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Dialética negativa: formação e resistência em Theodor Adorno

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO

SOLON SALES LEMOS

DIALÉTICA NEGATIVA: FORMAÇÃO E RESISTÊNCIA EM THEODOR ADORNO

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SOLON SALES LEMOS

DIALÉTICA NEGATIVA: FORMAÇÃO E RESISTÊNCIA EM THEODOR ADORNO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará – UFC, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Ferreira Chagas.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca de Ciências Humanas

L579d Lemos, Solon Sales.

Dialética negativa : formação e resistência em Theodor Adorno / Solon Sales Lemos – 2013. 93 f. , enc. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação,Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, Fortaleza, 2013.

Área de Concentração: Educação.

Orientação: Prof. Dr. Eduardo Ferreira Chagas.

1.Adorno,Theodor W.,1903-1969 – Crítica e interpretação. 2.Dialética. 3.Indústria cultural. I. Título.

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SOLON SALES LEMOS

DIALÉTICA NEGATIVA: FORMAÇÃO E RESISTÊNCIA EM THEODOR ADORNO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará – FACED/UFC, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Mestre em Educação, outorgado pela Universidade Federal do Ceará.

Dissertação apresentada em: 29 / 07 /2013

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________ Prof. Dr. Eduardo Ferreira Chagas – Orientador

Universidade Federal do Ceará

_____________________________________ Prof. Dr.Hildemar Luis Rech – 1º Examinador

Universidade Federal do Ceará

_____________________________________

Prof.ª Dra. Kátia Regina Rodrigues Lima – 2º Examinador Universidade Estadual do Ceará

____________________________________

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Á Professora Maria Carmen Sales, minha mãe, de quem sigo não apenas os passos, mas em quem encontro forças para seguir em minha caminhada.

Ao meu pai (em memória) Francisco Fábio de Amorim Lemos e o mútuo respeito e admiração que nutrimos um pelo outro e a companhia firme de sempre em nossas noites insones durante seu tratamento de saúde no Hospital do Coração.

Á minha eterna namorada Lisângela Perdigão Coimbra, que em tudo me completa e me inspira.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço este trabalho primeiramente a Deus, que para além de minhas tímidas especulações, tem ordenado o caos dos meus pensamentos.

Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Eduardo Ferreira Chagas, por todo o apoio, carinho e amizade, durante todo este curso e por acreditar nos meus ideais me auxiliando na elaboração de um bom trabalho.

Aos meus pais, Prof.ª Maria Carmen Sales e Francisco Fábio de Amorim Lemos, por tudo que sou e por tudo que fizeram por mim. Serei eternamente grato por seu carinho, atenção, conselhos, paciência e incentivo.

A Dra. Lisangela Perdigão Coimbra, por todos os incentivos, ao apoio incondicional e por sempre estar ao meu lado.

Ao Corpo Docente do Mestrado em Educação da Universidade Federal do Ceará por seus ensinamentos e sua colaboração para que pudéssemos nos tornar profissionais responsáveis, com um conjunto enorme de conhecimentos agregados durante o curso.

Aos meus grandes amigos e familiares que sempre me motivaram e acompanharam os momentos desta fase que estou conquistando na minha vida.

Aos membros da banca de avaliação deste trabalho, pelo aceite e pelas sugestões.

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“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”

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RESUMO

O trabalho que ora desenvolvemos reflete sobre o processo de formação em Theodor Adorno a partir da sua proposta de reformulação do método dialético clássico, transformando-o em uma Dialética Negativa. Partindo do pressuposto de que jamais, em momento algum da história, o homem pôde contar com tantas realizações tecnológicas e científicas e nunca se soube tanto sobre os astros celestes ou o domínio da natureza e que, paralelo a todas essas realizações, nunca houve tanta miséria, em todas as suas dimensões, violência e exploração do homem pelo homem, refletir-se-á, juntamente com Adorno, sobre o verdadeiro papel da razão no presente contexto histórico: se como instrumento a serviço do capitalismo tardio, ou como finalidade do agir humano que busca libertar-se dos grilhões de uma “sociedade administrada”. Na esteira destas reflexões faz-se necessário buscar o lugar que deve, hoje, ocupar a filosofia no entendimento real do que venha a ser o esclarecimento humano como meio para a formação de indivíduos autônomos. O caminho percorrido pela ciência nos trilhos da “razão instrumentalizada” do capitalismo industrial tardio tem reduzido os homens a coisas, de tal forma que, a barbárie dos campos de concentração nazista atesta o horror a que se destina uma sociedade semi-formada, uma vez que, os mecanismos psicológicos e economicamente estruturados que levaram a Aushiwitz, não ficaram para trás, mas resistem hoje sobre outras formas de perseguição e violência, como o racismo, reificação da classe operária e discriminação de minorias etárias, socioeconômicas e religiosas, só para citar algumas. Na busca de superação dessa condição mecanizada e impessoal das sociedades capitalistas atuais, Adorno apresenta como método e contraponto a toda essa estrutura burguesa do capitalismo tardio,

sua Dialética Negativa; na qual por meio de uma razão crítica se reformulará

a trajetória da filosofia ocidental, retomando o instante em que esta se perdeu em conceitos metafísicos e absolutizantes e que agora deve retomar seu curso enquanto conhecimento capaz de possibilitar ao homem a passagem de uma condição heterônoma a uma condição autônoma, através da resistência, da não-identificação ao sistema capitalista tardio.

