ensino integrado tem por objetivo “disponibilizar aos jovens que vivem do trabalho a nova síntese entre o geral e o particular, entre o lógico e o histórico, entre a teoria e a prática, entre o conhecimento, o

trabalho e a cultura” (KUENZER, 2002, p. 43-44).

Por se tratar da integração da formação básica com a formação profissional, o Currículo Integrado possibilita que os trabalhadores tenham acesso aos bens científicos e culturais da humanidade ao mesmo tempo em que realizam sua formação técnica e profissional. Esta formação se diferencia dos projetos vinculados aos interesses de mercado, uma vez que é bem mais que isso. É um ensino que pretende formar um profissional crítico, que seja capaz de refletir sobre sua condição social e participar das lutas em favor dos interesses da coletividade.

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Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política. Formação que, neste sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos (CIAVATTA, 2005, p. 85).

O currículo escolar, em uma sociedade de classes, constitui a representação dos interesses do pensamento dominante, mas também traz em si contradições que podem ser identificadas pelo princípio básico da dialética. O Currículo Integrado é uma forma de organização do conhecimento escolar que permite a compreensão das relações complexas que compõem a realidade e possibilita a emancipação dos educandos. Seu caráter transformador está em romper com as fragmentações que dificultam o desvelamento das contradições presentes nessa sociedade.

A integração curricular, no entanto, não se realiza apenas pela oferta de disciplinas da Educação Profissional e da educação básica. Integrar requer uma leitura da realidade concreta, com a participação dos sujeitos envolvidos na aprendizagem, para desvelar suas relações e suas especificidades. Para isso, é necessário mais do que práticas de cooperação entre as

disciplinas do conhecimento científico. “A integração exige que a relação entre

conhecimentos gerais e específicos seja construída continuamente ao longo da formação, sob

os eixos do trabalho, da ciência e da cultura” (RAMOS, 2005, p. 122). O exercício da

aprendizagem, nesta perspectiva, tem relações estreitas com as condições específicas dos educandos e educadores. Por isso, integrar sob os eixos do trabalho, da ciência e da cultura como operação didática e pedagógica pressupõe um olhar comprometido com as relações estabelecidas no lugar da aprendizagem. Este compromisso é político e, como tal, requer a

compreensão de que educar exige interferir em determinada realidade e tomar posição. “Não

posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição” (FREIRE, 2010, p. 102). O Currículo Integrado, portanto, inscreve-se entre as propostas de educação, cujo objetivo é romper com a ideia de neutralidade e é favorável aos processos de ensino e aprendizagem que concorram para a emancipação dos trabalhadores.

É importante lembrar que a ideia de formação completa do homem por meio de processos educacionais é anterior à sociedade industrial e, portanto, ao marxismo e à Escola Unitária de Gramsci. Já entre os pensadores do período renascentista estava presente a

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preocupação com a formação completa do ser humano. Comenius (1985, p. 145), em sua Didática Magna, recomenda:

Importa agora demonstrar que, nas escolas, se deve ensinar tudo a todos. Isto não quer dizer, todavia, que exijamos a todos o conhecimento de todas as ciências e de todas as artes (sobretudo se se trata de um conhecimento exato e profundo). Com efeito, isso, nem, de sua natureza, é útil, nem, pela brevidade da nossa vida, é possível a qualquer dos homens.

A preocupação do autor é no sentido de que todas as pessoas devem ter uma noção, mesmo que genérica, dos fenômenos que, de uma forma ou de outra, interferem no curso da vida humana. Complementa o autor:

Pretendemos apenas que se ensine a todos a conhecer os fundamentos, as razões e os objetivos de todas as coisas principais, das que existem na natureza como das que se fabricam, pois somos colocados no mundo, não somente para que façamos de espectadores, mas também de atores (COMENIUS, 1985, p. 146).

Para atuar no mundo, pensava Comenius (1985), não se pode ignorar a existência das coisas. É o que no mundo contemporâneo se chama de conhecimento ou cultura geral. Ter uma compreensão do todo no que se refere à ciência, à técnica, à cultura e às artes não significa tornar-se um especialista em cada uma delas. Importante é perceber o objetivo de que todos os seres humanos sejam atores, isto é, tenham uma postura ativa no mundo. Particularmente neste aspecto, o objetivo perseguido por este pensador do século XVII aproxima-se dos postulados da educação unitária de Gramsci, ou do Currículo Integrado, hoje defendido por Frigotto, Ciavatta e Ramos.5“[...] os socialistas utópicos da primeira metade do

século XIX [...] Saint-Simon, Robert Owen e François Fourier” (CIAVATTA, 2005, p. 86), também “levantaram o problema de uma formação completa para os produtores” (p. 86).

