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5. A JURISPRUDÊNCIA DO STF RELATIVA À AUTONOMIA INSTITUCIONAL

5.1. Autonomia funcional e legislativa

A Autonomia Funcional e a Autonomia Legislativa parecem estar imbricadas na medida em que a Constituição elenca princípios específicos com o fito de proteger o desempenho e a incolumidade dos seus exercentes. Na forma de garantias constitucionais, tais princípios realizam as funções essenciais à justiça nas dimensões funcional e orgânica, conforme estejam relacionados ao exercício de atos próprios ou à autonomia institucional83.

Ante a vacilação do intérprete, que propugna pela carência de autonomia do artigo 130 em relação ao art. 128, de modo a esvaziar o arcabouço normativo do

Parquet comum da sua inteira aplicabilidade, inextensível ao Ministério Público junto

aos Tribunais de Contas, é que se registra a previsão legal da autonomia funcional do Parquet comum no art. 3º da Lei nº 8.625/9384, ao passo que o fiscal do controle

82

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Funções Essenciais à Justiça. In: MARTINS; MENDES; NASCIMENTO (Org.). Tratado de Direito Constitucional, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 990- 1016.

83

MOREIRA NETO. Op. Cit., p. 992.

84 Art. 3º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional, administrativa e financeira,

cabendo-lhe, especialmente: I - praticar atos próprios de gestão;

II - praticar atos e decidir sobre a situação funcional e administrativa do pessoal, ativo e inativo, da carreira e dos serviços auxiliares, organizados em quadros próprios;

externo carece de disposição análoga, em que pese possuir sede constitucional a dimensão funcional da sua autonomia (art. 127, §1º).

Forçoso admitir que a defesa da ordem jurídica e de todos os seus princípios fundantes deve ser viabilizada pela interpretação renovada dos comandos constitucionais, o que implica dizer, noutros termos, que em havendo a CRFB/88 criado, além da Função Jurisdicional, a Função de Controle Externo das Contas Públicas, nada mais salutar do que a afirmação de um órgão especialmente qualificado e encarregado de velar pela defesa da legalidade nessa seara específica do direito, com ingresso mediante concurso público de provas e títulos, além do quadro próprio de pessoal, cargos, carreira e direção – quiçá houvesse sido mais explícito o Texto Constitucional e previsto as autonomias de índole funcional, legislativa, administrativa e financeira... -, e, além disso, tomado na acepção de cláusula pétrea. Contudo, por meio da ADI 789/DF, o STF denegou a existência das mais elementares dimensões da autonomia institucional.

Inerente ao exercício das funções do Parquet sui generis, viu-se que a independência funcional tem como atributo não só a liberdade de manifestação e organização de atividades, mas, sobretudo, a impossibilidade de interferência de qualquer dos Poderes, notadamente da Corte de Contas, com a qual partilha da mesma intimidade estrutural. A Autonomia Funcional, por sua vez, ao contrário da Independência Funcional, refere-se à relação entre o órgão em apreço para com

III - elaborar suas folhas de pagamento e expedir os competentes demonstrativos;

IV - adquirir bens e contratar serviços, efetuando a respectiva contabilização;

V - propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção de cargos, bem como a fixação e o reajuste dos vencimentos de seus membros;

VI - propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção dos cargos de seus serviços auxiliares, bem como a fixação e o reajuste dos vencimentos de seus servidores;

VII - prover os cargos iniciais da carreira e dos serviços auxiliares, bem como nos casos de remoção, promoção e demais formas de provimento derivado;

VIII - editar atos de aposentadoria, exoneração e outros que importem em vacância de cargos e carreira e dos serviços auxiliares, bem como os de disponibilidade de membros do Ministério Público e de seus servidores;

IX - organizar suas secretarias e os serviços auxiliares das Procuradorias e Promotorias de Justiça; X - compor os seus órgãos de administração;

XI - elaborar seus regimentos internos;

XII - exercer outras competências dela decorrentes.

Parágrafo único. As decisões do Ministério Público fundadas em sua autonomia funcional, administrativa e financeira, obedecidas as formalidades legais, têm eficácia plena e executoriedade imediata, ressalvada a competência constitucional do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 14 out. 2013.

algum outro órgão, agente ou poder, reconhecida a existência de uma vontade objetiva, além do aspecto interno da consciência individual dos sujeitos integrantes.

Nesse diapasão, entendido o artigo 130 da CF enquanto norma autônoma de caráter institutivo, impõe-se a necessidade de lei organizativa própria a fim de integrar a sua eficácia. Além disso, a sobredita equiparação em direitos, vedações e formas de investidura, já permite compor analogicamente o plexo normativo aplicável às relações que se hão de travar entre os Tribunais de Contas e os respectivos Ministérios Públicos, tomando-se como parâmetro a legislação de regência dos Ministérios Públicos da União e dos Estados.