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ABSTRACT

The following paper tries to reflect on the process of training in Theodor Adorno from his proposal to recast the classic dialectical method, transforming it into a Negative Dialectics. Assuming that never at any time in history, the man may have many scientific and technological achievements and never knew much about the heavenly bodies or the domain of nature and that, in parallel with these achievements, there has never been so much misery in all its dimensions, violence and exploitation of man by man, will be reflected along with Adorno, on the true role of reason in this historical context: as an instrument in the service of late capitalism, or purpose of acting as man who seeks to free themselves from the shackles of an "administered society". Following these discussions it is necessary to seek the place that should today occupy the philosophy in real understanding of what will be the human enlightenment as a means for the formation of autonomous individuals and emancipated. The path taken by science in the tracks of "instrumental reason" of late industrial capitalism has reduced men to things, so that the barbarity of the Nazi concentration camps attests to the horror of a society that is designed semi-formed, since that the psychological mechanisms and economically structured leading to Auschwitz not left behind, but resist today about other forms of harassment and violence, such as racism, reification of the working class and discrimination of minority groups, socio-economic and religious only to name a few. In seeking to overcome this condition mechanized and impersonal, capitalist societies, Adorno presents as a method and an antidote to all this bourgeois structure of late capitalism, his Negative Dialectics, the means by which to reshape the trajectory of Western philosophy, recapturing the moment this was lost in metaphysical concepts and absolutizantes and now must resume its course as knowledge can enable the man to pass a heteronomous condition to a condition unattended through the resistance of non-identification, the late capitalist system.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 2 A CRÍTICA DE ADORNO À EDUCAÇÃO BURGUESA NA SOCIEDADE ADMINISTRADA DO CAPITALISMO INDUSTRIAL TARDIO E O PAPEL DA RAZÃO... 2.1 A educação na sociedade administrada e suas consequências... 2.2 O fracasso da razão: o esclarecimento tornado mito... 2.3 A busca da identidade, a supressão do sujeito e o fim da filosofia... 3 DA DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO À DIALÉTICA NEGATIVA OU DO PROBLEMA À CRÍTICA... 3.1 O esclarecimento tornado mito e sua crítica……… 3.2 A crítica à dialética hegeliana e a constatação da insuficiência do conceito... 3.3 A não-verdade do sujeito transcendental: da revolução copernicana ao primado do objeto... 4 A DIALÉTICA NEGATIVA ENQUANTO MÉTODO: EDUCAÇÃO PARA EMANCIPAÇÃO... 4.1 A semi-formação ocidental e a crise da subjetividade………. 4.2 A ciência social e a compreensão da sociedade administrada e suas contradições: crítica a sociologia positivista de Auguste Comte.... 4.3 Da sociedade semiformada do capitalismo tardio à emancipação: a formação da consciência crítica... 5 CONCLUSÃO... REFERÊNCIAS...

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1 INTRODUÇÃO

O que falta ao homem para fazer uso pleno da razão e libertar-se dos grilhões da ignorância e da antirazão? Instigados por tal questão, investigamos os descaminhos percorridos pela razão ocidental no que concerne a sua proposta de emancipação humana, e que, guiada por teorias metafísicas como o distanciamento platônico e aristotélico na busca pelos universais, no séc. III a. C na Grécia antiga, ou pela exacerbação e busca da salvação do que se chamou “espírito” em detrimento do corpo e suas reais necessidades na Europa cristã medieval, e por fim, pelo ideal burguês que resultou na reificação e adestramento do ser humano, relegando à razão nada mais do que o simples papel de instrumento na produção do capital e legou a educação a indigna tarefa de manutenção da situação vigente, seguimos, a partir do estudo das obras de Theodor W. Adorno, como Dialética do Esclarecimento, Dialética Negativa, Educação e Emancipação e Lições de Sociologia, buscando o lugar que deve ocupar a razão no entendimento humano da realidade concreta e objetiva, e que saída podemos apontar na articulação entre a crítica adorniana ao mito do esclarecimento e a educação de fato.

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verdadeiro papel da razão na busca do que venha a ser o ideal de dignidade e emancipação humana (ADORNO; HORKHEIMER, 1985).

Ao desconstruir a história da razão no ocidente, Adorno e Horkheimer (1985), partindo do berço da civilização e da cultura ocidental na Grécia “homérica”, já identificam o início do ideal burguês, de reificação da consciência da classe operária e da impotência de tal burguês frente às imposições do próprio sistema que parece criar vida própria e subjuga-o também, enquanto só aparentemente torna-o senhor.

Os filósofos frankfurtianos demonstram estar presente na dialética do mito e do esclarecimento na Odisseia de Homero, “um dos mais precoces e representativos testemunhos da civilização burguesa ocidental” que traz à tona os conceitos de sacrifício e renúncia, em que se apresentam tanto a diversidade, quanto a unidade da natureza mítica e do domínio esclarecido da natureza (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 15).

