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5. A JURISPRUDÊNCIA DO STF RELATIVA À AUTONOMIA INSTITUCIONAL

5.2. Autonomia administrativa e financeira

5.2.2 A construção teórica da autonomia financeira

A autonomia financeira é definida como sendo a “capacidade de elaboração da proposta orçamentária e de gestão e aplicação dos recursos destinados a prover as atividades e serviços do órgão titular da dotação” 99. De

acordo com esta definição, deve-se inferir a garantia da autonomia financeira a partir do § 3º do art. 127 da Constituição Federal, o qual dispõe: “O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias”. Desse modo, o não uso da expressão “autonomia financeira” não abalou a sua compreensão enquanto atributo inerente ao sistema de direitos de que goza o Ministério Público, na medida em que é pela a capacidade de elaboração da sua própria proposta orçamentária, em conformidade com as normas gerais editadas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, que se aperfeiçoa a aplicabilidade da prerrogativa.

Aliás, a previsão constitucional em comento permitiu consolidar de vez o nível de independência dos membros do Ministério Público comum, a qual se foi alargando desde a Emenda Constitucional nº 7/77, a qual autorizou a edição da Lei Complementar nº 40/81, que em seu art. 4º já previra o que se segue: “O Ministério Público dos Estados será organizado em carreira e terá autonomia administrativa e financeira, dispondo de dotação orçamentária”, o mesmo ocorrendo no tocante á Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/93, arts. 3º e 4º) e à Lei Complementar nº 75/93 (arts. 22 e 23).

No atual arranjo conformativo dos órgãos constitucionalmente independentes, embora pareça incompreensível e longe da melhor técnica a outorga

99

Para MAZZILLI, 1996, p.147: “A autonomia orçamentária é complemento necessário da autonomia e da independência funcional. Como anotou, com razão, Eurico de Azevedo Andrade, ‘é evidente, porém, que essa independência funcional – válida tanto para os seus membros como para a instituição como um todo, e incompatível com interferências externas, submissões burocráticas e supervisões orgânicas – só poderá ser exercida eficazmente, só será verdadeira e efetiva se estiver acompanhada de autonomia administrativa e financeira’”.

de autonomia funcional por um modo individual, passando ao largo do induvidoso do alcance normativo de princípios tais como a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aptos a ensejar uma ambiência institucional irretorquível, cumpre reconhecer que a autonomia financeira, embora reconhecida em sede doutrinária e jurisprudencial ao Ministério Público comum, ainda não pode ser estendida para a seara do controle externo das contas públicas.

A uma, porque a técnica legislativa de prever a referida garantia por meio

da abertura de um parágrafo específico (art. 127, §3º) denota a intenção de restringir o alcance da norma a uma realidade particular.

A duas, se a autonomia financeira do Parquet serve de esteio para a sua

atuação junto ao Poder Judiciário, sendo este dotado de autonomia financeira por força do art. 99, CF, a autonomia financeira das Cortes de Contas se dá sob a premissa do poder de autogoverno.

A três, em que pese seja reclamada uma exegese capaz de proporcionar

uma dimensão autonômica ao Parquet sui generis, o fato é que tal ocorrerá apenas através da concretude dos comandos jurídico-positivos.

Defensável no plano teórico é que o conjunto de garantias do órgão em estudo não termina no disposto no art. 130, mas tem precisamente lá o seu começo. Se a expressão “direitos, vedações e forma de investidura”, de cuja equiparação os membros da procuradoria de contas dispõem, é lida como aquém de representar a autonomia funcional, noutra perspectiva se pode entender que é da autonomia funcional que decorrem os tais direitos, as tais vedações ou as tais formas de investidura, em se adotando uma percepção conducente a uma autonomia ampla.

Voltando à construção jurisprudencial que retira daquele dispositivo (art. 130) o conteúdo orgânico-institucional, cumpre asseverar o quão profundas são as suas consequências para o deslinde da matéria. A acepção em que se o toma na qualidade de mero órgão integrante, a exemplo dos auditores e das inspetorias, tem- se enraizado de tal maneira na própria epistemologia ligada ao tema que cabe o alerta para a existência de uma pré-concepção deduzida a partir de uma

interpretação errônea (e não pouco usual) do art. 73, § 2º, I, c/c 75 e parágrafo único da Constituição100.

Da literalidade dos artigos 70 a 75 da Constituição federal não se extrai senão normas de competência e estruturação orgânica dos Tribunais de Contas. Aliás, em momento algum cuida a Seção IX (Da Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária) de aspectos ligados à gênese de órgão algum que tenha por vocação a defesa da ordem jurídica, a depender de princípios informadores específicos, como ocorreria se o art. 130 fosse enfim reconhecido como norma constitucional de princípio institutivo, e não como mera continuação do art. 73, §2º, I.

