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2 FREUD, A PSICANÁLISE E A UNIVERSIDADE: DEFINIÇÃO DE POSIÇÕES

2.2 A contribuição da Psicanálise para o meio acadêmico

No texto Sobre o Ensino da Psicanálise nas Universidades, Freud (1918-1919) conclui, dizendo que a formação acadêmica dos estudantes de Medicina e Psiquiatria carecia de maior preparo para lidar não apenas com as doenças da alma, mas também com as afecções

psicológicas que de um modo geral acometem os pacientes. Referido psicanalista analisava a noção de que esta “falha” poderia ser devidamente reconduzida com a inclusão do ensino da Psicanálise nestes dois âmbitos da formação médica nas universidades. A respeito do estado da formação médica nesta época, Freud (1918-1919) comenta:

Essa formação tem sido muito justamente criticada nas últimas décadas pela maneira parcial pela qual dirige o estudante para os campos da anatomia, da física e da química, enquanto falha, por outro lado, no esclarecimento do significado dos fatores mentais nas diferentes funções vitais, bem como nas doenças e no seu tratamento. Essa deficiência na educação médica faz-se sentir mais tarde numa flagrante falha no conhecimento do médico. Essa falha não se manifestará apenas na sua falta de interesse pelos problemas mais absorventes da vida humana, na saúde ou na doença, mas também o tornará mais inábil no tratamento dos pacientes, no modo que até mesmo charlatães e „curandeiros‟ terão mais efeito sobre esses pacientes. (P. 218).

Em consequência de longa experiência na universidade, Freud observou que o curso de Medicina de maneira geral necessitava de um referencial teórico em Psicologia que pudesse oferecer bases mais consistentes para a compreensão do funcionamento dos mecanismos psíquicos, da etiologia das doenças nervosas e das formas de tratamento. De acordo com o Pai da Psicanálise a Psicologia ensinada nas universidades não respondia adequadamente as questões referentes à vida mental. E sobre a falta desse referencial psicológico, Freud (1918-1919) faz a seguinte colocação:

Essa deficiência óbvia levou, algum tempo atrás, à inclusão, no currículo universitário, de cursos sobre psicologia médica. Mas, na medida em que essas aulas se baseavam na psicologia acadêmica ou na psicologia experimental (que lida apenas com questões de detalhes), não conseguem satisfazer os requisitos da formação dos estudantes: nem poderiam aproximá-lo mais dos problemas da vida em geral ou dos da sua profissão. Por essas razões, o lugar ocupado por esse tipo de psicologia médica no currículo mostrou-se inseguro. (P. 218).

Baseados neste comentário, compreendemos com bastante clareza dois importantes aspectos das intenções de Freud: no primeiro momento, ele aponta a precária condição dos referenciais psicológicos dos cursos de Medicina nas universidades e depois propõe adequar disciplinas de Psicanálise a esta função.

Freud idealizava a difusão da Psicanálise no meio científico e acreditava que a universidade só teria a ganhar com a contribuição da teoria psicanalítica. A ideia que Freud atribuía ao que consistia uma universidade era a de que correspondia a “[...] um lugar onde o saber é ensinado acima de todas as diferenças de religiões e nações, onde a investigação é

conduzida, e que se destina a mostrar à humanidade a que amplitude ela pode compreender o mundo ao seu redor, e até onde pode controlá-lo. (IBID., 1925, p. 365).

Acontece que a entrada da Psicanálise nas universidades não se deu ao acaso e, muito menos, sem grandes pretensões. Ao contrário, desenvolveu-se de forma gradativa, na dependência da atmosfera social e política da cultura que a absorveu em meio a diversas ciências. A inserção da Psicanálise, a princípio nos cursos de Medicina e de Psiquiatria, tinha propósitos bem definidos, tendo como principal aspecto a aprovação da Psicologia profunda perante a comunidade científica e, consequentemente, sua difusão pelo mundo.

Freud afirma categoricamente que os currículos dos cursos de Medicina e Psiquiatria eram insuficientes para preparar os acadêmicos para a formação clínica e psiquiátrica. De acordo com o pensamento freudiano, nesses dois cursos, a Psicanálise estava presente por meio da teoria psicanalítica, onde trazia aos estudantes subsídios suficientes para compreender as manifestações dos distúrbios nervosos.

Preocupado com o destino da Psicologia profunda surgida das contestações em Budapeste, Freud (1918-1919) escreve em seu artigo Sobre o Ensino da Psicanálise nas

Universidades que a inclusão da Psicanálise no currículo universitário poderia ser analisada

sobre dois pontos de vista: o da Psicanálise e o da universidade .

Na concepção freudiana, a Psicanálise só viria a contribuir com a universidade com a introdução da teoria psicanalítica no currículo dos cursos de Medicina. O Pai da Psicanálise esclarece que este auxílio prestado pela Psicanálise ao meio científico só traria benefícios à universidade com a formação de clínicos mais preparados.

Uma das preocupações de Freud no que diz respeito à questão do ensino da Psicanálise nas universidades diz respeito à peculiaridade deste ensino. O ensino a que o Psicanalista se referia se restringia apenas à explanação dos conceitos principais para cada área. Aos estudantes do curso de Medicina, conhecimentos mais gerais e, aos estudantes de Psiquiatria mais específicos sobre a Psicologia do inconsciente.

A introdução da Psicanálise nos meios acadêmicos desenvolveu-se primeiramente no âmbito dos cursos de Medicina e Psiquiatria, onde os psicanalistas membros de instituições psicanalíticas filiadas à IPA tinham o papel de transmitir os principais conceitos da Psicanálise. Assim fizeram os psicanalistas Sandor Ferenczi 27, catedrático da Universidade

27 Sandor Ferenczi (1873-1933): psiquiatra húngaro, psicanalista discípulo de Freud, membro fundador da IPA,

de Budapeste, e Stanley Hall 28, da Clark University de Worcester. Seguindo as ideias do mestre Freud, estes psicanalistas sentiram a necessidade de trazer para a universidade as contribuições da nova ciência às discussões sobre aspectos dos processos mentais, trazendo contribuições diretas para as ciências médicas. Assim também a possibilidade de a Psicanálise dialogar com outros ramos do conhecimento, na tentativa solucionar problemas da Arte, da Filosofia e da Religião.