A possibilidade de domínio da natureza, vislumbrada pela proposta de esclarecimento, desde Bacon ao idealismo alemão de Imannuel Kant, não cumpriu a promessa de emancipação humana e fez do próprio esclarecimento um mito.

A razão, que cunhara o conceito de “liberdade” e buscara a autonomia confrontou-se com o conceito de “igualdade” do tripé conceitual da revolução burguesa – igualdade, liberdade e fraternidade - e suprimiu toda forma de “ser” diferente almejada no conceito de autonomia. A igualdade então defendida, impunha a unidade da vontade burguesa sobre a diversidade proclamada pela liberdade democrática. A razão acabara então por se transformar em instrumento a serviço da ciência positiva, reduzindo a multiplicidade das figuras à posição e à ordem, a história ao fato, e as coisas à matéria.

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impessoalidade que possibilitaram às barbáries dos campos de concentração nazi-facistas, a articulação entre a crítica de Adorno a sociedade administrada, a mitificação do esclarecimento e a suas reais possibilidades de transformação da educação na sociedade do capitalismo industrial tardio se fazem urgentes (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 20).

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2 A CRÍTICA DE ADORNO À EDUCAÇÃO BURGUESA NA SOCIEDADE ADMINISTRADA DO CAPITALISMO INDUSTRIAL TARDIO E O PAPEL DA RAZÃO

2.1 A educação na sociedade administrada e suas consequências

A primazia dos fatos erigida pela ciência e pela técnica não cumpriu a promessa de deparar-se com a realidade objetiva e concreta a fim de subjugá-la e findou por reverte-se mais uma vez em mito: agora, o mito dos fatos (ADORNO; HORKHEIMER, 1985).

A partir dos paradigmas da ciência positiva, iniciada com August Comte (1798-1857) e aclamados no século XIX como a tábua de salvação da condição humana de vítima da natureza e que agora se arvorava no direito de sentir-se senhor do universo, a razão tornada instrumento, por imposição do próprio método positivista que em tudo buscava a ordem, o método e o rigor da técnica e da ciência, não cumpriu sua promessa iniciada no Iluminismo que era de conduzir o homem a sua maioridade intelectual.

Ao invés disso, perpetuou a racionalidade mítica que circunscreve o homem num círculo mágico no qual, e para além do qual, nada pode ser pensado sob a pena da maldição lançada pelo feiticeiro; do pecado, lançado pela igreja; ou da ignorância, proferida pelo especialista, e que, por não aceitar a diferença daqueles que não reconhecem a autoridade desses círculos mágicos do plano burguês – muitas vezes por estar inserido em outros círculos, como a religião, o gênero, a cultura de massa, ou mesmo a etnia - conduziu o homem as barbáries dos campos de extermínio nazi-facista da Segunda Guerra Mundial, além de naturalizar a exploração do homem pelo homem, no sistema capitalista tardio.

Segundo Adonro e Horkheimer (1985, p. 37):

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universal servindo para a fabricação de todos os demais instrumentos.

Nesses termos, a racionalidade humana, segundo Adorno, ainda não atingiu o fim a que se destina, qual seja: a emancipação humana de fato.

Para que a razão cumpra seu legítimo papel como meio para a emancipação humana, é preciso pensar na formação dos indivíduos, no sentido de buscar meios e métodos que encontrem na formação, desde os primeiros anos escolares, seu maior e autêntico meio, para a resistência ao plano burguês que reifica e diminui a humanidade na produção e reprodução incansável do grande capital.

Dessa forma, partindo de um modelo de educação para a resistência, Adorno pretende abrir os caminhos para que o projeto de formação humana, com vistas à autonomia, supere a heteronomia, hoje trabalhada e mantida pelo modelo de educação burguês, que visa, clara e unicamente, a formação técnica e científica dos estudantes, para engrossar as fileiras do exército de mão-de-obra para o mercado de trabalho, em detrimento de uma formação que seja constantemente crítica e reflexiva, sobre a realidade sociocultural e econômica que compõe a vida material e social dos indivíduos.

O resultado dessa semiformação, para a heteronomia e a reificação das consciências se evidencia nas barbáries do século XX, sob a forma de guerras, discriminação e desrespeito, que encontra nas palavras de Adorno um foco de resistência: “a exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 119).

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Segunda Guerra Mundial (1939-1945), na Europa do século XX, ou a fome “fabricada” pela “indústria da seca” a exemplo do nordeste brasileiro desde sempre.

Partindo do pressuposto de que a educação, abarcada pela indústria cultural, tem levado a semiformação e que isto resultou no “assassinato administrado de milhões de pessoas inocentes” como aconteceu nos campos de extermínio nazi-faceistas da II Grande Guerra (1939-1945), urge a necessidade de uma reforma nos processos educativos e formativos dos sujeitos que alcance a sociedade de modo mais universal possível (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 31).