Nesse diapasão, cuida-se como de reprodução obrigatória não apenas as normas relativas à organização, composição e fiscalização nos Tribunais de Contas (art. 75, “caput”, CF), mas todo o regime jurídico aplicável ao Ministério Público, fazendo letra morta do disposto no parágrafo único, que dispõe que as Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos. Como se destacou no capítulo anterior, não resta autonomia para os estados nem se percebe o equívoco de deduzir inserção administrativa em virtude de uma norma que traz um simples critério paritário de composição das Cortes.

Ante o exposto, não apenas as normas específicas previstas pelo art. 75, mas a própria interpretação sistemática que delas o STF realiza acaba por repercutir no âmbito dos estados, o que atinge a liberdade dos estados de disporem acerca do nível de independência da instituição que ora se consagra em nível constitucional. Felizmente, parece haver uma sólida reação das ordens jurídicas parciais a esse estado de engessamento. Conforme salienta Jorge Ulisses Jacoby Fernandes:

100

CF, art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96. [...] [...]

§ 2º - Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos: I - um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento; [...] [...]

Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios. Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 14 out. 2013.

Em alguns casos, o Ministério público já alcançou fisionomia mais compatível com o novo ordenamento constitucional, como ocorre com o Ministério Público junto ao tribunal de Contas do Estado do Pará, onde seus membros e servidores concursados possuem a devida autonomia administrativa e financeira, quadro próprio, mantendo-se com recursos vinculados ao orçamento e dentro dos mais lídimos padrões de austeridade. 101

Como de exemplo contrário, as autonomias de cunho financeiro e administrativo foram conferidas ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de Goiás por meio da EC GO nº 23/98102. Neste caso, há uma verdadeira

recalcitrância para com o entendimento do Pretório Excelso, tendo em vista que a norma de garantia foi reintroduzida no ordenamento do estado de Goiás mesmo após o ataque e invalidação pela via do controle abstrato de norma de mesmo sentido promulgada anteriormente.

No caso paraense a situação discrepa, uma vez que as normas foram introduzidas por meio de Lei Complementar. In casu, LC PA nº 09/92103. Da leitura do dispositivo, deduz-se que a Constituição Federal foi tomada literalmente como um parâmetro normativo, respeitado o teor literal de reprodução obrigatória para a Constituição Estadual.

Enquanto não houver o reconhecimento por parte do STF da inconstitucionalidade na norma em comento, o exemplo do MPC paraense segue como modelo paradigmático, em que a vontade política pode (e deve) se contrapor a esquemas rígidos de interpretação do texto constitucional. Ainda mais sob o argumento de que, mantida a literalidade da Constituição Estadual em sintonia com a Constituição Federal, é aquela que deve servir de parâmetro para a feitura de leis

101FERNANDES, 2005, Op. Cit., p. 711.

102

MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE GOIÁS. EC Nº 23/98. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Esta Corte já firmou orientação no sentido de que o Ministério Público que atua junto aos Tribunais de Contas não dispõe de fisionomia institucional própria (ADI 789, CELSO DE MELLO, DJ de 19.12.94). 2. As expressões contidas no ato legislativo estadual que estendem ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado as prerrogativas do Ministério Público comum, sobretudo as relativas "à autonomia administrativa e financeira, à escolha, nomeação e destituição de seu titular e à iniciativa de sua lei de organização" são inconstitucionais, visto que incompatíveis com a regra do artigo 130 da Constituição Federal. 3. Disposição reintroduzida na Constituição do Estado de Goiás pela EC nº 23, de 9 de dezembro de 1998, malgrado o seu teor já houvesse sido declarado inconstitucional pelo STF (ADIMC 1.858, Ilmar Galvão, j. na Sessão de 16.12.98). Medida cautelar deferida. Disponível em: <http://www stf.jus.br> . Acesso em: 14 out. 2013. 103

Nos seguintes termos: Art. 2º. O Ministério Público Especial de que trata esta Lei e na forma da Constituição federal e da Constituição do Pará, tem como princípios institucionais: a unidade, a individualidade e a independência financeira e administrativa, dispondo de dotação orçamentária global própria”. Disponível em: <http://www.tce.pa.br>. Acesso em: 30 jun. 2013.

em geral no âmbito da sua competência, nada impedindo em linha de princípio a que se veicule a Lei Complementar como fonte normativa de estruturação do Parquet sui

generis, em se dotando este de uma disciplina legal que, ao sentir do parlamento

local, esteja em sintonia com a sua Carta de Direitos.

Todavia, repise-se que a Constituição Federal segue inalterada como modelo de reprodução obrigatória para o Legislador Decorrente Reformador, especialmente quanto aos seus princípios sensíveis.