• Nenhum resultado encontrado

Revisão do Acordo de Cotonou,

5.1 Caracterização da União Africana 1 Introdução

5.1.2 O percurso da transição: da OUA à UA

Na verdade, o fim da colonização significava, também, o início da OUA, criada formalmente a 25 de Maio de 1963, em Addis Abeba, na Etiópia, que nada mais era senão o culminar de um processo de há quatro décadas (Keita, 2000; Lara, 2005) num instrumento político de reivindicação dos povos africanos contra o colonialismo. Essa reivindicação, que determinava uma nova fase de renovação de esperanças

africanas, consubstanciava, em suma, a luta pela independência por parte dos Estados africanos (Nkrumah, 1967; Ki-Zerbo, 1972, 1980; Almeida, 1994; Lara, 2002)63. Ao que parece, o marco da transição, no que se refere à partida para a UA, em consequência da conjuntura interna africana e internacional, não é de todo consensual. Porquanto, a abordagem mais comum é aquela que tem com ponto de partida a 35.ª Sessão Ordinária dos Chefes de Estado e de Governo da OUA que teve lugar na cidade de Argel, em Junho de 1999 (anexo 2).O evento teria acontecido nesta cidade, provavelmente, pela importância histórica de que a mesma se reveste. Por isso, empenhados em fechar uma etapa caracterizada pelo neocolonialismo e pelas guerras civis, a cimeira teve como ponto alto a apresentação do diagnóstico do continente africano e a sua situação comparativa na sociedade global, trazendo à recordação a apresentação do Plano de Acção de Lagos, facto que contou, de imediato, com reacções diferenciadas por parte dos Chefes de Estado e dos Governos africanos presentes que, posteriormente, acordaram, por unanimidade, que “estamos profundamente convencidos de que a OUA teve um papel insubstituível no processo de afirmação da identidade política e na realização da unidade do continente. Saudamos os fundadores da Organização, os pioneiros da Unidade Africana, e comprometemo-nos em prosseguir com esta tarefa e continuar a fazer da OUA um instrumento vital das nossas acções colectivas dentro de África e nos nossos relacionamentos com o resto do mundo” (Declaração de Argel, 1999).

Os líderes e representantes africanos presentes concordaram ainda que, apesar da esperança que renasce com o fim da Guerra Fria e das tendências de Paz que emergiam, dando espaço ao desenvolvimento e à integração económica mundial, notava-se um “novo tempo” repleto de renovadas incertezas, sérios riscos e novos desafios que colocavam inúmeras ameaças ao continente, que podemos sintetizar da seguinte forma:

63Na sequência do processo que justificou a criação e vigência da OUA impõe-se, previamente, o breve

conhecimento da história de África, da colonização europeia, dos princípios da Conferência de Berlim de 1885, da descolonização e de todo um período que se inicia com as teses pan-americanistas, de nomes como William Du Bois, Henry Williams, Kwame Nkrumah, Ato Ketema Yufro, Félix Houphouet Boigny, Leopoldo Sédar Senghor e de várias outras individualidades da luta em favor da autodeterminação. Todavia, e centrando-nos nos efeitos da transiçãoda OUA para UA, julga-se pertinente salientar, isso sim, o culminar do próprio processo, bem como o objectivo final que consistiu

a) os novos desafios da Globalização; b) a crescente marginalização de África;

c) a necessidade de se continuarem os esforços no sentido de existir uma aceitável representatividade nas instituições internacionais, particularmente o Fundo Monetário Internacional, o BM;

d) a proliferação das armas ligeiras e nucleares;

e) o surgimento de novas ameaças como o terrorismo, o tráfico de drogas, o crime organizado, entre outros;

f) a prevalência do Sistema Económico Internacional, o qual faz com que as tendências actuais na esfera económica reduz no espaço de manobra dos países em desenvolvimento (ibidem).

