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A crítica à dialética hegeliana e à constatação da insuficiência do conceito

3 DA DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO À DIALÉTICA NEGATIVA OU, DO PROBLEMA À CRÍTICA

3.2 A crítica à dialética hegeliana e à constatação da insuficiência do conceito

Segundo Adorno (2009), ao comparar o movimento dialético a um movimento circular Hegel incorre em uma “filosofia da origem”. Ou seja:

O retorno do resultado do movimento ao seu começo anula mortalmente esse resultado: a identidade do sujeito e do objeto deveria se produzir por meio daí sem falhas. O instrumento de sua teoria do conhecimento chamava-se síntese. Ela é criticável não

como um ato particular de pensamento [...], mas como a ideia diretriz suprema. (ADORNO, 2009, p. 135).

A síntese em Hegel é inteiramente a intelecção da insuficiência desse movimento, como sendo a intelecção de seus custos de produção. A confirmação dessa incapacidade surge em Hegel, segundo Adorno (2009, p.136), bem cedo em que, “desde a introdução à fenomenologia do espírito, Hegel chega bem próximo da consciência da essência negativa da lógica dialética que é desenvolvida por ele.”

Adorno (2009, p.136) acrescenta que em Hegel:

Seu imperativo de examinar de maneira pura todo o conceito até ele se movimentar por força de seu próprio sentido, ou seja, de sua identidade, até ele se tornar não-idêntico a si mesmo, é um imperativo analítico, não sintético.

Dessa forma, Hegel, segundo Adorno (2009), retira o movimento que faz surgir o novo, o diverso, a partir do objeto, para, a partir do conceito, buscar a identidade, não mais em confronto com o real concreto a ponto de poder transformá-lo, mas agora em consonância com o abstrato, por ele considerado real, mas agora passivo, sem capacidade para abarcar a diversidade dos fenômenos, da qual decorre denominar o método de fenomenológico, pois permanece passivo em face do que aparece.

Essa “dialética do repouso”, como mais tarde a denomina Benjamim, já estava presente em Hegel, muito antes do surgimento da própria fenomenologia. Dialética, no sentido que Adorno quer empregar, significa, objetivamente, romper o impulso à identidade por “meio da energia acumulada nessa compulsão à identidade, coagulada em suas objetivações.” Tal força se impôs ao próprio Hegel contra ele mesmo, que claramente não podia admitir o não-verdadeiro da compulsão à identidade (ADORNO, 2009, p. 136).

A dialética não é apenas um processo progressivo, pois “enquanto consciência da não-identidade, através da identidade”, a dialética torna-se também um processo regressivo e nesse ponto a imagem a ela atribuída de circularidade a defini corretamente (ADORNO, 2009, p.136).

A síntese é o desdobramento do conceito que ignora a diferença em uma busca forçada à identidade, identidade que segundo Adorno sempre esteve presente dos escritos “maduros” de Platão, passando por Kant, indo até Hegel.

Seguimos com Adorno (2009, p.137):

De maneira inquestionada, Hegel restringiu contra Kant a prioridade da síntese: ele reconheceu, de acordo com o modelo dos diálogos tardios de Platão, a multiplicidade e a unidade, categorias já justapostas em Kant, como momentos dos quais nenhum é sem o outro. Não obstante, tal como em Kant e toda a tradição, Platão inclusive, Hegel é partidário da identidade.

O menor sinal de negação da identidade, mesmo que abstratamente, já não agradaria ao pensamento. A busca de sempre é a de ordenar aquilo que aos olhos desavisados do senso comum parece caótico. O retorno à mitologia já se apresenta como exemplo dessa busca primitiva do pensamento à ordem, à identidade, desde a forma mimética ou mesmo na forma narrada dos mitos. O domínio do homem sobre a natureza residia já, nas formas mitológicas, na ordenação da multiplicidade aparentemente desordenada da natureza e dos objetos (ADORNO, 2009).

É chegada a hora, mesmo que tardiamente, de reverter a tendência do pensamento à falseabilidade dos raciocínios sintetizantes e absolutizantes e reconhecer que a unidade é a reunião da multiplicidade e que nessa unidade hibernam todas as formas do real e suas contradições e possibilidades de transformação do concreto, posto que “somente a unidade é capaz de transcender a unidade” (ADORNO, 2009, p. 137).

