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2.4 O DOCUMENTO

2.4.3 O estilo evangelizador da Evangelii Gaudium

O documento apresenta muitas características a serem abordadas, porém este texto se limita a analisar apenas uma delas. Trata-se da sua forma, salientando que a Evangelii

Gaudium “está muito embebida em um ponto extremamente relevante da sua ‘substância’

comunicativa: a tensão entre encontro, diálogo e anúncio”.240

Essa exortação nasce de uma reflexão sobre “a nova evangelização para a transmissão da fé cristã”, portanto, sobre o anúncio do Evangelho hoje. Citando Bento XVI, o Papa

Francisco referiu: “Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e,

desta forma, o rumo decisivo” (EG 7). Esse é o manancial da ação evangelizadora que

segundo Francisco, “se alguém acolheu esse amor que lhe devolve o sentido da vida, como pode conter o desejo de comunicá-lo aos outros?” (EG 8).

237 SBARDELOTTO, M. Um estilo evangelizador: o horizonte eclesial da Evangelii Gaudium. Disponível em:

<file:///C:/Users/User/AppData/Local/Temp/Low/VU62LHDV.htm>. Acesso em: 04 jul. 2014.

238 MONROY, F. Reflexões sobre a Evangelii Gaudium: a revolução da ternura. Disponível em: <http://www.al

eteia.org/pt/religiao/conteudo-agregado/exortacao-apostolica-evangelii-gaudium-19034001>. Acesso em: 14 fev. 2014.

239 Ibid.

240 SBARDELOTTO, M. Um estilo evangelizador: o horizonte eclesial da Evangelii Gaudium. Disponível em:

É nesse encontro que se mantém o vigor da ação evangelizadora.241 Não se trata de

uma “heróica tarefa pessoal”, ou solidária, mas de uma “obra de Deus”, um anúncio que nasce

e se mantém como encontro com esse grande Outro. “Jesus é ‘o primeiro e o maior

evangelizador’. Em qualquer forma de evangelização, o primado é sempre de Deus” (EG 12).

E Deus é sempre o Outro que nos surpreende, que se manifesta pela “liberdade incontrolável da Palavra, que é eficaz ao seu modo e sob formas tão variadas que muitas vezes nos

escapam, superando nossas previsões e quebrando os nossos esquemas” (EG 22).

Assim, o anúncio do Evangelho se faz no encontro com os diversos outros. Daí a

necessidade de uma “Igreja ‘em saída’, que vá ao encontro dos ‘outros’, [porque] “ninguém se

salva sozinho, isto é, nem como indivíduo isolado, nem por suas próprias forças. Deus nos atrai, no respeito da complexa trama de relações interpessoais que a vida numa comunidade

humana supõe” (EG 113).

Na trama das relações, ganham destaque, no horizonte eclesial, segundo o documento: os pobres, as mulheres e os migrantes.

Hoje e sempre, “os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho”242 e a

evangelização dirigida gratuitamente a eles é sinal do Reino que Jesus veio trazer. Há que afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Não os deixemos jamais sozinhos! (EG 48).

Aparece no documento a recomendação: “É necessário que todos nos deixemos

evangelizar por eles. A nova evangelização é um convite a reconhecer a força salvífica das suas vidas, e a colocá-los no centro do caminho da Igreja” (EG 198).

Um segundo outro são as mulheres, que, segundo a exortação, são “duplamente pobres”,

diante das “situações de exclusão, maus-tratos e violência, porque frequentemente têm menores possibilidades de defender os seus direitos” (EG 212). Propõe que “é preciso ampliar os espaços

para uma presença feminina mais incisiva na Igreja”, inclusive “nos vários lugares onde se

241 O Papa Francisco dirigindo-se a bispos, sacerdotes, religiosos e seminaristas disse: “Somos chamados a

promover a cultura do encontro”. Nesse “humanismo economicista que se impôs no mundo, ganhou espaço a cultura da exclusão, a ‘cultura do descartável’ [...]. “Às vezes parece que, para alguns, as relações humanas são regidas por dois ‘dogmas’ modernos: eficiência e pragmatismo”. Tenham “a coragem de ir contra a corrente dessa cultura [...]. Temos de ser servidores da comunhão e da cultura do encontro. Quero vocês quase obsessivos neste aspecto!” (PAPA FRANCISCO; VIGINI, G. (Org.). A Igreja da misericórdia: minha visão para a Igreja).