Por estes motivos, pode-se concluir que esta cimeira principia, de forma indelével, a “viragem”, com um fim um tanto ou quanto imprevisível. Tanto é que a única certeza era a continuação do processo, meses depois, em Setembro do mesmo ano, na cidade líbia de Syrte. Na verdade, através da Declaração de Syrte,“voltava a reconsiderar-se os desafios inadiáveis do desenvolvimento económico dos seus Estados Membros e povos, principalmente no contexto da incontornávelglobalização”(Picasso, 2003:14). Ao que parece, a proposta do Presidente da Líbia, Muammar Qadhafi, de transformar a África numa região desenvolvida em pouco menos de dois anos, passava, antes, pelo “renascimento de África (…) pela criação de uma nova organização panafricana no lugar da OUA” (Kadafi, 2004:1).

A esse propósito Almeida salienta que, “quando a 9 de Setembro de 1999, o líder líbio Muammar Qadhafi propôs a criação da tal União Africana, fê-lo no pressuposto, e isto deve ser bem salientado e não esquecido, que a mesma deveria ser só – repete- se e sublinha-se só! – para os países da África Negra abaixo do Deserto do Saara. Ou seja, havia aqui uma manifesta vontade de separar as duas Áfricas que, apudoradamente, os líderes africanos parecem ter já esquecido: a África de

predomínio Árabe-caucasiana, a Norte, e a África de maioria Negra, a Sul”(Almeida, 2009:148).

Como mais tarde afirma Almeida, ainda no contexto da união, o que “sobressaiu, no fim, foi a criação de uma União Pan-Africana onde todos os estados africanos fossem incluídos tendo em consideração que começava a se vislumbrar a emergência de uma Comunidade Económica Africana e que vinha sendo proposta por algumas comunidades sub-regionais” (ibidem). Aliás, pode-se dizer que se efectivava a tese do então Presidente do Gana, Kwame Nkrumah, de “consolidação das Independências à luta contra todas as formas de neocolonialismo incidentes no continente, portanto, só traria efeitos positivos se fossem vistos e combatidos como movimentos pan-africanos, com uma «África Unida» ” (Nkrumah, 1967:41).

Num paralelismo com a OUA, nota-se com a UA também nasceu em consequênciade uma sentida necessidade de adaptação a uma nova conjuntura interna – africana – e internacional, fazendo reflectir a dicotomia do passado/presente e futuro, em que almeja viver o Homem Africano.

Na verdade, a história das relações internacionais é abundante nos factos em que a definição da ordem internacional se assemelha à lei da selva64, em que as vantagens pendem, normalmente, para os actores socialmente mais fortes.

Após 1945, o fim da descolonização trouxe à luz das relações internacionais novos Estados, sobretudo africanos, que contaram para a definição da própria ordem mundial de então. Assim se continuou no período da bipolaridade e, anos depois, com o fracasso do bloco socialista, novos actores internacionais, que não apenas os Estados. Em África, de forma isolada, os Estados não têm grande expressividade nas relações internacionais. Por isso, impunha-se, para o bem da região, a existência de um actor que desempenhasse este papel; de importância indiscutível nas relações internacionais, partindo de uma perspectiva de realismo político, que Maltez (2002:163) define como participante de uma “acção e [que] têm objectivos ou interesses comuns no tocante a realização dessa actividade”.

64

Por seu turno, Besa (2001) e Santos (2007) defendem que esse “actor” deve ser um grande Estadoou uma instituição contextualmente definida pelo seu grau de autonomia em relação ao ambiente relacional, bem como pelo seu grau de complexidade organizacional interna.

Como se sabe, o actor inicial foi a OUA que, durante os seus 40 anos de vigência, enfrentou uma “guerra” assimétrica em diversas frentes. Assim, dá-se o aparecimento da UA como um novo projecto que se adapta ao século XXI, com uma maior intervenção no xadrez político internacional e que concorre, simultaneamente, para o “estabelecimento de relações comerciais (…) com outros centros de decisão” mundial (Bessa, 2001:76).

No fundo, esse actor enquadra-se no processo de integração africana que, como os demais processos, se depararam, normalmente, com a necessidade de resolverem certas questões de fundo. Aliás, Costa (2004), dissertando sobre um dos actores extra africano, concretamente, sobre a passagem da Comissão Económica Europeia para a UE, salienta que “o processo de integração comunitária sofreu modificações que transformaram substancialmente a sua essência e tornaram obsoleta a maior parte dos dilemas que caracterizaram os quarenta anos anteriores” (Costa, 2004:77).