A proposta de que se inicie uma mudança através da educação para a resistência ao mundo administrado dos senhores do capital, deve se iniciar logo nos primeiros anos da formação dos alunos na escola e tem como justificativa as evidências factuais de que os elementos presentes antes e durante Auschwitz, verificados hoje, na forma de preconceitos raciais, de gênero, de credo, de condição econômica e de tantas outras, permanecem latentes na cultura ocidental. Como identifica Adorno e Horkheimer (1985, p.29):

O nazismo sobrevive, e continuamos sem saber se o faz apenas como fantasma daquilo que foi tão monstruoso a ponto de não sucumbir à própria morte, ou se a disposição pelo indizível continua presente nos homens bem como nas condições que o cercam.

Para que o horror dos campos de concentração nazista não se repita, Adorno retoma o projeto Kantiano de formação para a autonomia, de superação da sua autoinculpável menoridade, da qual, segundo o próprio Kant, “os homens tem que se libertar” e propõe para além da proposta kantiana o recurso psicanalítico de uma “elaboração do passado” (ADORNO, 1995, p.141).

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[...] a elaboração do passado não significa elaborá-lo a sério, rompendo seu encanto por meio de uma consciência clara. Mas o que se pretende, ao contrário, é encerrar a questão do passado, se possível inclusive riscando-o da memória.

No processo de “elaboração do passado”, como continuidade do desenvolvimento formativo do indivíduo, sem enveredar pelo cientificismo positivista padronizador, o filósofo aponta para a importância do libertar-se, deixando para trás, de uma vez por todas, principalmente, os elementos psicológicos e ideológicos que conduziram ao terror nazista e que persistem ainda hoje, reproduzidos nas profundas desigualdades sociais, tais como a fome e a miséria que violentam de forma implacável a dignidade humana.

Como justificativa para se libertar do passado, Adorno e Horkheimer (1985, p.29) responde que:

O desejo de libertar-se do passado justifica-se: não é possível viver à sua sombra e o terror não tem fim quando culpa e violência precisa ser paga com culpa e violência; e não se justifica porque o passado de que se quer escapar ainda permanece muito vivo.

A existência dos pressupostos sociais e objetivos, que, sob a forma de antissemitismo e imperialismo econômico, geraram o nazi-facismo, como apontam Adorno e Horkheimer (1985, p.43), desvirtuou esta elaboração do passado em “esquecimento vazio e frio”, que encontrou em uma sociedade não emancipada o terreno fértil para sua perpetuação. Elaborar o passado seria não somente uma forma de desvendar os mecanismos psicológicos utilizados pela “grande mídia”, na formação de sujeitos “estranhados” e que levaram a graus tão elevados de selvageria e anti-civilidade que culminaram em Auschwitz, como também levaria o sujeito, agora ciente de sua condição passiva aos imperativos do sistema capitalista, a oferecer resistência à sociedade administrada.

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As etapas para a formação de uma consciência resistente e crítica, no indivíduo que não se permita sujeitar-se aos apelos da sociedade do consumo são divididas por Adorno e Horkheimer (1985, p.165) em dois momentos principais, a saber: a adaptação e a autonomia. Influenciado pelo forte apelo do darwinismo social – embora o próprio Adorno entenda-o como “extraordinariamente perigoso, porque implica, de certa maneira, em reduzir os homens ao estado de seres naturais e meramente adaptáveis” –, imperioso em finais do século XIX e início do século XX.

Adorno reconhece a adaptação enquanto adequação ao meio como fator fundamental e sem o qual não seria possível desenvolver-se, uma vez que, a imposição objetiva da realidade socioeconômica continua a se sobrepor à vontade dos indivíduos, forçando-os a se adaptarem ao meio, sem questionamentos ou mesmo sem uma reflexão crítica da realidade.

Como cita o próprio Adorno e Horkheimer (1985, p.43):

Se as pessoas querem viver, nada lhes resta se não se adaptarem à situação existente, se conformar; precisam abrir mão daquela subjetividade autônoma a que remete a idéia de democracia; conseguem sobreviver apenas na medida em que abdicam seu próprio eu. [...] A necessidade de uma tal adaptação, da identificação com o existente, com o dado, com o poder enquanto tal, gera o potencial totalitário.

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[...] a realidade se tornou tão poderosa que se impõe desde o início aos homens -, de forma que este processo de adaptação seria realizado hoje de um modo antes automático. A educação por meio da família, na medida em que é consciente, por meio da escola, da universidade teria neste momento de conformismo onipresente muito mais a tarefa de fortalecer a resistência do que de fortalecer a adaptação.

No instante em que a tirania do real se impõe ao sujeito, logo a partir dos primeiros anos de vida e que a formação para a autonomia deve assumir o papel central na educação, impedindo a reificação das consciências dos sujeitos pela disseminação das ideologias individualistas do plano burguês que sistematicamente se impõe ao indivíduo nos imperativos publicitários da sociedade de consumo, e que a razão se veja circunscrita nos limites da tecnocracia, as questões de método, enquanto caminho a ser trilhado em busca da autonomia; e da formação, enquanto construção antropológica tornam-se inevitáveis.