Parece importante esclarecer que a proposta de Currículo Integrado se insere no conjunto mais amplo de compromissos que um determinado grupo de homens e mulheres assume diante das circunstâncias do trabalho alienado e da exploração do homem pelo homem, mais especificamente, da alienação6 produzida pelas relações capitalistas de produção. A defesa de uma formação integral, no sentido de alcançar uma formação

5A proposta de Ensino Médio Integrado tem em Frigotto, Ciavatta e Ramos, seus mais importantes defensores. 6

Na interpretação marxista, significa perder a condição de reconhecer-se como sujeito da história e não reconhecer como seu o produto do seu trabalho, devido à natureza das relações e destino da sua posse.

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omnilateral7 do ser humano, não foi chamada de Currículo Integrado na sua origem, já que as reflexões sobre educação não contavam com formulações teóricas específicas sobre currículo. Gramsci defendeu a formação completa através de uma Escola Unitária que unisse a formação que chamou de desinteressada (cultura geral, sem objetivo imediato) com a formação de caráter técnico, voltada para a produção. Os pressupostos que sustentam teoricamente este movimento estão no conjunto de ideias defendidas por Marx e Engels, cujas obras têm como eixo central a crítica à exploração estabelecida pela sociedade capitalista.

Para estudar e descrever a formação da sociedade capitalista e seu modelo econômico e social, Marx analisou o trabalho como um dos temas centrais. Não somente na sua forma histórica, tal qual se apresentava na sociedade industrial da sua época, mas também o trabalho como algo inerente ao homem, isto é, o meio pelo qual os seres humanos se diferenciam dos demais seres da natureza, embora façam parte dela. Neste sentido, mostrou que o homem, pela sua condição de espécie diferenciada dos outros animais, é capaz de estabelecer relações mais complexas com o meio em que vive e com os próprios homens. Ao descrever essa condição, que se pode entender como condição humana, Marx (2003, p. 116) afirma: “A atividade vital lúcida diferencia o homem da atividade vital dos animais”. Por atividade vital lúcida, Marx (2003) quer dizer que o homem, apesar de necessitar do trabalho como meio de existência, o faz como um ser livre e consciente. No entanto, em determinadas circunstâncias, o homem perde esta liberdade, pois já não se sente mais livre para agir, não se reconhece como tal e não se identifica com o produto do seu trabalho. É o que este autor chamou de

trabalho alienado. “O trabalho alienado inverte a relação, uma vez que o homem, enquanto ser lúcido, transforma sua atividade vital, o seu ser, em simples meio da sua existência” (MARX,

2003, p. 116).

Ao afirmar que o trabalho alienado reduz o homem à condição de ser que apenas produz através dele a sua existência física, Marx (2003, p. 117) denuncia a violação da própria condição humana, aquela que permite a sua criatividade e o seu reconhecimento como parte ativa da natureza como ser da humanidade. Ao fazer esta denúncia, afirma que:

7O conceito de omnilateralidade formulado por Marx corresponde à concepção “de que o ser humano deve ser integralmente desenvolvido em suas potencialidades, através de um processo educacional que leve em consideração a formação científica, a política e a estética, com vistas à libertação das pessoas, seja da ignomínia

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Na medida em que o trabalho alienado tira do homem o elemento da sua produção, rouba-lhe do mesmo modo a sua vida genérica, a sua objetividade real como ser genérico, e transforma em desvantagem a sua vantagem sobre o animal, então lhe é arrebatada a natureza, o seu corpo inorgânico.

Por vida genérica, entende o autor a condição humana de produzir na liberdade, além da necessidade da existência, uma atuação sobre o mundo objetivo.

Ao analisarem o trabalho no seu aspecto histórico, isto é, como a produção da vida material se apresenta nas sociedades, Marx e Engels (2005) afirmam que o movimento da história se dá pela luta de classes. Esta luta advém da condição de uma parcela da sociedade ser constituída por homens expropriados do produto do seu trabalho nas sociedades escravistas, feudal e capitalista, sendo esta última, seu objeto especial de análise. É esta condição de exploração que tornou o homem alheio à condição humana de criar e de se apropriar da sua criação (alienação).

