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Vários países latinoamericanos tem constitucionalizado, por pressão dos movimentos sociais, o direito à diversidade cultural e à identidade. Tal reconhecimento tem incluído expressões culturais centrais dos povos indígenas, como seus idiomas, territórios e sistemas de autoridade e normativos.

O Equador é um exemplo desse contexto latinoamericano que, desde 1998, evidencia um importante desenvolvimento no reconhecimento da diversidade cultural no nível constitucional formal.

A Constituição do Equador de 1998 já determinava um amplo leque de direitos coletivos dos povos indígenas. No entanto, a Constituição equatoriana de 2008 estabelece um

Estado plurinacional40 e intercultural ao invés de um Estado pluricultural e multiétnico, como

o era na Constituição anterior.

O Estado plurinacional e intercultural marca mais um passo na conquista dos direitos dos povos indígenas. A partir do direito à diferença, é reconhecido o direito à cultura, à vida, aos idiomas, à educação, ao sistema de saúde diferentes e todos os demais direitos

inerentes que devem ser diferenciados pela peculiaridade dos seus protagonistas41.

É com respaldado no direito à diferença que a cosmovisão indígena acerca da terra também tem que ser respeitada, pois esta vai além do vínculo lucrativo que a terra pode oferecer ao ser humano, tornando-se como um elo de existência transcendental da relação homem, terra e divindade.

A Constituição equatoriana de 2008 apresenta notáveis avanços no tocante aos sistemas de direitos em seu conjunto, tanto em sua amplitude quanto nos mecanismos de garantia que devem assegurar sua eficácia.

Com precisão, o texto constitucional estabelece critérios para evitar que os direitos enunciados sejam meras aspirações, ideais desmentidos no contexto das relações sociais e econômicas, e no funcionamento das instituições. Para isso consagram-se os princípios da exigibilidade, tanto individual quanto coletiva, de igualdade, de aplicabilidade direta e imediata, e de plena justiciabilidade; a responsabilidade do Estado tanto pelas ações quanto pelas omissões que vulnerabilizem direitos, ou o princípio da não regressibilidade, que impede qualquer ação ou omissão que,

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O constituticionalismo plurinacional deve ser baseado em relações interculturais igualitárias que redefinam e reinterpretem os direitos constitucionais. Para Agustín Grijalva: “o Estado plurinacional não é ou não deve reduzir-se a uma Constituição que inclua um reconhecimento puramente culturalista, às vezes apenas formal, por parte de um Estado, na verdade instrumentalizado para o domínio de povos com culturas distintas, mas sim um sistema de foros de deliberação intercultural autenticamente democrática”. (GRIJALVA, 2009, p.117)

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Boaventura de Sousa Santos assim leciona sobre o direito à igualdade ou o direito à diferença: O que é diferente não está desunido, o que está unificado não é uniforme, o que é igual não tem que ser idêntico, o que é diferente não tem que ser injusto. Temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza, temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.”( SANTOS, 2007, p34-35).

injustificadamente, diminua o conteúdo de direitos já reconhecidos. (WILHELMI, 2009, p.145).

A amplitude dos direitos listados, a dimensão coletiva e a terminologia empregada para os direitos no texto constitucional revelam a sua vinculação não ao direito, como uma unidade para todos, mas sim aos direitos, contemplando as diferenças e albergando mais conquistas42.

Os “direitos do bem viver”, a tradução de sumak kawsay quíchua, constata a presença das contribuições das culturas indígenas na construção de um projeto de desenvolvimento social centrado em uma melhoria das condições de vida que devem ser mensurados em termos qualitativos e não quantitativos.

Os direitos devem ser entendidos como mecanismos para a inclusão social, cultural e política dos sujeitos coletivos indígenas, mediante, basicamente, duas grandes vias: em, primeiro lugar, o reconhecimento da base de sua existência, reprodução e desenvolvimento, ou seja, a recuperação e o domínio sobre as suas terras, territórios e recursos (art. 57, numerais quarto, quinto, sexto, oitavo e décimo segundo)43 e as formas

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O título II contém diferentes grupos de direitos: direitos do bem viver (capítulo segundo); direitos das pessoas e grupos de atenção prioritária (capítulo terceiro); direitos das comunidades, povos e nacionalidades (capítulo quarto); direitos de participação (capítulo quinto); direitos de liberdade (capítulo sexto); direitos da natureza (capítulo sétimo); e direitos de proteção (capítulo oitavo).

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Arte. 57: Se reconoce y garantizará a las comunas, comunidades, pueblos y nacionalidades indígenas, de conformidad con la Constitución y con los pactos, convenios, declaraciones y demás instrumentos internacionales de derechos humanos, los siguientes derechos colectivos:

[...]

4. Conservar la propiedad imprescriptible de sus tierras comunitarias, que serán inalienables, inembargables e indivisibles. Estas tierras estarán exentas del pago de tasas e impuestos. 5. Mantener la posesión de las tierras y territorios ancestrales y obtener su adjudicación gratuita. 6. Participar en el uso, usufructo, administración y conservación de los recursos naturales renovables que se hallen en sus tierras.

[...]

8. Conservar y promover sus prácticas de manejo de la biodiversidad y de su entorno natural. El Estado establecerá y ejecutará programas, con la participación de la comunidad, para asegurar la conservación y utilización sustentable de la biodiversidad.

[...]

12. Mantener, proteger y desarrollar los conocimientos colectivos; sus ciencias, tecnologías y saberes ancestrales; los recursos genéticos que contienen la diversidad biológica y la agrobiodiversidad; sus medicinas y prácticas de medicina tradicional, con inclusión del derecho a recuperar, promover y proteger los lugares rituales y sagrados, así como plantas, animales, minerales y ecosistemas dentro de sus territorios; y el conocimiento de los recursos y propiedades de la fauna y la flora. Se prohíbe toda forma de apropiación sobre sus conocimientos, innovaciones y prácticas.

próprias de organização (art. 57, numerais primeiro, nono e décimo)44; em segundo lugar, mediante mecanismos de participação dos povos indígenas, enquanto sujeitos coletivos, nas instituições e nos processos de tomada de decisões, que devem envolver a sociedade em seu

conjunto (art. 57, numerais décimo quinto, décimo sexto e décimo sétimo)45.