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O permanente diálogo com o meio universitário, existente há dezoito anos, incluindo a época em que ingressamos na universidade para cursar Psicologia, com psicólogos e psicanalistas que atuam como professores nas faculdades de Psicologia, nos faz acreditar que o fato da Psicanálise fazer parte do universo acadêmico, desde Freud (1926), sempre possibilitou mal-entendidos no que diz respeito à formação do psicanalista. Estes mal- entendidos a que nos referimos não surgem apenas de comentários de leigos, mas também de alguns estudantes de Psicologia. Entre muitos deles reina a crença de que na universidade podem se formar psicanalistas, do mesmo modo que se formam psicólogos e que o saber da Psicanálise pode ser apreendido como qualquer outro saber, assim como se processa nas ciências.

Não é apenas na academia que existem equívocos relativos à formação do analista. Eles surgem também nas instituições de Psicanálise, como pudemos comprovar quando ainda membro do Suposto - Associação Psicanalítica. Ali tivemos a oportunidade de entrevistar, além de estudantes universitários, pessoas de variadas formações acadêmicas interessadas em fazer formação em Psicanálise. Muitos tinham noções equivocadas sobre a formação do psicanalista, pensando ser esta semelhante a um curso universitário, onde, após um período determinado de aulas teóricas, poderiam obter o “certificado” de psicanalista.

A presença do ensino da Psicanálise na universidade, conforme já discutido, enseja equívocos e mal-entendidos quanto à formação. Freud, consciente disso, tentou, por meio de seus escritos dissipá-los, como podemos ver em textos como o Ensino da Psicanálise nas

Universidades (1918-1919) e a Questão da Análise Leiga (1926). O Criador da Psicanálise expõe com clareza qual o verdadeiro lugar de formação do psicanalista: as sociedades de Psicanálise ligadas à IPA. Apenas nestas instituições o candidato a psicanalista obtinha

conhecimento sobre a teoria psicanalítica, supervisão de casos clínicos que estivessem em tratamento e análise pessoal com alguns de seus membros, os “psicanalistas didatas”. A ideia de Freud era de que caberia ao psicanalista ditata a condução da análise pessoal do psicanalista em formação, assim como a supervisão dos casos clínicos atendidos por este.

Conforme o pensamento freudiano, a supervisão ou análise de controle corresponde à experiência do psicanalista em formação levar os casos clínicos de seus pacientes em tratamento para apreciação de um psicanalista mais experiente pertencente à mesma instituição psicanalítica (LAPLANCHE & PONTALIS, 1994, p.388). Esta é a mesma lógica que permeia a supervisão na universidade.

Outro fato que contribui para o mal-entendido da formação e que muita polêmica ensejou entre os psicanalistas é a análise leiga. Em 1924, Freud viu-se instigado a se posicionar sobre o problemático tema da análise leiga, entretanto, foi justamente após a repercussão do caso do psicanalista Theodor Reik 20 que Freud (1926) tomou a iniciativa de trabalhar mais detidamente sobre o referido tema, o que culminou na publicação do texto A

Questão da Análise Leiga (1926). Nesse escrito, o Criador da Psicanálise se posiciona

veementemente contra a exigência de formação médica para o candidato à formação em Psicanálise.

A celeuma que se desenvolveu em torno da questão da análise leiga divergiu opiniões tanto no meio acadêmico como no concerto das próprias sociedades de Psicanálise. Neste momento específico, a Psicanálise atravessava problemas de cunho político nestas duas searas - universidade e sociedades de Psicanálise. No que se refere às instituições psicanalíticas, a análise leiga dividia opiniões entre seus membros. Acontecia que grupos de psicanalistas contrários à prática de psicanalistas não-médicos concentravam-se mais nos Estados Unidos do que na Europa, fato que, de acordo com Freud, dificultava o controle realizado pela

Sociedade Psicanalítica de Viena (SPV).

Deste o início da inserção da Psicanálise nos Estados Unidos, constituiu-se uma série de equívocos em relação à prática psicanalítica, principalmente no que se referia à formação do psicanalista. Estes equívocos podem ser exemplificados com a crença de que, para se formar psicanalista, bastava fazer um curso preparatório de Psicanálise de dois anos em média, onde os alunos aprenderiam de modo condensado o essencial (grifo nosso) da teoria

20 Theodor Reik (1888-1969): Psicanalista vienense e discípulo de Freud, formado em Letras e Filosofia pela

Universidade de Viena. O referido psicanalista, por não possuir formação médica, foi proibido no ano de 1925 pelo Conselho Municipal Austríaco a não poder exercer sua atividade como clínico. De acordo com esta Lei, apenas médicos poderiam exercer a atividade clínica naquele País. (ROUDINESCO & PLON, 2007, p.655).

psicanalítica. Essas ideias equivocadas sobre a formação psicanalítica eram muito incentivadas por médicos desejosos de exercer a Psicanálise.

Pelo que vimos em nossa experiência, o equívoco permanece até hoje. De acordo com estes fatos, pudemos relacionar a repercussão que a questão da análise leiga trouxe para a história do movimento psicanalítico, principalmente no que diz respeito ao ensino da Psicanálise nas universidades. Para Freud, estava claro que a prática da Psicanálise não era restrita a quem possuísse formação médica. Assim, a teoria psicanalítica poderia também contribuir com outras ciências e em outros cursos nas universidades.

Assim, com Vidal (2003), consideramos que as articulações feitas por Freud sobre a problemática da análise leiga ainda é bastante atual e necessita de constantes discussões nos dois âmbitos, na universidade e nas instituições de Psicanálise.