No capitalismo, através da propriedade privada dos meios de produção e do trabalho assalariado, a burguesia se apropria da riqueza gerada pelos trabalhadores e a reproduz em forma de capital acumulado. O salário pago é apenas a quantidade necessária para que o operário possa subsistir e repor a força de trabalho acima da demanda de empregos da indústria. A oferta superior de trabalhadores pressiona os salários para baixo e garante as taxas de lucro.

O preço médio do trabalho assalariado é o mínimo de salário, ou seja, a soma dos meios de subsistência necessários para que o operário viva como operário. Portanto, o que o operário assalariado obtém com sua atividade apenas é suficiente para reproduzir sua pura e simples existência (MARX; ENGELS, 2005, p. 61).

Sob as condições históricas descritas anteriormente e considerando que desde a Primeira Revolução Industrial, ocorrida inicialmente na Inglaterra na segunda metade do século XVIII, as jornadas de trabalho eram de até 16 horas diárias, fica difícil pensar que houvesse tempo para o trabalho criativo, para o exercício da liberdade, que faz com que o homem se reconheça como homem. O industrialismo de Ford, como observou Gramsci (2008), não se preocupou com a perda da espiritualidade e da humanidade, antes alimentadas com o trabalho dos artesãos que as vinculavam à arte. O Fordismo se encarregou de aniquilar este vínculo e construiu outras formas de evitar o total desequilíbrio psicofísico do trabalhador ao dar outros sentidos ao tempo disponível:

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[...] os industriais estão preocupados em ocupar os cérebros dos trabalhadores livres da produção (antes, durante e depois do trabalho) através de “escolas” que ponham no centro do estudo não o homem e sua liberdade, mas a máquina ou a ciência, metafisicamente e não historicamente concebidas. As escolas profissionalizantes, politécnicas, tecnológicas, os círculos de cultura e de lazer, as leituras e os clubes dos industriais correspondem a essa preocupação: ocupar o tempo e o cérebro do trabalhador centrando-os na máquina (ciência) dogmaticamente estudada. É justamente nesse ponto (de metodologia da técnica e da ciência) que a proposta educativo-escolar de Gramsci se destacou em Turim como contraponto à educação burguesa do trabalhador, do técnico e do cientista da produção (NOSELLA, 2010, p. 184).

Poder-se-ia pensar, no entanto, que o avanço tecnológico fosse gerar uma realidade nova. Um suporte capaz de libertar o homem das tarefas repetitivas, das longas jornadas de trabalho e devolver a ele o tempo e as condições para o trabalho criativo, aquele inerente à sua condição humana. Para que isso venha a ser possível, as tecnologias devem fazer o papel de facilitadoras da produção da existência, ou seja, dar sustentação material para que a sociedade possa viver “O momento da omnilateralidade humana (que tem como formas mais elevadas a ética, a filosofia, a ciência, etc.)” (ANTUNES, 2010, p. 87). Porém, pela natureza do próprio modo de produção capitalista, as inovações estão a serviço de uma maior acumulação de riquezas e não do bem-estar social. Por isso, “Tanto o trabalho quanto a propriedade, a ciência e a tecnologia, sob o capitalismo, deixam de ter centralidade como produtores de valores de

uso para os trabalhadores: resposta a necessidades vitais destes seres humanos” (FRIGOTTO,

2005, p. 63). Assim, as inovações tecnológicas são apropriadas pelos donos dos meios

convencionais de produção e, aos trabalhadores, fica o encargo de “qualificar-se” o suficiente

para operar os novos equipamentos e lidar com as novas tecnologias.

Nessas condições, o trabalho restringe-se à ação pela qual o homem produz e reproduz a riqueza material, e sua dimensão criativa, que é inerente à condição humana, perde vários espaços possíveis de se realizar. Não por acaso, uma das bandeiras de luta dos trabalhadores, em todos os tempos, é a diminuição da jornada de trabalho.

A luta dos trabalhadores, desde a lendária “Arca de Noé”, dá-se no sentido de abreviar o tempo de trabalho necessário à produção dos bens e serviços imprescindíveis à sua reprodução físico-biológica, às suas necessidades básicas historicamente determinadas para dispor de tempo livre, tempo de escolha verdadeiramente criativo e, portanto, genuinamente humano (FRIGOTTO, 2005, p. 59).

