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CONTEXTUALIZAÇÃO DO (SUB)DESENVOLVIMENTO SÓCIO-ECONÓMICO AFRICANO

3.5 A cooperação para o desenvolvimento africano

Confrontando a teoria com a prática, em matéria de cooperação para o desenvolvimento, depara-se, no mínimo, com uma leitura antagónica a este respeito. Um dos exemplos é apresentado por Silva (2003), enquanto caracteriza a convulsão internacional. Segundo o autor, “se a última vaga da globalização permitiu reduzir a pobreza em termos absolutos, agravou por outro lado a situação da pobreza relativa (20% da população mundial controla 80% da riqueza mundial)”(Silva, 2003:46). Cauteloso com essa interpretaçãosupra, Sachs relaciona as partes do “problema” – ricos e pobres – para, depois, as caracterizar como um teatro de sombras, isto é, “muitos países pobres simulam reformas, enquanto os ricos simulam ajudá-los, levando o cinismo até um nível bastante alto” (Sachs, 2006:394). Da parte dos países ricos, Dollar, o então Director do Devellopment Research Group, do BM, ao dissertar sobre a ajuda ao desenvolvimento, as reformas e a redução da pobreza em África, defende que o seu “argumento básico vai ser o de que a chave para África prosperar consiste em mais reforma económica” (Dollar, 2001:101).

A palavra “pobreza”, como significado de carência de recursos económicos e sociais, rima, em boa medida, com o subdesenvolvimento, e ao contrário parece também haver uma justaposição. Atento à pobreza, bem como aos factores para a sua melhor interpretação, Chossudovsky chegou a intitular uma das obras de referência deA Globalização da Pobreza e a Nova Ordem Mundial (2003).

Noutra perspectiva que não a de Chossudovsky, Dollar afirma que “nos últimos dez anos a África subsariana praticamente não teve crescimento do rendimento per capita nem redução significativa da pobreza. Uma vez que o resto do mundo está a crescer, isso significa que a África subsariana como um todo está a ser deixada cada vez mais para trás” (ibidem:101).

Francamente, a luta contra o flagelo da pobreza é uma “batalha” que as sociedades africanas vêm travando desde a proclamação da independência. Todavia, incapazes de as vencer por iniciativa própria, num mundo cada vez mais global, os parceiros de cooperação e a comunidade internacional, no seu todo, têm-se desdobrado em apelos

uma “aliança” global para acabar com a pobreza, fazendo da redução da pobreza um objectivo central da cooperação internacional para o desenvolvimento (Sachs, 2006:390- 447).

Este apelo, ou melhor, o reforço deste apelo de cooperação para uma aliança global em favor do desenvolvimento tem algum tempo. Repare-se, por exemplo, que as abordagens ao tema do desenvolvimento, no decurso da Guerra Fria,em pouco ou nada conduziram aos resultados esperados, na medida em que as acções eram todas bipolarizadas, obedecendo, por isso, aos preceitos de natureza geoestratégica em consequência das concepções político-ideológicas vigentes. Desta forma, a “mudança” desse paradigma ocorre, de facto, com a queda do Muro de Berlim e das inúmeras iniciativas que se lhe seguiram, com particular destaque para o Consenso de Washington, de 1989, que incorporava uma lista de recomendações dirigidas aos países dispostos a reformar as suas economias, nomeadamente:

1) disciplina fiscal – para reduzir os elevados e periódicos deficits fiscais que contribuem para a inflação e fugas de capital;

2) reforma tributária –reduzir e optimizar a cobrança de impostos sobre a produção e a circulação de mercadorias e serviços;

3) taxas de juros – os mercados financeiros domésticos devem determinar as taxas de juros de um país; as taxas de juros reais e positivas desfavorecem fugas de capitais e aumentam a poupança local;

4) taxas de câmbio – países em desenvolvimento devem adoptar uma taxa de câmbio competitiva que favoreça as exportações, tornando-as mais baratas no exterior;

5) abertura comercial – a redução de tarifas alfandegárias e liberalizaçãodo comércio internacional;