Embora a busca por um caminho seguro e eficiente que conduza à passagem de uma condição de heteronomia, onde o sujeito, sem reconhecer a também legítima condição de sujeito do outro, transforma-o em “coisa” e esse sujeito “coisificado”, sem consciência de sua condição, permite tal imposição, a autonomia que aqui almejamos através do estudo sistematizado de algumas obras de Adorno acima relacionadas, busca a ambivalência das consciências críticas possibilitando um conhecimento e reconhecimento do outro como outro em si mesmo. Embora o seu método, a dialética, seja um tema recorrente à filosofia, desde Platão a Hegel, Adorno parte da proposta de uma dialética negativa1 na intenção de alcançar o esclarecimento. Para tanto o filósofo frankfurtiano parte da idéia de esclarecimento2 defendida por

1 Dialética Negativa: método de investigação filosófica proposto por Adorno em sua obra

Dialética Negativa (ADORNO, 2009), que busca a contraposição ao método clássico proposto por Platão e que

se estendeu a toda a tradição ocidental, até Hegel, onde não há o encerramento do desenvolvimento dialético racional e abstrato, entre tese e antítese na busca da síntese conceitual, mas sim a permanência do movimento dialético que avança interminavelmente diante das contradições do objeto concreto, aberto as mudanças e as novas possibilidades.

2Esclarecimento (Aufklärung) significa a saída do homem de sua minoridade, pela qual ele próprio é

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kant para lançar luz sobre a questão.

No texto Resposta a pergunta: Que é esclarecimento? Kant (1784, on line) aponta para as imposições heterônomas do real e seus riscos:

Ouço, agora, porém, de todos os lados: não raciocineis! O oficial diz: não raciocineis, mas exercitai-vos! O financista exclama: não raciocineis, mas pagai! O sacerdote proclama: não raciocineis, mas crede! (Um único senhor no mundo diz: raciocinai, tanto quanto quiserdes, e sobre o que quiserdes, mas obedecei!) Eis aqui por toda parte a limitação da liberdade.

A força com que a realidade objetiva tem se colocado no plano burguês e as nuances de suas formas, ora sedutoras, como numa tela de cinema, ora violentas, como em regimes totalitários, devem ser combatidas com consciências críticas de formação consistente capazes de impor resistência ao capitalismo industrial tardio que podem encontrar na educação, com base na filosofia, um adversário a altura.

A relevância do ensino de filosofia, por exemplo, e a busca do seu método se insere no sentido de ela estar para além de uma disciplina específica, formando intelectuais capazes de pensar por si mesmos, desenvolvendo a possibilidade de visualização do todo sistêmico que estrutura a sociedade no capitalismo tardio e entende seus mecanismos de funcionamento. Como explicitam Adorno e Horkheimer (1985, p.55-56):

[...] se alguém é ou não um intelectual, esta conclusão se manifesta, sobretudo na relação com seu próprio trabalho e com o todo social de que esta relação forma uma parcela. Aliás, é essa relação, e não a ocupação com disciplinas específicas, tais como teoria do conhecimento, ética ou até mesmo história da filosofia, que constitui a essência da filosofia.

Na perspectiva adorniana, a Filosofia deve chamar para si a responsabilidade que lhe foi subtraída em tempos de sacralização da ciência e seus especialistas, a fim de se constituir como área do conhecimento capaz de sistematizar de modo universal os conhecimentos, concedendo-lhe a

1784) Adorno e Horkheimer retomam o termo esclarecimento utilizado por Kant para, a partir daí,

demonstrar que o homem ainda não é de fato esclarecido, mas que ao contrário o próprio

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devida importância e responsabilidade na organização do todo teórico que se reverte em uma práxis transformadora através da resistência consciente ao sistema socioeconômico vigente.

Adorno e Horkheimer (1985, p.55-56) deixam claro o papel que a filosofia deve ocupar ao afirmar que:

O conceito enfático de filosofia que o movimento do idealismo alemão almejava quando se encontrava em conformidade com o espírito da época não acrescentava a filosofia como uma disciplina a mais às ciências, mas procurava-a na autoconscientização viva do espírito. Mas, na medida em que o processo da especialização que reduziu essa ideia de filosofia à mera frase de efeito em discurso dominical, é considerado efetivamente como algo ruim, como expressão da reificação (Verdinglichung) do espírito, experimentada

pelo mesmo com a sociedade mercantil progressivamente reificada, então a filosofia pode ser lida como sendo o potencial de resistência por meio do próprio pensamento que o indivíduo opõe à apropriação parva de conhecimentos, inclusive as chamadas filosofias profissionais.

Um modelo educacional, para uma formação crítica, que agregue de forma séria e comprometida o ensino de filosofia, no sentido de sistematização e reflexão sobre a totalidade objetiva do real, tende a levar o sujeito ao desenvolvimento de uma consciência autônoma. Nas palavras de Adorno e Horkheimer (1985, p.125): “O único poder efetivo contra o princípio de Auschwitz seria autonomia, para usar uma expressão kantiana; o poder para a reflexão, a autodeterminação, a não-participação.”