242 BENTO XVI. Discurso na Catedral da Sé em São Paulo, 11 de maio de 2014. Disponível em: <http://www.vat

tomam decisões importantes, tanto na Igreja, como nas estruturas sociais” (EG 103).243

Finalmente, um terceiro outro são os migrantes que, na visão do Papa Francisco,

“representam um desafio especial para mim, por ser Pastor de uma Igreja sem fronteiras que se sente mãe de todos” (EG 210). O Papa faz uma exortação às comunidades para terem com esses irmãos uma “abertura generosa”, para que haja capacidade de valorização na criação de “novas sínteses culturais” (EG 210), porque “é preciso aceitar a alteridade na sua diferença”.244

A exortação apresenta o diálogo como sendo “a energia nuclear que irradia de todas as partes da Evangelii Gaudium”.245 Citando a Ecclesiam Suam, sobre o diálogo, que faz parte da conversão (EG 26), perpassa as dimensões pastorais (Cap. 3): a liturgia é “diálogo de Deus

com o seu povo” (EG 137), a dimensão social da evangelização é dialogal (Cap. 4) como

também as relações ecumênicas (EG 244-246), as relações com o judaísmo (EG 247-249) e as relações inter-religiosas (EG 250-254).

Ademais, o diálogo pastoral é um “processo participativo” visando não somente à

participação da Igreja, mas também da humanidade (EG 31). São considerados no documento três campos de diálogo: “O diálogo com os Estados, com a sociedade – que inclui o diálogo com as culturas e as ciências – e com os outros crentes, que não fazem parte da Igreja

Católica” (EG 238). Esse processo exige “uma profunda humildade social” (EG 240).

No seu estilo evangelizador, a Evangelii Gaudium mostra como o anúncio consiste na partilha de uma alegria e a indicação de um horizonte (EG 14; 11). É necessário que esse

anúncio “exprima o amor salvífico de Deus como prévio à obrigação moral e religiosa, que não

imponha a verdade, mas faça apelo à liberdade, que seja pautado pela alegria, pelo estímulo, pela

vitalidade e por uma integralidade harmoniosa que não reduza a pregação a poucas doutrinas”

(EG 165). Dessa forma, não forçando nem excluindo ninguém, o anúncio é universal e aberto ao

mundo. Esse anúncio simplifica a doutrina e “se concentra no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário” (EG 35).

O essencial do Cristianismo é Jesus Cristo: “Não pode haver verdadeira evangelização

sem o anúncio explícito de Jesus como Senhor” (EG 110). O caráter trinitário faz parte do

243 PAPA FRANCISCO; VIGINI, G. (Org.). A Igreja da misericórdia: minha visão para a Igreja.

244 SBARDELOTTO, M. Um estilo evangelizador: o horizonte eclesial da Evangelii Gaudium. Disponível em:

<http://www.unisinos.br/noticias/526339-um-estilo-evangelizador>. Acesso em: 16 mar. 2014.

245 SUESS, P. Vinho com gotas de vinagre. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis: Faculdade de Teologia; Instituto

essencial do querigma, como o anúncio do amor de Deus faz parte do primeiro anúncio: “Jesus Cristo ama-te, deu sua vida para te salvar, e agora vive todos os dias para te iluminar,

fortalecer, libertar” (EG 164). Tem parte central do querigma o conteúdo social:246 “No próprio coração do Evangelho, aparece a vida comunitária e o compromisso com os outros. O conteúdo do primeiro anúncio tem uma repercussão moral imediata, cujo centro é a caridade” (EG 177, 179, 258).

Todavia, o anúncio deve ser encarnado, pois “as obras de amor ao próximo são a manifestação externa mais perfeita da graça interior do Espírito”. E, com relação ao agir exterior, “a misericórdia é a maior de todas as virtudes” (EG 37). Ademais, a mensagem

transversal dos escritos e da vida do Papa Francisco é a de que a Igreja não deve podar a misericórdia de Deus com a “tesoura” do legalismo, porém, não significa nem autocomplacência com vícios internos da Igreja nem autorreferencialidade de certo narcisismo teológico e pastoral.247