6) investimento directo estrangeiro – investimentos estrangeiros podem introduzir o capital e as tecnologias que faltam no país, devendo, portanto, ser incentivados;

7) privatização – reduzir o papel dos Estados como empresários nas economias nacionais;

8) desregulamentação– a regulação excessiva pode promover a corrupção e a discriminação contra empresas menores, por isso, deve-se favorecer a livre iniciativa;

9) direito de propriedade – os direitos de propriedade devem ser aplicados; sistemas judiciários pobres e leis fracas reduzem os incentivos para poupar e acumular riqueza.

A década que antecedia a entrada do novo milénio augurava, assim, uma nova visão de cooperação internacional, adaptada naquilo que certos autores chamam de “terceira revolução industrial” (Toffler, 1984; Neves, 2006), fazendo com que todos tivessem, aparentemente, as mesmas condições para cooperar em prol dos seus povos, países ou regiões.

Segundo o PNUD, das 37281 redes de ONG existentes no ano de 2000, um quinto dessas haviam sido criadas depois de 1990 (PNUD, 2002:102), isto é, depois do fim da bipolaridade. As ONG passariam a constituir, assim, mais um actor de elevada importância em matéria de cooperação, pela especialização em determinadas áreas de intervenção (Lindenberg & Bryant, 2001).

Pensa-se que a pouca projecção, tanto da OUA, como da UA, em matéria de cooperação seja um dos motivos pelas quais os seus membros preferem fazê-lo de forma isolada. Todavia, assistiu-se, igualmente em África, como resposta a este “vazio”, a uma investida de cooperação bilateral por parte dos países,ONG eorganizações internacionais extra-africanas, o que leva a pensar na necessidade de um melhor posicionamento que passa pelo desempenho de um papel de mobilizador de recursos ao mais alto nível por parte das instituições africanas para o desenvolvimento africano.

àdescoordenação da cooperação42, Ormerod (2000) defende que a África está cada vez mais pobre, uma vez que o rendimento per capita do continente pouco mais excediaem 2000 a35% se se compararmos, em período homólogo, ao da Europa ocidental. Salientandoainda queno passado os números esses já haviam correspondido a 15% e 10%, respectivamente, entre os anos de 1950 e 1992.

Se por um lado a justificação dos 15% registados na década de 1950 prendia-se com a independencia dos países, como todo o processo de (re)organização que o assunto impõe, o decréscimo assentado no espaço de 42 anos para os 10% da década de 1992 é provada com um número significativo de países africanos que se abria ao multipartidarismonão por se tratar de um “caminho” errado mas, antes, pelo nível de desenvolvimento encontrado. Com efeito, outra justificação prende-se com a escalada de conflitos e guerras ocorridas na supracitada década nos países africanas.

Certos autores (Lopes, 2003; Mosca, 2004; Ki-Zebero, 2006) trazem à preocupação de saber, em matéria de cooperação entre países em vias de desenvolvimento e desenvolvidos, quem, de facto, ajuda quem.

Torres (1995) oferece a seguinte leitura a respeito da falta de informação ou desinformação, que “há na África, como noutros locais, uma opinião pública que não está tão pouco informada como alguns julgam, especialmente nos assuntos que lhe dizem directamente respeito. Quando o poder sabe dialogar com o cidadão e dá garantias de boa-fé, a opinião pública pode aceitar sacrifícios que, de outro modo, criariam forte instabilidade política. E a razão por que as reformas devem estar em consonância com a sociedade civil” (Torres, 1995:13). Isto é, há toda uma sociedade civil africanaque reclama, em favor do bem-estar comum, a participação, tanto antes, como depois dos pleitos eleitorais, para que não fique a ideia de que a cooperação internacional é feita entre elites, mas com países (Henderson, 2003).

A comunidade internacional, provavelmente preocupada com a situação, tomou algumas medidas que levassem o “mundo” subdesenvolvido (em que a África está inserida) a almejar o desenvolvimento no novo milénio.