Segundo Adorno (2009, p.138), à medida que Hegel avança nos níveis dialéticos, ele vai abandonando, mesmo que contra a intelecção intermitente de sua lógica, a responsabilidade com o nível que a antecede, preparando a forma daquilo que ele acusa de negação abstrata, ou seja: “uma positividade abstrata, isto é, ratificada a partir do arbítrio subjetivo.”

A positividade que deveria desenvolver-se, como o próprio Hegel reivindica, a partir do objeto, passa a surgir a partir do método. Portanto, à maneira matemática, mas sem a neutralidade abstrata e objetiva própria do

modo matemático, a lógica hegeliana parte dos dados sensíveis do mundo concreto e avança axiomaticamente para um plano abstrato independente da coisa, de onde necessariamente ela partiu e que só a partir dela pôde ser pensada.

A coisa, necessária ao desencadeamento lógico da dialética passa a ser contingente, acidental e o método deixa de ser meio para se tornar fim. A positividade, derivada teoricamente do método se difundiu pelo mundo como ideologia e da mesma forma se tornou um “real aborto grotesco”, convencendo-se assim de sua falta terrível: a fechitização do positivo em si mesmo (ADORNO, 2009).

No entanto a negação ainda presente mantém sua seriedade no ponto em que não avalisa o ente. A negação da negação não anula esta última, ao contrário e segundo Adorno (2009, p.139):

[...] ela comprova que essa negação não era suficientemente negativa; senão a dialética permanece em verdade indiferente em relação àquilo que foi posto no começo, aquilo por meio do que ela tinha integrado em Hegel, mas ao preço de sua despotencialização. O negado é negativo até desaparecer. Isso cinde decisivamente de Hegel.

Ao que Adorno (2009) acusa de retorno a um pensamento puramente dedutivo, que seria negar mais uma vez a contradição por meio da identidade.

Ainda segundo Adorno (2009, p.139) em sua crítica à positividade resultante da negação da negação, “somente quem desde o início pressupõe a positividade enquanto panconceptualidade pode sustentar que a negação da negação seja a positividade.”

Assim, a negação da negação transforma-se mais uma vez em identidade, como fruto de uma abstração metalógica na qual se transformou a lógica sob o impulso dedutivo da subjetividade. No espaço em que o pensamento transita entre a “intelecção maximamente profunda e a sua deterioração cintila a sentença hegeliana” (ADORNO, 2009, p. 139).

Mesmo a verdade é o positivo enquanto saber que corresponde ao objeto, mas ela só é essa igualdade consigo na medida em que o saber se comportou negativamente em relação ao outro, penetrou no objeto e suspendeu a negação que ele é.

A imposição dedutiva da identidade, enquanto ideia de reconciliação impede a sua afirmação no conceito. Se contra isso colocarmos que a crítica à negação positivada da negação feri o núcleo duro da lógica hegeliana e barra o desenvolvimento da dialética, então, segundo Adorno (2009), fiando- se por fé na autoridade, o movimento dialético não passa da autocompreensão de Hegel. Sem a positivação dos elementos contrários e contraditórios presentes no objeto, através do recurso da negação da negação o edifício lógico de Hegel desmorona.

Na dialética também está subentendido o sujeito, mas ele não é toda a dialética, na medida em que a eliminação da contradição traz consigo e eliminação da dialética se esta tiver a pretensão de se estender à totalidade. É como se a dialética se desprendesse do sistema apesar de surgir nele.

O pensamento, que se deixa perder na identidade, vacila e concorda, sem reflexão, com a suposta indissolubilidade do objeto, erguendo para si um tabu no qual o sujeito deve emudecer e aceitar sob a égide da irracionalidade, ou para dizer melhor, do cientificismo, não tocar naquilo que não lhe é igual, ou desmerecê-lo se não lhe for semelhante, adequando-se irrefletidamente ao conhecimento vigente.

O que há de mais particular ao objeto apresenta-se simultaneamente como exterior a ele, seu fechamento aparente é reflexo do processo identificador, estatizante. É nesse sentido que a insistência da razão que busca a singularidade conduz à sua essência, ao invés de ir à direção do universal que se supõe representá-lo. O ponto de identificação sobrevive sem a negação da negação e mesmo sem apelar à abstração enquanto princípio absoluto, de maneira que não se avança ao conceito superior mais universal, ao contrário esses conceitos surgem em uma multiplicidade de formas, como em uma constelação. Essa multiplicidade, a que Adorno (2009) chama de constelação, ilumina o que há de particular e único no objeto e que é indiferente ou um peso para o processo classificatório.