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Educação para a experiência é o mesmo que educação para emancipação3; esta experiência deve colocar-se acima das simples formas de

adequação ao real. Deve ser uma educação para experiência no sentido de o formando colocar-se no lugar do outro, vivendo, mesmo que de forma abstrata, a sua dor e a sua alegria; deve ser uma experiência que forma. Adorno e Horkheimer (1985, p.151) afirma que “pensar é o mesmo que fazer experiências intelectuais” e estas se convertem na elaboração do vivido e do que pode vir a ser, possibilitando, portanto, a não-adaptação à pressão do mundo administrado.

É na resistência à sociedade administrada, por meio da negação, que reside o método educativo em Adorno como meio para a emancipação humana. Uma vez emancipado, o indivíduo poderá, por força da consciência crítica, resistir ao processo semiformativo imposto pela indústria cultural.

O processo dialético, como meio para se elevar da mera adaptação ao conceito, já há muito exercitado, desde os gregos ao idealismo alemão de Hegel encontra em Adorno uma nova abordagem. Esse tipo de dialética sem síntese, que se desenrola justamente na contramão dos sistemas fechados que buscam as sínteses e conclusões da ratio, coincide com um pensamento respeitoso dos direitos do “particular” e do “diverso”, longe do projeto burguês de nivelamento das consciências, e se configura como uma filosofia contestadora do existente e que se confronta com o objeto em sua particularidade sem desprezá-lo ou supra-sumilo. O filósofo frankfurtiano batiza seu método de dialética negativa. Como dialética, Adorno (2009, p.13) entende a “consciência consequente da não-identidade. Ela não assume antecipadamente um ponto de vista”, tal dialética é contradição, é movimento.

Segundo Adorno (2009, p.12):

[...] a dialética não deve emudecer diante [...] da repreensão com ela conectada referente à sua superfluidade, à arbitrariedade de um método aplicado de fora. Seu nome não diz inicialmente senão que os objetos não se dissolvem em seus conceitos, que esses

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conceitos entram por fim em contradição com a norma tradicional da adaequatio.

A partir do método da não-identificação, Adorno pretende opor-se e fazer opor os sujeitos esclarecidos à sociedade dada, sem, no entanto, refugiar-se através de seu método em filosofias prontas, ontologias fundantes ou conceitos vazios.

A Filosofia ocidental, segundo Adorno (2009, p.11), não conseguiu “cumprir a promessa de coincidir com a realidade ou ao menos de permanecer imediatamente diante de sua produção”, dessa forma “se viu obrigada a criticar a si mesma sem piedade.”

A Filosofia da maneira como está, reduzida a uma ciência particular, por imposição das próprias ciências particulares, não dá conta da realidade e muito menos é capaz de transformá-la. Como nos inquire Adorno (2009, p.12), “seria necessário perguntar se e como, depois do colapso da filosofia hegeliana, ela ainda é efetivamente possível, tal como Kant investigou a possibilidade da metafísica depois da crítica ao racionalismo.”

A ação de negar, a contradição, a não-adequação, é o método, o meio proposto por Adorno para que a filosofia retome o seu lugar e a sua relevância, especialmente no tocante a sua contribuição à formação humana, em uma sociedade que se encontra desmedidamente dilatada e que, por meio dessa ação de negar, conduzir-se-á o indivíduo à sua maioridade. A contradição, segundo o próprio Adorno (2009, p.12):

[...] não se confunde com aquilo em que o idealismo absoluto de Hegel precisou inevitavelmente transfigurá-la: ela não é nenhuma essência heraclítica. Ela é o indício da não-verdade da identidade, da dissolução sem resíduos daquilo que é concebido no conceito.

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negando traz à tona o novo. Como o próprio Adorno e Horkheimer (1985, p.12) expõem:

Nenhuma teoria escapa mais ao mercado: cada uma é oferecida como possível dentre as opiniões concorrentes, tudo pode ser escolhido, tudo é absorvido. Ainda que o pensamento não possa colocar antolhos para defender-se; ainda que a convicção honesta de que a própria teoria está isenta desse destino certamente acabe por se degenerar em uma alto-exaltação [...].

A resistência à força da adequação, a capacidade de não se identificar com o que é imposto pela sociedade burguesa, negando assim qualquer possibilidade de sistematização, de esquemas, e, portanto, de finitude que reside na ilusão do conceito, é o único télos que resta à filosofia e, consequentemente, à educação; e não por isso a sua menor tarefa diante de uma civilização semi-formada, que perpetua de diversas formas o terror dos campos de concentração nazistas.

Adorno considera que, depois de Auschwitz, a função da filosofia já não é justificar, mas sim criticar e incomodar, em virtude de um ideal de integridade humana, uma vez que o poder manifestado de várias formas, como as ditaduras na América do Sul, a opressão dos capitalistas sobre a classe operária por todo o mundo, está em todos os lugares e sendo assim, todo gesto de resistência, por menor que seja, atua no sentido da libertação humana.

A formação de sujeitos autônomos que possam, por si mesmos, negar a mediocridade de uma padronização oriunda de um mundo administrado, que consome tal qual um buraco negro, a si próprio, só será possível em Adorno através do antissistema, da não aceitação da condição de seres humanos estranhos a si mesmos e a tudo que ele mesmo produz.