Em reforço, constata-se que a conceituação do Parquet sui generis como parte integrante dos Tribunais de Contas e desprovido de fisionomia institucional própria é carente de suporte constitucional, como também inexiste parâmetro normativo constitucional para embasar os dispositivos do art. 80 e seguintes da LOTCU, já que não caberia à lei ordinária relativa ao TCU senão a tarefa de esmiuçar no plano prático todo o conjunto de atribuições a ela cometidas no aspecto funcional, dispostas amiúde na Constituição. Além de não ser o veículo próprio para dispor acerca do regime jurídico interna corporis do Parquet, não poderia a LOTCU tratar da expressão “direitos” do art. 130 na qualidade de direitos subjetivos, mas como direitos transindividuais, ultrapassando assim a esfera do indivíduo, dos quais a Constituição já cuidou suficientemente ao falar em vedações e forma de investidura.

Em rota de colisão com os argumentos acima, o Pretório Excelso se utiliza da expressão “Enumeração exaustiva das hipóteses constitucionais de regramento mediante Lei Complementar” (ADI 789/DF) no sentido de que a competência do TCU para fazer instaurar o processo legislativo concernente à estruturação do Ministério Público que nele atua está sujeito ao domínio da Lei Ordinária, fazendo-o sob a premissa de que o art. 128, “caput”, tratou apenas dos ramos previstos nos incisos I e II. Todavia, data máxima vênia, o entendimento acima decorre de uma perspectiva que não logrou o fato de que a não inserção do

Parquet sui generis naquele dispositivo se deu apenas por uma razão lógica, e não

ontológica, o seu papel de fiscal da lei sendo identificado com valores tais como o controle social das contas públicas e a boa gestão financeira dos entes federativos.

Como foi salientado no Subtópico 3.2.1, a existência de diferentes esferas e ramos de atuação do Ministério Público não constitui exceção ou mesmo quebra ao princípio da Unidade, o que põe por terra o argumento de que a sua desvinculação dos quadros administrativos do Tribunal de Contas o tornaria destituído de qualquer referência ou vinculação de ordem institucional85.

Apenas uma interpretação desatenta para o papel do Estado Moderno - a quem compete realizar os direitos meramente declarados nas Cartas Políticas – ou para a nova gama de direitos que surgem durante as vicissitudes constitucionais é que pode olvidar que o dispositivo em exame (art. 130), em que pese o fato de não trazer expressamente as garantias próprias do Ministério Público comum, não quis, entretanto, criar uma mera carreira de Estado, devendo ser encarada pelo menos como uma cláusula de isonomia.

Segundo Mazzilli, na vigência na Constituição de 1967 (EC nº 01/69) a figura do Parquet era citada na seção que tratava do Tribunal de Contas da União apenas “en passent”, silenciando totalmente no capítulo que dispunha sobre o Poder Executivo, o qual mencionava apenas os ramos do Ministério Público Comum. Naquela ordem constitucional, portanto, qualquer lei estadual que conferisse prerrogativas a um corpo destacado do MP Comum seria fulminada pelo vício de inconstitucionalidade material, por afronta ao que então se entendia como Princípio da Unidade. Como consequência, foram sendo criados órgãos destacados do Ministério Público Comum para contornar o problema, os quais se subordinavam às Cortes de Contas86. Conquanto fosse impossível aos estados criar uma carreira

própria de Ministério Público junto às Cortes, contentavam-se em criar um Ministério

85 Para o Relator da ADI 789/DF, Min. Celso de Mello: “Não obstante o elevado grau de autonomia

funcional conferido aos membros desse Ministério Público especial, torna-se imperioso reconhecer que essa circunstância, por si só, não se revela suficiente para identificar, nesse órgão estatal, o atributo da autonomia institucional, nos termos, na extensão e com o conteúdo que a Constituição outorgou ao Ministério Público comum.

Sendo assim, considero que o Ministério Público de que trata a Lei 8.443/92 [...] integra a própria organização administrativa do Tribunal de Contas da União, ainda que privilegiado por um regime jurídico especial, sob pena de qualificar-se, na medida em que é totalmente alheio à estruturação orgânica do Ministério Público da União, como um corpo destituído de qualquer referência ou vinculação de ordem institucional.

Essa anômala condição do Ministério Público especial, acaso admitida, culminaria, ante a ausência de qualquer vinculação a uma estrutura administrativa, por comprometer-lhe a própria existência, por afetar os objetivos que justificaram a sua previsão constitucional e por frustrar, de modo irremissível, a eficácia de sua atuação”.

Disponível em: <http:/www.stf.jus.br>. Acesso em: 14 out. 2013.

Público apenas nominal. Por esta ordem de razões é que se buscaria com a previsão do art. 130, de certa forma, convalidar a criação da carreira de procurador de contas.

Dissertando sobre a soberania como o modo constituinte de ser do povo, Carlos Ayres Britto assentou as bases da distinção entre a soberania de Estado e soberania popular. Aquela, a ser entendida como criadora de normas constitucionais; esta, criadora da própria constituição como realidade inaugural.

É neste ponto de intelecção que vem à baila a figura do Poder Constituinte. Um poder que em nada discrepa da soberania que vimos falando, por ser ela mesma soberania; ou seja, O Poder Constituinte é a soberania que se manifesta de modo inicial ou primário. Logo, o nome que a soberania toma,

quando expressada com inicialidade87.