O referencial para tanto é a linguagem que segundo Adorno (2009, p.141):

Onde ela se apresenta essencialmente enquanto linguagem e se tora apresentação, ela não defini seus conceitos. Ela conquista para eles a sua objetividade por meio da relação na qual ela coloca os conceitos, centrados na coisa. Com isso ela serve â intenção do conceito de expressar totalmente aquilo que é visado.

As constelações só apresentam superficialmente o que o conceito perdeu no interior, ao passo que os conceitos se reúnem em torno do objeto a ser conhecido, eles determinam potencialmente seu interior alcançando por meio do pensamento aquilo que o pensamento necessariamente retira de si. O uso do termo concreto, em Hegel, segundo o qual a coisa em si é a sua conexão, mas não sua essência, registra isso, no entanto, apesar de toda crítica à lógica discursiva, desprezar essa última.

A dialética hegeliana é uma dialética sem linguagem, mesmo que o simples pronunciamento da palavra dialética postule a linguagem, pois como indica Adorno (2009, p.141):

[...] Hegel permaneceu adepto da ciência corrente. Em sentido enfático, ele não precisava da linguagem porque tudo nele, mesmo aquilo que é desprovido da linguagem é opaco, deveria ser espírito e o espírito conexão. Esse pressuposto é irrecuperável.

No entanto, o que não se dissolve em nenhuma conexão concebida previamente transcende, em si mesmo enquanto não-idêntico, seu fechamento. Ele, o não-idêntico, se comunica com aquilo de que o conceito o separava. O não-idêntico só passa despercebido para a exigência da totalidade da identidade, resistindo a sua imposição. Aquilo que no conceito do não-idêntico é indefinível vai além do seu ser-aí particular onde ele não se concentra, senão na polaridade com relação ao conceito mas tendendo na sua direção.

Interiormente, o não-idêntico é relação com aquilo que ele mesmo não pode ser e que não se encaixa na lógica arranjada da identidade. Ele só se exprime na exteriorização e não na sua cristalização engessada, o que,

segundo Adorno, ainda pode ser aprendido com Hegel, “sem fazer concessão aos momentos repressivos de sua doutrina da exteriorização” (ADORNO, 2009. p. 141).

“O objeto abre-se para uma insistência monadológica que é consciência da constelação na qual ele se encontra: a possibilidade de uma imersão no interior necessita desse exterior” (ADORNO, 2009, p.141).

No entanto a universalização da singularidade do não-idêntico se objetiva enquanto história sedimentada. Essa história está presente nele e para além dele. Tomar consciência da constelação na qual o objeto está inserido representa o claro entendimento do que ele é e veio a ser, ao tempo em que a cisão entre o interior e o exterior é condicionada historicamente. Somente através de uma forma de saber que considera o contexto histórico do objeto, com relação a outros objetos, consegue liberar no objeto, suas transformações no decorrer da história.

Conhecer o objeto em sua conjuntura – constelação – é conhecer o processo que ele encerra em si. Enquanto constelação, o pensamento teórico limita o conceito que ele deveria abrir, conduzindo-o nos trilhos do modo matemático a surgir de forma exata, sem arestas e limitado a uma única possibilidade de compreensão: a identidade.

Ao fazer uso da contextualização enquanto método, partindo do objeto e elevando-o forçosamente à identificação, no uso de uma dialética matematizante, ou dito de outra forma, partindo da objetividade para na subjetividade abstrata, fazer o elo com a identidade ou encontrar o conceito, Adorno (2009, p.142) cita o positivismo extremado de Max Weber:

Sem dúvida alguma, ele compreendia os “tipos ideais”, totalmente no sentido de uma teoria do conhecimento subjetivista, como auxiliares para que nos aproximemos do objeto, auxiliares desprovidos eles mesmos de toda subjetividade e remodeláveis uma vez mais à vontade.

De fato o conceito é a lógica que basta ao objeto, no ponto em que, no mínimo, o objeto social se torna falso quando limitado a interdependências no interior do seu domínio, mesmo que essas relações de interdependências

tenham fundado o objeto, e ignora a determinação da coisa pela totalidade – constelação.