Embora os trabalhadores tenham alcançado algumas conquistas, na essência o sistema os obriga a permanecerem realizando o trabalho “necessário” e cada vez menos o trabalho

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criativo capaz de promover a realização do indivíduo como ser que recria a própria natureza. Não parece exagero dizer, portanto, que o modo de produção capitalista tem reduzido o trabalho à esfera da necessidade.8 Os meios pelos quais esta condição se impõe são os mais variados. Parece ter assumido mais frequentemente a condição de crise estrutural do próprio sistema, como a Crise de 1929; desemprego estrutural; crises financeiras que afetam as economias em determinadas conjunturas; e mudanças operadas pelo campo científico e tecnológico, cujos efeitos agem no sentido de pressionar os trabalhadores para que se adaptem à nova dinâmica dos aparatos de produção. Na educação escolar e nas demais formas de educação popular, esses processos de adaptação aparecem como novas demandas a serem atendidas, o que demonstra uma relação entre os processos educativos e as estruturas da totalidade social e econômica.

Nos países em que o capitalismo se estruturou até o início do século XX e que subordinaram um conjunto de nações vítimas das diversas formas de colonização operadas a partir do século XVI e, em especial no século XIX, foi possível desenvolver uma política de proteção social (Estado do Bem-estar). Esta política serviu para sustentar um modelo ancorado na sociedade de consumo em que o Estado garantiu o acesso da população a um padrão razoável de existência. A exploração de uma classe sobre a outra, entretanto, não desapareceu. Tampouco o trabalho voltou a ser realizado na sua dimensão de produção criativa. As formas de realização pessoal foram vinculadas à lógica do mercado, que é controlado pela classe detentora do capital, quer no que se refere ao comportamento de consumo como realização, quer nas atividades de recreação e lazer, hoje, mais do que nunca, totalmente atreladas aos interesses de mercado via contratos de imagem e propagandas da grande mídia.

Os efeitos desse cenário descrito atingem também um conjunto de países periféricos que se industrializaram através da transposição de capitais dos países centrais, em circunstâncias favoráveis a estes e suas corporações empresariais. Este é o caso do Brasil que, em boa parte do século XX, esteve em busca da industrialização como sinônimo de desenvolvimento e modernização. Isto significou construir uma base industrial e uma modernização acelerada das atividades primárias, liberando um enorme contingente de trabalhadores para o emprego na indústria. Este processo se intensificou nas décadas de 1950 8

Conforme Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), o trabalho humano está circunscrito a duas dimensões: à esfera da necessidade e à esfera da liberdade.

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e 1960. No entanto, tratava-se, em grande parte, de pessoas com baixa ou nenhuma escolaridade. Dessa forma, o Estado e algumas organizações mantidas pelas empresas ocuparam-se em oferecer possibilidades de formação básica e profissional para atender à demanda crescente de trabalhadores para a indústria nascente. Por algum tempo, o meio urbano acenou para os trabalhadores com a possibilidade da profissionalização, tornando-a sinônimo de segurança social, considerando que, “Sob a cultura industrialista do projeto nacional-desenvolvimentista e num contexto de pleno emprego, a razão de ser da educação

brasileira esteve predominantemente centrada no mercado de trabalho” (RAMOS, 2005, p.

111).

A terceira Revolução Industrial que ocorrera na segunda metade do século XX, nos países centrais do capitalismo, alterou o papel do trabalho e feriu a organização dos trabalhadores. No Brasil, em especial, o Estado tratou de adequar os trabalhadores aos interesses do grande capital nacional e estrangeiro. Assim, a cada ciclo de mudanças operadas nas relações de dominação capitalista correspondeu uma ordem de prioridades no país, tanto na adequação das relações de trabalho, quanto na conformação dos movimentos sociais e nas

formas de “qualificação dos trabalhadores”, encobrindo os reais interesses e efeitos

produzidos pelo sistema capitalista como um todo.

