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A contribuição da enfermeira Maria Soares de França

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.3 A Enfermagem no HUWC na década de 1960 (1960-1969)

4.3.3 A contribuição da enfermeira Maria Soares de França

A enfermeira Maria Soares de França inicialmente trabalhou como enfermeira de escala, assumindo a chefia das Clínicas Médicas por solicitação da enfermeira Eneida Rocha, então chefe do SE. Com pouco conhecimento e experiência passou a organizar a unidade de forma empírica, e posteriormente realizou curso de Administração Hospitalar, contribuindo para o desenvolvimento das ações de Enfermagem no HUWC.

Suas atividades como chefe das Clínicas Médicas, inseridas no contexto do desenvolvimento do Hospital, foram precedentes de um novo momento para a Enfermagem na instituição, que experimentou nova estruturação organizacional devido ao trabalho estabelecido no período. França (2012, p.1) faz um retrocesso à época de quando assumiu essa chefia, relembrando o progresso ocasionado para o Serviço de Enfermagem.

[...] passei a organizar a unidade de forma empírica, porque o conhecimento de administração que eu tinha era aquele que eu havia visto na minha Escola de Enfermagem São Vicente de Paulo, eram apenas conhecimentos básicos [...]. Eu não tinha visto, nem estudado nenhuma outra coisa mais avançada, naquele momento não tinha nenhum aperfeiçoamento.

Pela necessidade que sentiu França (2012, p.1) explica que fez um curso de Administração Aplicada à Enfermagem Médico Cirúrgica, em São Paulo. Quando voltou aplicou os conhecimentos adquiridos para o melhor desempenho da Enfermagem no Hospital. Sobre esse aspecto relata:

[...] por minha solicitação, o Dr. Murilo conseguiu uma bolsa de estudos para eu fazer o curso de Administração Aplicada à Enfermagem Médico Cirúrgica, e posteriormente Administração Hospitalar. Eu fiz esses cursos em São Paulo, um na Escola de Enfermagem e o outro na Faculdade de Saúde Pública. Quando voltei para Fortaleza, me colocaram de novo para chefiar as Clínicas Médicas. [...] com outros conhecimentos e informações específicas, já pude realizar a organização dentro do sistema de Administração de Enfermagem, com métodos novos que aprendi nos cursos que fiz.

Complementa relatando sobre as dificuldades que encontrou quando tentou realizar mudanças no Serviço.

[...] as dificuldades eram muitas, principalmente em relação a aceitação das propostas que eu trazia por parte da própria equipe de enfermagem. Sabe, tudo que gera mudanças gera medo e significa sair da zona de conforto, assim algumas das colegas enfermeiras impuseram alguns obstáculos. Mas, conseguimos passar por cada um deles, com sabedoria e perseverança. Então, a minha luta foi toda dentro do Hospital das Clínicas, organizando e tentando desempenhar o melhor, para elevar o nível da enfermagem e da assistência ao paciente no Hospital (FRANÇA, 2012, p.2). Com conhecimentos inovadores, a enfermeira iniciou a implantação do Plano Individual de Enfermagem, estratégia, que segundo explica, facilitou a assistência de Enfermagem, de forma que com sua utilização, houve uma melhora significativa no cuidado e aperfeiçoou a execução das atividades. No entanto, retrata a o desinteresse inicial da equipe em utilizar o Plano, fato que foi transposto pela real validade do instrumento,

[...] solicitei a implantação do método que aprendi do Plano Individual de Enfermagem para o paciente. [...] nós das Clínicas Médicas fomos pioneiras na utilização do plano, a cirurgia implantou posteriormente [...]. Eu havia apresentado esse plano em reunião do Serviço de Enfermagem, para quem quisesse abrir o caminho e utilizar, pois era muito interessante. Na época, não houve muito interesse por parte de muitas colegas, mas seguimos em frente com nosso projeto. [...] fiz uma reunião com as enfermeiras chefes das clínicas médicas, e pedi para elas entenderem bem o que era o assunto e solicitei a ajuda delas, para colocarem aquele Plano em funcionamento. [...] (FRANÇA, 2012, p. 3).

Sobre o Plano Individual a enfermeira expõe:

[...] esse plano era estruturado em fichas individuais, uma ficha para cada paciente contendo informações a respeito desse paciente. [...] Então eu coloquei as fichas que eram individuais e cada auxiliar de enfermagem pegava as fichas respectivas aos pacientes, aos quais estariam prestando cuidados. [...] Assim, elas passaram a fazer o serviço de uma forma muito mais prática.[...] Esse plano foi uma estratégia que facilitou muito a nossa assistência, pois tudo estava naquela ficha. Aquela ficha te dava condições de dar assistência e ter acesso às informações relacionadas ao paciente sem precisar de outros meios, era mais prático e rápido. A partir desse momento, conseguimos valorizar e dar mais visibilidade ao nosso trabalho (FRANÇA, 2012, p.3).