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significado do trabalho, a relação trabalho-consumo, ou seja, trabalho para consumir e se consumo, logo existo, perenizam de forma clara os pressupostos que conduziram a Auschwitz.

A supressão da diversidade que surge do nivelamento econômico burguês, travestida sob o signo da isonomia, não condiz com a desigualdade de oportunidades do plano individualista do sistema capitalista que falseia a noção de liberdade, colocando toda a sociedade sob uma única perspectiva, qual seja: a de que o trabalho – restrito unicamente a produção e reprodução do capital – dignifica o homem. Nas palavras de Adorno e Horkheimer (1985, p.36):

O trabalho social de todo indivíduo está mediatizado pelo princípio do eu na economia burguesa; a um ele deve restituir o capital aumentado, a outro a força para um excedente de trabalho. Mas quanto mais o processo de auto-conservação é assegurado pela divisão burguesa do trabalho, tanto mais ele força a auto-alienação dos indivíduos, que têm de se formar no corpo e na alma segundo a aparelhagem técnica.

Dessa forma, o modelo de educação burguesa, pautado fundamentalmente na instrumentalização técnica das massas, tem conduzido, de geração em geração, os indivíduos a uma sociedade administrada que de maneira nenhuma tem formado, educado ou ao menos civilizado os jovens, quer frequentem as escolas e universidades ou não. Tal fato se torna claro na verificação do aumento da violência em países desenvolvidos ou subdesenvolvidos, do plano capitalista dos séculos XX e XXI.

2.2 O fracasso da razão: o esclarecimento tornado mito

O que nos propuséramos era, de fato, nada menos do que descobrir porque a humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está se afundando em nova espécie de barbárie (ADORNO; HORKHEIMER, 1985).

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uma vez que a “sua meta era dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.17).

Adorno e Horkheimer (1985) irão remontar aos tempos e aos poemas de Homero, indo até ao período do pós-segunda guerra mundial para tentar entender onde e como se perdeu a razão no seu caminho para o esclarecimento humano.

No percurso teórico e histórico traçado pelos frankfurtianos, já é possível identificar - como nos apontam Adorno e Horkheimer (1985, p.38) - nos mitos do poeta grego Homero, a gênese do processo de reificação humana denunciados pelo poeta no duodécimo canto da Odisséia, no qual se encontra o “entrelaçamento de mito, dominação e trabalho.”

Segundo os frankfurtianos, para se defender do prazer do canto das sereias – ceder ao prazer seria retornar ao estado natural, isto é, a irracionalidade – na luta contra a autodestruição e na busca da autoconservação – o que seria racional-. Ulisses reconhece duas possibilidades, como afirmam Adorno e Horkheimer (1985, p.40):

Uma é a que ele prescreve aos companheiros. Ele tapa seus ouvidos com cera e obriga-os a remar com todas as forças de seus músculos. Quem quiser vencer a provação não deve dar ouvidos ao chamado sedutor do irrecuperável e só o alcançará se conseguir não ouvi-lo. [...] Alertas e concentrados, os trabalhadores têm de olhar para frente e esquecer o que foi posto de lado. A tendência que impele à distração, eles têm de se encarniçar em sublimá-la num esforço suplementar. É assim que se tornam práticos. A outra possibilidade é a escolhida por Ulisses, o senhor de terras que faz os outros trabalharem por ele. Ele escuta, mas amarrado impotente ao mastro, e quanto maior se torna a sedução, tanto mais fortemente ele se deixa atar, exatamente como, muito depois, os burgueses, que recusavam a si mesmos a felicidade com tanto maior obstinação quanto mais acessível ela se tornava com o aumento do seu poderio.

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preso à sua condição, reféns do próprio instrumento de sua liberdade, a razão, como citam Adorno e Horkheimer (1985, p.41): presos “a maldição do progresso irrefreável que se reverte em uma irrefreável regressão.”

A razão desta forma colocada, na verdade esquecida, em função do progresso positivista, torna-se estéril, na matematização do pensamento, na velocidade das máquinas e por fim na organização social dos homens, esquecidos deles mesmos. Ao condenar e limitar tudo que é único e individual, “ele (o esclarecimento) permitiu que o todo não compreendido se voltasse enquanto dominação das coisas, contra o ser e a consciência dos homens” levando o esclarecimento a converter-se ao serviço da completa mistificação das massas (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.45).

As massas submersas nos mitos, de Homero ao cristianismo, estendendo-se ao que se chamou esclarecimento, identificam-se com estes naquilo que lhes é mais singular, o sacrifício. Da passividade de Ulisses ao deixar-se amarrar conscientemente ao mastro da embarcação para não ceder ao “canto das sereias”, à renúncia de Cristo à vida, quando da crucificação deste, indo à reificação das massas na sociedade administrada do capitalismo industrial tardio, a cultura ocidental tem caminhado de forma unilateral na tentativa bem-sucedida de escravizar as massas.

