3.5 A CONVERSÃO PASTORAL
3.5.1 A conversão pastoral da paróquia
A paróquia, há muitos séculos, “tem sido a presença pública da Igreja em diferentes
lugares. Ela é referência para os batizados. Sua configuração social, entretanto, tem sofrido
profundas alterações nos últimos tempos” (DCC, 1). Com a mudança de época e o processo de
secularização, a influência da paróquia na sociedade foi diminuindo. Há muitos obstáculos para que seus membros se sintam participantes de uma autêntica comunidade cristã.
Não é de hoje que os documentos eclesiais pedem esforços de renovação. João Paulo II afirmou:
A comunhão eclesial, embora possua sempre uma dimensão universal, encontra sua expressão mais imediata e visível na paróquia [...]. É necessário que todos redescubramos, na fé, a verdadeira face da paróquia, ou seja, o próprio mistério da Igreja presente e operante nela (ChL 26).
O Documento de Aparecida lembra que
a renovação das paróquias no início do terceiro milênio exige a reformulação de suas estruturas, para que seja uma rede de comunidades e grupos, capazes de se articular conseguindo que seus membros se sintam realmente discípulos missionários de Jesus Cristo em comunhão (DA 172).
A Evangelii Gaudium considera a revisão da situação atual da paróquia, afinal, ela
“não é uma estrutura caduca”, porque possui grande plasticidade, podendo assumir diferentes
formas que necessitam de criatividade missionária do pastor e da comunidade387 (EG 28). O primeiro desafio para essa conversão é a falta de consciência comunitária instalada via individualismo moderno, percebido, inclusive, entre os próprios agentes da pastoral paroquial. É a cultura do egoísmo desenvolvida no cotidiano de muitas pessoas. Não raro encontram-se paróquias que têm vida religiosa e sacramental intensa, porém sem vida comunitária entre seus membros. A experiência com o sagrado é vivida sem compromisso com a solidariedade e a fraternidade.
Mas, diante da crise, percebe-se a redescoberta do grande valor da paróquia na Igreja de nossos dias. A sede de espiritualidade das pessoas mostra que a paróquia pode transformar- se num centro mistagógico. Nesse sentido, é preciso flexibilizar o aspecto territorial e
387 Além da paróquia, “as outras instituições eclesiais, comunidades de base e pequenas comunidades,
movimentos e outras formas de associação são uma riqueza da Igreja que o Espírito suscita para evangelizar todos os ambientes e setores. Frequentemente trazem um novo ardor evangelizador e uma capacidade de diálogo com o mundo que renovam a Igreja” (EG 28).
geográfico da paróquia para que os membros da comunidade possam se conhecer mais e se ajudar mutuamente. O vazio existencial e a depressão tão frequentes na atualidade seriam enfrentados numa comunidade amiga e fraterna, capaz de ser samaritana, acolhendo os caídos em consequência de uma cultura egoísta e consumista.
A conversão pastoral da paróquia exige uma mudança de mentalidade em relação ao protagonismo dos leigos. A falta de presbíteros para atender às comunidades cristãs predispõe a uma atuação maior por parte dos leigos. O Concílio Vaticano II exorta:
Habituem-se os leigos a trabalhar na paróquia, intimamente unidos aos seus sacerdotes; a trazer para a comunidade da Igreja os problemas próprios e os do mundo e as questões relativas à salvação dos homens, para serem examinados e resolvam no confronto de vários pareceres (AA 10).
Os leigos não podem ser uma alternativa à falta de clero para atender à pastoral. Para que o laicato possa exercer melhor o sacerdócio comum dos batizados, é necessário que os presbíteros
facilitem seu protagonismo: “Isso exige, da parte dos pastores, maior abertura de mentalidade para que entendam e acolham o ‘ser’ e o ‘fazer’ do leigo na Igreja” (DA 213). Supõe, ainda, que o
pároco valorize as lideranças leigas, principalmente as novas gerações, formando-as discípulos missionários. Nesse contexto, faz-se necessário compartilhar com os leigos as decisões econômicas e pastorais. O pároco também deve ficar atento às novas lideranças, multiplicando o número de pessoas que realizam os diferentes ministérios nas comunidades.