No entanto Weber consegue, a despeito da influência da ciência corrente e, segundo Adorno (2009), em sua obra “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, ele recusa o procedimento definitivo do método positivista e vai além exigindo que os conceitos sociológicos sejam

compostos de maneira gradual a partir de seus elementos singulares extraídos da realidade histórica. A compreensão conceitual definitiva não pode se achar por isso no começo, mas precisa estar na conclusão da investigação. (WEBER apud ADORNO, 2009, p. 143).

Embora Adorno esteja a todo o momento ressaltando a insuficiência do conceito e os erros em que a ciência tem incorrido ao postular necessariamente conceitos e definições, Adorno reconhece o valor de um pensamento deliminante enquanto etapas do processo de apreensão e compreensão da realidade mesmo com a singularidade de seus objetos, posto que:

Um pensamento que não se apoderasse da definição em seu desenvolvimento e que não fosse capaz por instantes de fazer a coisa surgir por meio da pregnância linguística com certeza seria tão estéril quanto um pensamento que se satisfaz com definições verbais (ADORNO, 2009, p. 143)

Segundo Adorno (2009), o pensamento weberiano se coloca como uma terceira via entre os polos positivista e idealista, ao passo em que as relações históricas em seus contextos, vistas como constelações, tomam o lugar de uma sistemática cuja ausência lhe foi oportunamente objetada.

Ao transformar categorias, como a identidade e a totalidade, por meio da dialética negativa, as relações entre todas as categorias acabam também por se transformar, por exemplo: se tomarmos os conceitos de essência e aparência, da tradição filosófica, notamos que eles são mantidos, mas que se invertem na tendência de sua direção ao ponto em que a essência não poderá ser mais hipostasiada como um puro ser-em-si espiritual, a essência

passa a ser muito mais aquilo que está sobreposto sob a fachada fenomênica, a pretensão dos fatos, e transforma eles naquilo que realmente são, a lei da fatalidade, ao que até o momento a história tem feito. Isso ocorre inevitavelmente quanto mais ele se oculta nos fatos, deixando-se desmentir por eles de maneira natural.

Essa tal essência na verdade é como uma inessência, uma lógica mundana que reduz os homens a um mero ser biológico que luta apenas pela sua autoconservação, que castra e ameaça suas vidas limitando-as apenas a acreditar que o mundo está aí apenas para satisfazer suas necessidades mais primitivas. Segundo Adorno (2009, p.144) “essa essência também precisa aparecer exatamente como a hegeliana: mascarada em sua própria contradição.”

A essência só pode ser reconhecida junto à contradição do ente com relação aquilo que ele afirma ser. Não obstante, sob a égide da pretensão dos fatos, ela é conceitual e não imediata. No entanto essa conceptualidade não é apenas resultado do sujeito congnoscente, onde esse mesmo sujeito se encontra por fim uma vez mais confirmado. Pelo contrário, ele exprime o fato de que o mundo tal como o concebe, mesmo isso sendo culpa do sujeito, não parecer ser seu mundo, mas, ao contrário, algo hostil. Adorno (2009, p. 145) aponta o idealismo hipertrofiado de Hurssel que:

[...] exatamente por isso permaneceu por tanto tempo desconhecido para si mesmo, a ontologização do espírito puro, favoreceu em seus escritos mais influentes a expressão deformada de um tema anti- idealista, a insuficiência da tese da onipotência do sujeito pensante.

A fenomenologia impede de prescrever leis lá onde o sujeito a elas já está submetido. No entanto, nos idealistas como em Hurssel, todas as mediações são traçadas sob a perspectiva noética, do lado do sujeito, onde ele não consegue conceber o momento da objetividade no conceito, senão como imediatidade única sob a imposição de reproduzir, num ato de violência em termos de teoria do conhecimento, a percepção empírica.

O absoluto no absolutismo lógico se inscreve dentro dos preceitos lógicos da matemática, mas a pretensão de tal absolutização não alcança de

fato o absoluto, na medida em que não estabelece uma relação direta entre o sujeito e o objeto, forçando, para que tal relação aconteça a subjetivação da totalidade. A dialética da essência, enquanto algo que se apresenta quase como a própria essência, mas que por ainda não ser essência, se mostra também como não-essente, não pode ser, no entanto, de maneira alguma dissolvida, como em Hegel, na unidade do espírito considerado como espírito produtor e produzido.