Com base nessa trajetória, Frigotto (2005, p. 63) lembra que: “A educação, mediante as noções de capital humano, sociedade do conhecimento e pedagogia das competências para a empregabilidade, tem sido utilizada em contextos históricos diferentes, como suportes ideológicos [...]” para dissimular os reais interesses em jogo e as estratégias do capital para perpetuar a sua reprodução e responsabilizar suas vítimas pelas mazelas por ele geradas. Em análise do tema, Rodrigues (2005), por meio do conceito de “metamorfose teleológica” oferece vários argumentos que corroboram para sustentar a ideia de que a classe dominante faz do seu projeto de classe uma espécie de “desígnio do bem” para toda a sociedade. Ele demonstra que a Confederação Nacional da Indústria (CNI), desde a sua criação, transforma os seus interesses de classe em meta a ser atingida por toda a sociedade, e como se fosse a favor de todos.

Em síntese, a CNI - através da metamorfose teleológica – visa a aglutinar e exprimir os interesses das classes produtoras industriais, identificando os seus interesses particulares aos dos demais setores da sociedade; isto é, o discurso da burguesia industrial mimetiza-se, buscando colocar-se acima dos antagônicos interesses das classes em luta (RODRIGUES, 2005, p. 106).

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A cada meta estabelecida pelas classes dominantes brasileiras, já lideradas pelo segmento industrial, correspondeu uma espécie de chamada de todos aos sacrifícios de construção de um grande projeto. Como esclareceu Rodrigues (2005), entre os anos de 1930 e 1950, tratava-se de fazer do Brasil um país industrializado. A justificativa, segundo a CNI, era de que os problemas do Brasil estavam relacionados à sua condição de país agrário-exportador. Também fez parte desse discurso, a defesa de um novo modelo de Educação Profissional, voltado para a formação aligeirada dos trabalhadores, através do sistema S.9

A partir de 1960, quando a industrialização foi alcançada, passou a CNI a perseguir o télos de país desenvolvido, pois a industrialização não eliminou os graves problemas sociais brasileiros. Ao contrário, aprofundou alguns problemas estruturais, devido à urbanização acelerada. Certamente, a passagem da condição de país industrializado subdesenvolvido para país desenvolvido geraria um grande custo para o capital. Assim, ao invés das reformas de base10, veio o Golpe Militar de 1964, que durou 20 anos. Foi um desses momentos identificados por Gramsci em que o consenso não é suficiente para enfrentar as contradições de uma lógica de acumulação. Aí entra em cena a força.

A partir da década de 1970, o capitalismo mundial entrou na fase da revolução tecnocientífica e informacional. Esta gerou mudanças importantes nas relações sociais de produção, impostas pelo novo padrão de acumulação do capital. A adequação a este novo padrão impôs também mudanças no papel do Estado frente ao intenso processo de globalização das economias e da competição exacerbada. Países, como o Chile, a Inglaterra e os Estados Unidos, promoveram reformas que diminuíram os compromissos sociais do Estado. No Brasil, as reformas que adequaram o país ao receituário neoliberal foram implementadas somente na década de 1990. Verifica-se, a partir daí, um processo de privatização das empresas estatais e a adoção, por parte dos empresários, de um discurso fundamentado na ideia de competitividade. Neste novo cenário, o “mundo do trabalho” é chamado a aderir aos ditames da economia competitiva, e os trabalhadores são empurrados para a busca da manutenção da empregabilidade. Nas palavras de Rodrigues (2005, p. 110):

“A busca da competitividade internacional da indústria brasileira, portanto, passa a modelar as

9O sistema S é formado por organizações ligadas a diversos setores da economia que oferecem serviços para os funcionários na área da saúde, do lazer e da educação profissional.

10

As Reformas de Base propostas pelo então presidente João Goulart tinham como finalidade atacar questões estruturais importantes, como a concentração fundiária e a questão da educação, entre outras.

(31)

propostas para a reestruturação do Estado (stritu sensu), da educação e da formação

profissional”.

Neste novo contexto, algumas mudanças devem ser consideradas: o cenário de afirmação das políticas neoliberais adotadas por vários governos e, consequentemente, as mudanças ocorridas nas relações de trabalho, que se tornaram significativas no final do século passado; na esfera da produção, o Toyotismo apresentou uma nova dinâmica de produção que teve repercussões sobre as relações no trabalho e de trabalho, bem como na organização dos trabalhadores. Quanto às primeiras, estas seguem uma lógica “[...] mais consensual, mais envolvente, mais participativa, em verdade mais manipulatória” (ANTUNES, 2010, p. 40). Esta manipulação, ainda conforme o autor, gera um tipo especial de “estranhamento”11 dos trabalhadores, pela diferença que apresenta em relação ao Fordismo, mas “[...] que possibilita ao capital apropriar-se do saber e do fazer do trabalho” (p. 40). No que diz respeito à organização e resistência dos trabalhadores, o modelo japonês, ao se expandir, e o neoliberalismo como macropolítica produziram uma verdadeira crise no movimento sindical. Entre os componentes dessa crise está a flexibilização, que compromete conquistas históricas dos trabalhadores (típico receituário neoliberal) e:

Uma crescente individualização das relações de trabalho, deslocando o eixo das relações entre capital e trabalho da esfera nacional para os ramos de atividade econômica e destes para o universo micro, para o local de trabalho, para a empresa e, dentro desta, para uma relação cada vez mais individualizada (ANTUNES, 2010, p. 68).

A cada processo de mudança e de novas relações ditadas pelo próprio capitalismo, constroem-se também as justificativas para que o trabalho não tenha o papel do fazer criativo nas demais dimensões da vida e permaneça como mero ato de luta pela subsistência, além de produção de mercadorias para o capital. Os cenários que legitimam o pensamento dominante fazem parte das suas próprias contradições, mas, ao menos por enquanto, têm sido capazes de manter o consenso muito mais pelo discurso do que pela força. Nessas condições, permanece a segregação imposta pelos processos produtivos e pelos sistemas educativos que, por estarem comprometidos com uma visão elitista, separam os homens entre os que pensam e os que executam; entre os que criam e os que apenas operam os novos instrumentos de trabalho, como algo alheio a sua natureza de classe, o que se pode entender como a continuidade da

11

Antunes (2010) explica que o estranhamento no Toyotismo ocorre devido à apropriação do saber e do fazer no trabalhador. Nesse sentido, apesar da aparente liberdade de criar, o trabalho não passaria de mercadoria.

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alienação. Mesmo quando sistemas produtivos como o Toyotismo oferecem maior integração

entre “pensar e agir” (ANTUNES, 2010, p. 40), a lógica do capital continua presente.

Conforme o autor, o fim da separação entre os que elaboram e os que executam é apenas aparente.

Em condição histórica “privilegiada”, e com especial preocupação com a dimensão do embate político e ideológico por que passava a Europa nas décadas de 20 e 30 do século passado, Gramsci deixou uma grande contribuição para o debate pedagógico e a construção de alternativas de educação, numa perspectiva socialista. Frente ao movimento da Escola Nova12, da Reforma Gentili13 e da experiência socialista na Rússia14, propôs uma Escola Unitária, capaz de superar aquilo que considerou o esgotamento da escola tradicional e a necessidade de uma escola típica da sociedade industrial, porém, do ponto de vista dos trabalhadores. Pela filosofia da práxis, Gramsci (apud NOSELLA, 2010) analisa as condições tecnológicas da sociedade industrial, não apenas como meio, mas como propriedade de determinados grupos e como resultado de relações sociais do momento histórico. Propõe, então, não uma escola para reocupar os cérebros dos trabalhadores, como queriam e querem

os industriais, mas, “a escola onde se ensina a radicalização e a universalização do processo

de libertação do operário, justamente a partir do estudo da fábrica e da máquina modernas concebidas histórica e politicamente” (NOSELLA, 2010, p. 185).

A escola capaz de promover essa radicalização e universalização da liberdade, segundo Gramsci, é a Escola Unitária, isto é, um currículo de escola formal que contemple a formação humanista (o que ele frequentemente chamou de cultura formativa desinteressada) e a formação técnico-profissional. “A chegada da escola unitária significa o começo de novas relações entre trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda a

vida social” (GRAMSCI apud NOSELLA, 2010, p. 168). O pensador e dirigente político

italiano estava preocupado com aquilo que acreditava ser um passo fundamental na definição dos rumos de uma sociedade moderna, qual seja, o seu pensamento hegemônico. Acreditava,

12Novos métodos pedagógicos estavam no centro do debate na década de 1920, especialmente graças aos filósofos americanos William James e John Dewey. Essas novas abordagens foram denominadas de Escola Nova.

13A Reforma Gentilli, idealizada pelo filósofo Giovanni Gentilli, Ministro da Educação no governo do ditador Benito Mussolini, na Itália. Entre as medidas adotadas foi tornado obrigatório o ensino da religião católica. 14

A proposta educacional de Marx, Lênin e Krupskaya defendiam a politecnia, em oposição à formação monotécnica do trabalhador.

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