Destaca-se outro fator para a conversão pastoral: a acolhida personalizada na comunidade. Hoje, a sociedade, com muita facilidade, “descarta” as pessoas. As famílias também apresentam dificuldades de cunho afetivo. Idosos e enfermos se sentem um peso em sua casa. Nesse ponto, a comunidade cristã promoveria o humanismo integral e solidário, no seio do qual as pessoas ocupariam o centro de suas ações. “A personalização da pastoral será um dos exercícios mais exigentes para a comunidade, pois seus membros devem estar
preparados”:388
Hoje que a Igreja deseja viver uma profunda renovação missionária, há uma forma de pregação que nos compete a todos como tarefa diária: é cada um levar o Evangelho às pessoas com quem encontra, tanto aos mais íntimos como aos desconhecidos. É a pregação informal, que se pode realizar durante uma conversa, e é também a que realiza um missionário quando visita um lar. Ser discípulo significa ter a disposição permanente de levar aos outros o amor de Jesus; e isto sucede espontaneamente em qualquer lugar: na rua, na praça, no trabalho, num caminho (EG 127).
388 BRUSTOLIN, L. A. La conversión pastoral de la parroquia. Rivista Lateranum, Roma: Lateran University
Nessa nova configuração paroquial, também a atuação dos presbíteros precisa ser revista:
O pároco precisa ser um homem de Deus que fez e faz uma profunda experiência de encontro com Jesus Cristo. Sem essa mística, toda renovação ficará comprometida. Essa vivência de discípulo fará o pároco ir ao encontro dos afastados de sua comunidade; caso contrário, contentar-se-á com os aspectos da administração e promoverá uma pastoral de conservação (PDV, 17).
O presbítero, como um bom pastor precisa estar atento às necessidades de seu rebanho, não se deixando envolver pelo ativismo e nem pela apatia de quem não crê mais em mudanças. Ele deve ocupar-se mais das pessoas do que de papéis e construções, para não se transformar num mero administrador do sagrado. Deve voltar-se para formar discípulos missionários acima de tudo.
A nova evangelização exige empenho e criatividade para renovar as comunidades paroquiais. Em tempo de excessiva oferta religiosa, ante o secularismo que ofusca o lugar de Deus na vida das pessoas e apesar de tudo, acentuado individualismo, é preciso recuperar a fé, a confiança e a fidelidade em Deus Trindade: perfeita comunhão de amor.389
É importante ressaltar que “o discípulo de Cristo não é uma pessoa de espiritualidade
intimista, mas uma pessoa em comunidade para dar-se aos outros”.390 Portanto, a conversão pastoral da paróquia é muito mais que um planejamento técnico, é a exigência de mudança de mentalidade. Trata-se de recuperar o amor que existia nas primeiras comunidades cristãs, descrita no livro Atos dos Apóstolos: “Eles perseveravam no ensinamento dos apóstolos, na
comunhão, no partir o pão e nas orações” (At 2,42).
Na fidelidade ao ensinamento do Evangelho, na comunhão fraterna capaz de estabelecer novas relações entre as pessoas, na vivência eucarística de quem comunga o Senhor e por isso serve aos irmãos, a nova paróquia deve recuperar o sentido comunitário da fé cristã.391
Atualmente as paróquias são convocadas pelo Espírito Santo a escutarem o que está pedindo a Igreja. Urge que se avalie a força de nossa fé em Jesus Cristo, para que nos impulsione à metanoia pastoral. “O caminho latino-americano de multiplicação de pequenas comunidades na
389 BRUSTOLIN, L. A. La conversión pastoral de la parroquia. Rivista Lateranum, Roma: Lateran University
Press, v. LXXX, p. 25, 2014/1.
390 PAPA FRANCISCO. Palavras do Papa Francisco no Brasil, p. 72. 391 BRUSTOLIN, op. cit., p. 25.
grande paróquia, tem resultado interessante para renovar a vida cristã de muitos paroquianos”.392