A essência remete à não-identidade do conceito naquilo que não é posto a princípio pelo sujeito, porém ao que ele segue. A separação entre a lógica e a matemática com relação ao lugar em que se encontra o ôntico e sobre o qual repousa a aparência do seu ser-em-si, possui seu aspecto ôntico como repulsa ao próprio ôntico, tal como Hegel teria apresentado. Esse instante ôntico se apresenta nas categorias.

Na absolutização das categorias torna-se impossível percebê-las a si mesmas como algo cindido e condicionado – pois estar cindida é sua própria essência – e acabam por adquirir uma forma de existência, ou existências postuladas pelo sujeito absolutizante.

Segundo Adorno (2009, p.146), Nietzsche, “adversário irredutível da herança teológica na metafísica, ridicularizou a diferença entre essência e aparência, deixando o trasmundo aos homens toscos que se escondem por detrás das florestas”, nesse ponto em comum acordo com o positivismo.

A essência é aquilo que se esconde segundo os ditames da própria inessência, e reivindicar uma essência é comungar com a própria existência da aparência, uma ideologia total na qual a existência se transformou. Identificar toda e qualquer forma fenomênica por desconhecimento de alguma forma de essência, que minimamente permita a diferenciação, a diversificação, entre o verdadeiro e o falso, no sentido em que falso seria postular resultados através de raciocínios falaciosos, impondo conceitos, e verdadeiro no sentido em que a única verdade seria justamente o caminhar contínuo, a dúvida, a insuficiência do conceito ante a diversidade objetiva do real, seria aliar-se à não-verdade, à obtusidade científica tão desprezada pelo próprio Nietzsche.

Como nos afirma Adorno (2009, p.146-147):

A atitude científica remete a decisão sobre o essencial e o inessencial às disciplinas que se ocupam respectivamente com o objeto; para uma pode ser inessencial aquilo que é essencial para outra. Em concordância com isso, Hegel transfere a diferença para um terceiro, que se encontra de início fora do movimento imanente da coisa.

Mas há uma experiência espiritual, que se apresenta falível, embora imediata entre o essencial e o inessencial, uma experiência onde a necessidade científica de ordenamento não pode convencer o sujeito senão pela força. Segundo Adorno (2009, p.147), “onde quer que uma tal experiência não seja feita, o conhecimento permanece imóvel e infrutífero.” Tal experiência se mede por aquilo que ocorre objetivamente aos indivíduos, como a dor, o sofrimento.

Seguindo com Adorno (2009, p.147):

Paralelamente ao nivelamento teórico de essência e aparência, os sujeitos cognoscentes também perdem com certeza subjetivamente, junto com a sua capacidade para o sofrimento e para a felicidade, a faculdade primária de separar o essencial do inessencial sem que saiba aí o que é causa e o que é consequência.

As mentes retraídas pelo positivismo e pelo obscurantismo a que se chamou esclarecimento acabam por preferir manter a certeza daquilo que é irrelevante, a refletir de forma crítica sobre o que é relevante, com o risco de errar. Os “homens toscos”, que se escondem por detrás das árvores da floresta do cientificismo, não se permitem abalar por nenhum trás-mundo, inebriados que estão com o “mundo-da-frente”. A névoa dessa floresta é a ideologia em que incorreu o positivismo, desprezando primeiramente a categoria objetiva da essência, para logo após desprezar o que é propriamente essencial.

A despeito disto o essencial permanece latente na lei universal velada, para surgir no desdobrar do pensamento como o não-idêntico. O que é essencial, mesmo encoberto sob o manto do racionalismo e do positivismo, revela suas formas. O essencial é tão contrário à racionalização do mundo e

das correntes dominantes, ou seja, à inessência que, ainda assim, a supera criticamente.

A relação entre essência e aparência, conceito e objeto, também se modifica na relação subjetiva com os fatos. A experiência do sujeito com o objeto antecede a própria conceituação primária que pode ser fruto do desejo do sujeito. A particularidade do objeto e sua relação com o sujeito servem como ponto de partida para se chegar ao conceito, mas mesmo assim não se subordina a ele. Ela, a particularidade do objeto, se recusa a esfera da experiência primária do sujeito, ela precede a esse ponto. Como Adorno (2009, p.148) nos apresenta:

A supremacia daquilo que é objetivado sobre os sujeitos, uma supremacia que os impede de se tornarem sujeitos, inviabiliza do mesmo modo o conhecimento do elemento objetivo; foi isso que surgiu daquilo que se denominou um dia o “fator subjetivo”.