Estabelecendo um paralelismo entre o Acto Constitutivo da UA e o da OTAN, depara- se que o Acto Constitutivo da UAfaz fé de que a organização adoptou o princípio de assistência mútua que, como aOTAN, representa o alicerce daquela instituição65. Por isso, o projecto da UA é seguramente ambicioso e não se esgota nos preceitos económicos (que nos ocuparão o subcapítulo II deste capítulo) senão, também, aos aspectos de índole social, político, educacional, sanitário, de segurança e outros, ilustrando, deste modo, o interesse de todos os Estados, em parte como resposta aos desafios do novo milénio.

65 Segundo o Tratado do Atlântico Norte, a assistência mútua significa dizer que “as Partes concordam

em que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas, e, consequentemente, concordam em que, se um tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa, individual ou colectiva, reconhecido pelo artigo 51.° da Carta dias Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas, praticando sem demora, individualmente e de acordo com as restantes Partes, a acção que considerar necessária, inclusive o emprego da força armada, para restaurar e garantir a segurança na região do

A UA (cujo processo começara em Argel, em1999) seria efectivada na África do Sul, em 2002, “quando a Cimeira de Durban anunciava a entrada em vigor da UA em substituição da OUA” (Picasso, 2003:13)66.

Na verdade, o processo em questão, em muito se assemelhou ao que havia culminado em Addis Abeba, há 39 anos, com a institucionalização da OUA. Neste, o começo era marcado pela existência de duas percepções em torno da reforma da OUA. Enquanto uns defendiam o princípio da continuidade/permanência da OUA como o símbolo máximo da unidade africana, outros defendiam uma nova estrutura, com novos objectivos e filosofia, uma reforma no verdadeiro sentido da palavra. Foi necessário o consenso para que o processo de transição não significasse a eliminação da OUA, nem tão-pouco da criação de uma nova organização. Tratava-se no fundo de um “ajustamento estrutural”, em que o problema, em grande medida, passava pela forma e não pelo conteúdo do processode integração pan-africana. Precisava-se, portanto, de uma estrutura susceptível de responder aos novos desafios, tanto que se abria um período de negociações (Quadro 5.1), de cedência de posições e de convicções, de consultas, numa concertação de três anos sensivelmente (1999 a 2002), procurando, ao fim ao cabo, um ambiente de concórdia necessário para levar a bom porto a instituição que orquestraria o futuro da África. Salienta Picasso (2003:150) que “todo esse exercício testemunha o grande desafio dos africanos e constitui a prova inequívoca de aprendizagem e de maturidade africana na condução do próprio destino a que se propõe”.

Quadro 5.1 – Eventos que marcam o percurso da transição

Argel, de 12 a 14 de Julho de 1999

 Diagnosticou-se o sistema internacional e o seu impacto para África;  Avaliou-se o papel desempenhado pela OUA durante o sistema bipolar;

 Tomou-se consciência da incapacidade deste instrumento africano na condução dos destinos africanos no sistema internacional do pós-guerra.

Syrte I e II, Setembro de 1999

 Marcaram o arranque de todo o processo de transformação da OUA para a UA;

 Com a Declaração de Syrte: estabeleceu-se uma matriz/umadirecção assente no consenso africano sobre a necessidade premente e urgente de reverter a imagem actual africana.

Lomé, de 6 a 8 de Julho de 2000

 Reforçou-se a matriz a adopção do Acto Constitutivo;  Clarificou-se a natureza da visão africana;

 Houve encorajamentopara prosseguir, sem reservas, as iniciativas em curso.

Lusaka, de 9 a 11 de Julho de 2001

 Tomaram-se decisões concretas, criando mecanismos que possibilitassem os africanos a traduzir convicções (teóricas) em acções (práticas);

 Redimensionou-seo Acto Constitutivo;  Operacionalizou-se o apelo deLomé.

Durban,de 9 a 10 de Julho de 2002

 Do que se acordou em Syrte, lançava-se a UA;

 Confirmava-se o cumprimento efectivo dos objectivos políticos da OUA;e

 Reafirmava-se o novo pensamento Africano de que o desenvolvimento económico do continente era um processo endógeno.

Fonte: dados recolhidos de Picasso, 2003:150-151