O Poder Constituinte não se destina a corrigir a obra do anterior, mas a inaugurar uma nova ordem. “Ele, povo, assim juridicamente designado pelo fato de se organizar em Estado soberano, é o próprio poder de tudo poder, em termos jurídicos e no plano territorial interno” 88. É em suma, uma instância que, a despeito

de estar aquém da transcendência de Deus, tudo pode, menos, deixar de tudo poder.

Isso posto como a única limitação do Poder Constituinte está em não poder exercitar o seu poder a menor, afirmações como a de que o Ministério Público junto aos Tribunais de Contas deveria estar previsto nos dispositivos que tratam da “Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária, e não das Funções Essenciais à Justiça”, porquanto mais consentâneo com a vontade do Constituinte89, de que a

supressão nos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte da alínea “e” do inciso I do art. 128, CF, teria o condão de fazer recuar a intenção de institucionalizar um novo Ministério Público, ou de que a inserção na intimidade estrutural implica, além da necessidade de partilhar a mesma estrutura administrativa, na ausência de autonomia legislativa e no alcance irrestrito pela norma do art. 75, CF, etc., não são questões meramente formais, mas que tocam em aspectos sensíveis relacionados

87 BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pp. 22-25.

88

BRITTO. Op. Cit., p. 21. 89

FERNANDES. Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 2. ed. Belo Horizonte: Forum, 2005, p. 704.

com a possibilidade fática de realizar o anseio hodiernamente manifestado pelo cidadão contribuinte por uma gestão pública responsável.

Ademais, ainda que se queira defender como quebra do Princípio da Unidade a criação pelo legislador Constituinte Derivado Decorrente de um novo Ministério Público, com todos os predicados daquele que oficia junto ao Judiciário, o que se desalinha com um suposto modelo federal a ser seguido por força da exegese do art. 75, CF, sobretudo tomado o princípio na acepção de cláusula- pétrea, facilmente se objetam tais afirmações haja vista que: (a) o art. 128, I, CF, não esgota as vertentes materiais do Ministério Público90, havendo uma diversidade e profundidade científica consideráveis nas matérias tratadas; (b) o mesmo Poder que cria e petrifica os princípios nas constituições é o mesmo que os excepciona, ao dispor sobre valores e objetivos de outra índole.

O direito do chefe do Ministério Público latu sensu de dar início ao processo de propositura de leis de interesse da instituição deve ser consagrado a fim de se aterrar um conjunto de celeumas, notadamente as interferências indevidas de outros órgãos e o não reconhecimento da sua identidade própria. Além disso, tornaria realidade plena o princípio da independência funcional, abrindo portas para uma futura consagração de uma gama maior de autonomias.

Embora pacífico o entendimento de que a Lei Complementar apenas é cabível quando reclamada expressamente, a capacidade de autolegislação dos Ministérios Públicos como gênero deve alcançar o Parquet sui generis não pela sua inclusão dentre os órgãos previstos no art. 128, I e II, mas pelo mesmo argumento com que se defere a prerrogativa para os Tribunais de Contas, i.é, o poder de autogoverno de que gozam os “órgãos de soberania”, não se sustentando a tese que faz implicar a adoção de uma mesma “intimidade estrutural”, imediatamente, num poder para deflagrar o processo de iniciativa de lei organizativa do Ministério Público por parte do tribunal em que ele oficia.

A uma, como foi ressaltado no tópico 3.1, pelo risco de represálias por

parte do Tribunal, que poderia diminuir as atribuições do Parquet, em ofensa explícita aos princípios da Unidade, Indivisibilidade e Independência Funcional.

A duas, porque o domínio normativo reservado à lei ordinária está mais

relacionado aos poderes-deveres cometidos aos Tribunais de Contas no âmbito processual e administrativo, haja vista a estruturação e a competência funcional terem sido suficientemente definidas na Constituição Federal.

A três, dado que no Estado Moderno a soberania reside no povo, e não

no Estado, o qual não passa de uma ficção, a essencialidade do Parquet não decorre da sua inclusão ao Tribunal de Contas, mas do papel que exerce no heterocontrole das funções estatais (CF, art. 60, §4º, III e IV).

A quatro, porque o princípio da Inafastabilidade da Jurisdição (art. 5º,

XXXV, CF) acaba provocando o deslocamento de controvérsias oriundas dos Tribunais de Contas para o Poder Judiciário, servindo os pareceres dos procuradores de contas como meio de convencimento judicial.

Enfim, ao passo que a Constituição não veda a priori a criação de meios e recursos legais através dos quais o Parquet sui generis possa ter campo de atuação excepcional em processos jurisdicionais, na qualidade de órgão colaborador, mantém-se a sua singularidade em relação ao Parquet Comum, o que, aliás, não repercute significativamente na aferição do grau de Independência Funcional dos seus membros ou da pretendida Autonomia Funcional. Esta, ao contrário daquela, não se determina em face do Ministério Público comum, mas do próprio Tribunal de Contas, uma vez que distintas as suas funções constitucionais.