Outras inovações foram inseridas no serviço como a proposta de aproximação com os estudantes de medicina que se inseriam nas unidades pelos projetos de internato e residência médica. A enfermeira sentiu a necessidade de uma maior interação com esses grupos, forma que valeria para viabilizar os serviços nas unidades de internação. Assim,

propôs aos diretores do Hospital, a sua participação nas reuniões que os mesmos realizavam em ocasião da entrada de novas turmas. Aproveitou essa oportunidade, que lhe foi concedida, para apresentar o trabalho realizado na unidade e mostrar a desenvoltura do serviço, assim como apresentar a equipe de Enfermagem, suas atribuições, na perspectiva de um melhor relacionamento entre os profissionais e continuidade dos processos na unidade.

[...] solicitei aos diretores para fazer parte da reunião que eles faziam sempre que iam entrar novos estudantes e eles aceitaram. [...]. Era uma forma de quebrar o gelo, melhorar as arestas, esclarecer perguntas e eu passar para eles como funcionava a clínica. Porque a clínica tinha uma rotina, estava organizada. A clínica médica estava organizada com as normas e rotinas de vários procedimentos e exames, com a sequência de tudo que seria efetuado e era preciso que eles conhecessem essa realidade, para que o trabalho executado continuasse seguindo um padrão estabelecido por essa organização. Então, o primeiro dia do sextanista era comigo. Eu passava a manhã com eles. [...] Nesse momento eu falava sobre tudo da unidade, sobre as rotinas, apresentava os nomes das enfermeiras, o grupo de enfermagem, diferenciando a enfermeira das auxiliares, e dizia tudo como era e como acontecia. Era uma espécie de boas vindas ao novo grupo e claro, esperando que eles compartilhassem e vivenciassem conosco um aprendizado agradável e satisfatório pra todos (FRANÇA, 2012, p.3).

A formação da enfermeira sempre possuía um papel de destaque na organização administrativa do Serviço de Enfermagem e na manutenção do modelo biomédico para assistência de saúde, logo após sua experiência à frente das Clínicas Médicas e seu empenho favorável, foi convidada a ser a nova enfermeira Chefe do Serviço de Enfermagem do Hospital, tendo em vista o planejamento exitoso que elevou a qualidade da assistência nas unidades, influenciando de forma positiva todos os serviços os quais a Enfermagem liderava. A enfermeira em seu depoimento retrata os momentos iniciais dessa mudança administrativa

[...] em 1966, que eu fui convidada a assumir a chefia do Serviço de Enfermagem, que era Serviço ainda [...] Pela necessidade de mudanças e implantação de processos e rotinas novas é que o Dr. Gerardo Assunção Magalhães decidiu que era necessário mudar a chefia. De tanta insistência, eu resolvi assumi, foi difícil para mim devido às pressões internas no Hospital, pressões do grupo de Enfermagem. Mas, mesmo assim, eu assumi o Serviço de Enfermagem e tentei colocar em prática muitos conhecimentos que eu tinha aprendido na minha formação em São Paulo, fiquei até o ano de 1969 quando posteriormente assumi outras funções na instituição (FRANÇA, 2012, p.4).

Relata que quando assumiu a chefia do Serviço houve mudança na sua organização e segundo depõe foi instituído o primeiro organograma do Hospital. França (2012) esclarece que com a criação do novo organograma a Enfermagem passou a ocupar a posição de Departamento subordinada à diretoria do Hospital, esses gerenciavam seus respectivos serviços.

[...] nesse período, nós criamos o Organograma do Hospital, e após a criação desse Organograma e aceitação geral o Serviço de Enfermagem foi nomeado como Departamento de Enfermagem [...] tive esse privilégio de estar à frente da enfermagem da instituição nesse momento. Quando passamos para Departamento de Enfermagem, ficamos com a coordenação de Enfermagem (FRANÇA, 2012, p.4).

A partir da criação do Departamento de Enfermagem do Hospital as mudanças na sua estrutura organizacional foram rapidamente realizadas. A formalização do cargo de Supervisão de Enfermagem para fazer a comunicação entre as unidades e o Departamento, foram algumas mudanças sugeridas. Dessa forma foram estabelecidos os cargos de supervisoras: uma nas Clínicas Médicas e outra nas Cirúrgicas.

[...] criamos ainda o cargo de Supervisoras para as unidades, uma de clínica médica e outra de clínica cirúrgica. Essas supervisoras faziam o elo entre o Departamento de Enfermagem e a unidade pela qual ela era responsável, trazendo os problemas das unidades, tentando minimizá-los, orientando as enfermeiras nas resoluções de situações diferenciadas, deixando a chefe mais livre para resolver outras questões (FRANÇA, 2012, p. 4).

