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A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem sua origem juntamente com a Liga das Nações, sendo, portanto, anterior a criação do sistema de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas - ONU.

A relação da OIT com a questão indígena começa quando aquela, preocupada com as condições de trabalho precárias que os índios eram submetidos, instituiu a Comissão de Peritos em Trabalho Indígena.

Uma das principais ações resultantes do trabalho realizado por essa comissão foi a supressão obrigatória imposta aos Estados do emprego do trabalho forçado em todas as suas formas, como era o trabalho escravo indígena no Brasil.

Orientada sob a ótica integracionista, a Convenção nº. 107 e a Recomendação nº104, concernentes à Proteção e à Integração das Populações Indígenas e outras Populações Tribais e Semitribais de Países Independentes, regulavam políticas integracionistas graduais com o objetivo de proteger as populações indígenas contra a exploração laboral e outras formas de opressão, vinculando o “desenvolvimento” das populações indígenas e tribais à sua “integração” com o resto da sociedade.

Foi por meio da C107 que o direito positivo internacional ofereceu, pela primeira vez, um status aos povos indígenas e tribais em países independentes. Porém ao contrário de proteger sua autodeterminação, a OIT promoveu o dever dos Estados de prestar assistência para o “progresso social e econômico” dos povos indígenas, ou seja, integrá-los às sociedades coloniais em nome de seu “desenvolvimento”. (FIGUEROA, 2009, p.18)

O Movimento Indígena também se faz sentir no contexto internacional, uma vez que ele assume importante papel ao reivindicar a mudança dos paradigmas da política apreendida na época, levando a OIT a reconhecer, durante a década de 1980, que o texto da Convenção 107 já não era mais aceitável, pois a visão integracionista já não era compatível com o avanço do direito internacional. Diante disso, elaborou-se uma revisão parcial daquela convenção, resultando na Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, adotada pela OIT em 1989.

O artigo 2 da Convenção 169 expressa seu objetivo básico: promover a realização dos direitos sociais, econômicos e culturais dos povos indígenas e tribais, respeitando sua identidade social e cultural, seus costumes e tradições e suas instituições, bem como

proporcionar-lhes um mecanismo de participação no processo de desenvolvimento nacional28.

As inovações trazidas por essa Convenção são principalmente o emprego da autoidentificação e o estabelecimento da consulta aos povos indígenas e tribais antes de qualquer decisão sobre medidas administrativas ou legislativas que os afetem.

A autoidentificação permite que o próprio indígena se identifique como tal através da sua consciência de que pertence a uma comunidade diferenciada em relações às instituições sociais, culturais, políticas e econômicas de outros setores da coletividade nacional, sendo reconhecido como parte integrante pelo seu povo ou comunidade.

É preciso deixar para trás conceitos que, ainda, são propagados com a única intenção de denegrir a imagem indígena, remetendo-lhes a um passado e a um modo de vida não mais condizente com as necessidades atuais para que eles possam gozar de seus direitos. Aprisioná-los em roupas de pena, a cocares, a arcos e a flechas é querer que os não-índios também se vistam com perucas e com vestidos medievais, e usem as cartas como meio de comunicação único, abrindo mão de toda uma tecnologia necessária ao contexto atual.

28 C169, art.2 (1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos

interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade. 2. Essa ação deverá incluir medidas: a) que assegurem aos membros desses povos o gozo, em condições de igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional outorga aos demais membros da população; b) que promovam a plena efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais desses povos, respeitando a sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, e as suas instituições; c) que ajudem os membros dos povos interessados a eliminar as diferenças sócio - econômicas que possam existir entre os membros indígenas e os demais membros da comunidade nacional, de maneira compatível com suas aspirações e formas de vida.

Dizer quem é ou não indígena não compete à sociedade, ao órgão federal ou ao Estado, como jamais deveria ter acontecido. Decidir autoritariamente e conferir critérios para determinar quem é ou não indígena é uma estratégia de não-índios, posseiros e agentes políticos que deslegitimam o reconhecimento de determinadas comunidades para que em seus territórios sejam construídos grandes empreendimentos econômicos.

No que concerne à consulta às comunidades indígenas, nas medidas administrativas ou legislativas que as afetem, a Convenção 169 determina que essa tem que ser de caráter obrigatório e deve ser realizada antes que o governo empreenda ou autorize qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas terras destes povos.

Questionamento levantado é se essa consulta tem caráter de veto ou se é apenas

uma mera formalidade para que os empreendimentos governamentais sejam implantados29.

A consulta, prevista pela Convenção 169, é um mecanismo que permite os povos indígenas de participar efetivamente no processo de desenvolvimento, situação que deve ser promovida pelo Estado. Salienta-se que o processo de consulta não pode resumir-se a mera formalidade, uma vez que deve oferecer oportunidades reais para que os povos influenciem seu resultado.

Em 2007, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao decidir o caso do Povo Saramaka no Suriname, entendeu que o Estado tem a obrigação de obter o consentimento dos povos afetados antes de autorizar a execução de um projeto de desenvolvimento ou inversão

que se possa afetar de forma substancial os direitos territoriais do povo Saramaka30.

Conforme Figueroa (2009, p.43), a consulta é um procedimento administrativo generalizado que não requer o consentimento como condição à sua legitimidade. Entretanto,

29 Para uma melhor abordagem sobre a questão, recomenda-se a leitura do artigo A Convenção 169 da OIT e o dever do Estado brasileiro de consultar os povos indígenas e tribais in Convenção 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais: oportunidades e desafios para sua implementação no Brasil, 2009.

30 Corte Interamericana de Direitos Humanos. Povo Saramaka vs. Suriname. Sentença, 28 de novembro de 2007, p.137: “La Corte coincide com El Estado y además considera que, adicionalmente a La consulta que se requiere

siempre que haya um plan de desarollo o inversión dentro del território tradicional Saramaka, la salvaguarda de participación efectiva que se requiere cuando se trate de grandes planes de desarollo que se puedan tener um impacto profundo em los derechos de propriedad de los miembros Del pueblo Saramaka a gran parte de su território, debe entenderse como requiriendo adicionalmente la obligación de obtener el consentimiento libre, prévio e informado del pueblo Saramaka, a según sus costumbres y tradiciones.”

quando um projeto afeta direitos territoriais de forma substancial, o consentimento faz-se necessário para legitimar a medida a ser tomada pelo governo.

A falta de consentimento gera ao Estado o ônus de justificar o projeto, garantindo que os povos afetados participem de seus benefícios, e tomando medidas destinadas a mitigar seus efeitos negativos.

A Convenção, ainda, reafirma a importância peculiar da terra na cosmovisão desses povos, que se diferencia do caráter puramente econômico dado pelos não-índios, decorrente da noção capitalista de terra. Considera-se, então, o valor da terra na concepção

dos povos tradicionais. Diante disto, os Estados deverão garantir os direitos de propriedade31

e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam” (art. 14, 1), além dos recursos naturais existentes nelas, cabendo ao governo determiná-la e protegê-la.