A Enfermagem (FIGURA 15) ficou organizada hierarquicamente com uma chefia do Departamento de Enfermagem, duas Supervisoras, Enfermeiras Chefes das Clínicas Médicas e Cirúrgicas, Enfermeiras de escala, Auxiliares e Atendentes de Enfermagem.

[...] nesse organograma a administração dos serviços relacionados à Enfermagem era de competência exclusiva da enfermeira, que adquiriu direito e conhecimentos através do curso de enfermagem realizado em escola de nível superior. Daí nós tínhamos autonomia em nossas decisões para coordenar e organizar o serviço específico de enfermagem (FRANÇA, 2012, p. 4).

Figura 15- Organização do Departamento de Enfermagem em 1966.

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Fonte: a autora (2012).

Direção Geral HUWC

Chefia Departamento de Enfermagem Coordenadora Geral Supervisoras Cl. Médicas Supervisoras Cl. Cirúrgicas Chefe Cl. Med. I Chefe Cl. Med. II Chefe Isolamento Chefe Ambulatórios Chefe Centro Cirúrgico Chefe Recuperação Chefe Internação Enfermeiras Auxiliares/ Atendentes Enfermeiras Auxiliares/ Atendentes Enfermeiras Auxiliares/ Atendentes

Enfermeiras Enfermeiras Enfermeiras Enfermeiras Auxiliares/ Atendentes Auxiliares/ Atendentes Auxiliares/ Atendentes Auxiliares/ Atendentes

Com essa organização, observamos uma nova estrutura hierárquica que se forma na Enfermagem. Com a introdução do cargo de Supervisora que se posiciona entre a equipe das unidades e a chefia (coordenadora) geral da Enfermagem, é mantida a proposta administrativa na qual as decisões continuam centralizadas na direção geral do Hospital, e a chefia geral da Enfermagem coordena todo o processo de ações da categoria. São mantidas nesse novo desenho organizacional as linhas formais de comunicação, de relações de trabalho e o aspecto piramidal.

Entre as mudanças oferecidas nesse período, o uso de uniforme é destaque, proporcionando a distinção entre as diversas categorias da Enfermagem na instituição. França (2012, p. 3) esclarece que implantou o uso do uniforme branco, com calça comprida e touca de designer distinto para enfermeiras e auxiliares.

[...] implantei no Departamento de Enfermagem o uso de uniforme branco (blazer e calça comprida), e o uso de uma touca nova, essa touca era branca, e possuía listas azuis em veludo; o número de listas da touca era diferente dentro da hierarquia da enfermagem, assim a chefia do Departamento usava uma touca com uma lista bem larga, a chefe da unidade usava com uma lista fina, e as enfermeiras que ocupavam cargos de assistência usavam uma touca com duas listas. O fato é que procurávamos estar sempre bem apresentadas, com cabelos arrumados na touca e roupas limpas. O uso da touca na época diferenciava as funções e posições hierárquicas na enfermagem. Todos elogiavam essas mudanças.

O uso do uniforme e a aparência física das enfermeiras as distinguiam das demais categorias, a touca padronizada com um friso azul foi institucionalizada. A postura identificava a enfermeira que, muito jovem ainda, destacava-se pelo comportamento ético, norteado por uma boa conduta profissional. Quando se entrava no HUWC sabia quem era quem: a enfermeira, a auxiliar de Enfermagem, a atendente, o paciente sabia com quem estava falando.

[...] hoje eu penso assim que nós tínhamos uma postura de velha. Nós éramos muito sérias. Nós tínhamos aqueles uniformes muito arrumados, que ajudavam nessa postura mais séria, mais formal e isso, de certa forma implicava em respeito. A enfermeira era diferente das auxiliares, isso seria mostrado na utilização do uniforme e na postura que ela adquiria na unidade. O paciente sabia diferenciar quem era quem. [...] eu fico pensando que eu era tão pequenininha, tão magrinha, tão novinha que eu não sei como é que as pessoas me respeitavam. Então eu fico pensando que você é que impõe respeito. Não importa a idade que você tem. Você impõe respeito por que: responsabilidade, competência, e outras coisas, conhecimento que tem e saber escutar as pessoas isso é muito importante [...] (OLIVEIRA, 2012, p. 6). [...] A partir do uso do uniforme posso comprovar isso. Nós tínhamos um uniforme para trabalhar. A enfermeira se diferenciava pelo uniforme, pelo uniforme sabia-se quem era a enfermeira e quem eram as auxiliares. A organização e disciplina eram marcas da Enfermagem. As auxiliares respeitavam muito as enfermeiras, elas sabiam seu lugar e também valorizavam sua classe (GUERRA, 2012, p.3).