De outra feita, em outra cultura, que não a cristã ocidental - iniciado, como já dito, nos poemas de Homero - o capitalismo não teria quiçá os desdobramentos progressivos que verificamos hoje, posto que a intersecção entre o sistema capitalista e a religião cristã se dá justamente no ponto a que chamamos sacrifício. Não há nada de mais valoroso no homem “racional” homérico, no bom cristão medieval, ou no operário dedicado, do que o sacrifício. Abandonar-se, esquecer-se em sacrifício em nome da unidade é a palavra de ordem para o progresso.

Segundo Adorno e Horkheimer (1985, p.53):

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racionalidade civilizatória, é a célula da proliferação da irracionalidade mítica.

Eis a gênese da ratio burguesa e dos seus heróis: essa antirrazão que está desenvolvida de maneira prototípica no herói que se furta ao sacrifício, sacrificando-se. Não se pode ter o todo; temos sempre que ter esperança, ter paciência e abdicar.

A renúncia individual e solitária do herói, exemplo maior para o futuro burguês, já é o modelo antevisto do homem capitalista. Segundo os frankfurtinaos a própria mensagem contida na Odisséia retorna, mais uma vez, nas robinsonadas:

O solitário astucioso já é o homo oeconomicus, ao qual se

assemelham todos os seres racionais: por isso a Odisséia já é uma robinsonada. Os dois náufragos prototípicos fazem de sua fraqueza – a fraqueza do indivíduo que se separa da coletividade – sua força social. [...] O desamparo de Ulisses diante da fúria do mar já soa como a legitimação do viajante que se enriquece à custa do navio. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.58- 59).

Adorno e Horkheimer (1985, p.59) ainda acrescentam:

Ulisses e Robinson têm ambos a ver com a totalidade: aquele a percorre, este a produz. Ambos só a realizam em total separação de todos os demais homens. Estes só vêm ao encontro dos dois em uma feição alienada, como inimigos ou como pontos de apoio, sempre como instrumentos, como coisas.

Assim, por meio da exemplificação dos heróis trágicos e da reificação da consciência ao longo da história ocidental, forma-se a sociedade administrada, do capitalismo industrial tardio, fruto da indústria cultural, cujo esquema já vinha sendo apontado e erigido desde os tempos homéricos, como acima foi demonstrado.

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Um novo mito surge, o mito da razão, do esclarecimento, ladeado pelos objetos do consumo fetichizados. O consumo é divinizado e agora o único deus a quem se presta sacrifício é o capital e o exército de mão-de-obra hipnotizado, são os consumidores fiéis aos apelos do consumo em massa. A superestrutura, como mecanismo de controle do grande capital, mantém o corpo e a alma dos trabalhadores e pequenos burgueses presos ao que lhes são oferecidos. O tecnicismo dos modos de produção se estende para além do ambiente de trabalho e como afirmam Adorno e Horkheimer (1985, p.113):

[...] a mecanização atingi um tal poderio sobre a pessoa em seu lazer e a sua felicidade, ela determina tão profundamente a fabricação das mercadorias destinadas à diversão, que esta pessoa não pode mais perceber outra coisa senão as cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho.

Dedicamos a vida ao capital, seja para produzi-lo, num primeiro momento, seja para consumi-lo, no instante seguinte. Vivemos por ele e para ele de tal forma que, tudo em nossos pensamentos e ações refletem, mecanicamente, as ordens aos espectadores enviadas pelos veículos da indústria cultural.

O recurso mimético que outrora serviu ao homem primitivo para tornar suportável a sua relação com a natureza e que se desdobrou mais tarde na tentativa de dominação da mesma, servindo-se da razão positivista, hoje se volta contra o próprio homem, manipulado pelos recursos semióticos da indústria cinematográfica, a serviço do capitalismo industrial tardio.

Não há mais cronnos para devorar os próprios filhos, o tempo agora serve ao ritmo de produção das fábricas. O mito prevalece, os deuses desceram a terra e agora rangem frente aos homens e esbravejam na forma de máquinas.

2.3 A busca da identidade, a supressão do sujeito e o fim da filosofia

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identificação, que tem negado a particularidade e a multiplicidade da riqueza de possibilidades do entendimento humano e tem diminuído os homens a meras peças na engrenagem do sistema capitalista tardio, só virá quando, de fato, “pensar for negar, resistir ao que lhe é imposto” delegando ao objeto algo mais do que a simples identificação e exemplificação do conceito (ADORNO, 2009, p. 25).

Segundo Adorno (1995, p.44):

[...] entregar-se ao objeto equivale a fazer justiça a seus momentos qualitativos. A objetivação científica, em acordo com a tendência à quantificação intrínseca a toda ciência desde Descartes, tende a excluir as qualidades, transformando-as em determinações mensuráveis. Em uma medida crescente a racionalidade é equiparada a more mathematico (uso matemático) à faculdade de

quantificação.

Resistir aos conceitos e métodos quantitativos de padronização positivista é também negar a síntese totalizante da ratio burguesa que de acordo com Adorno (1995, p.44):

[...] é efetivamente cega, porquanto se fecha contra os momentos qualitativos enquanto algo que precisa ser por sua vez pensado racionalmente. A ratio não é meramente síntese, harmonização,

ascensão a partir de fenômenos dispersos em direção ao seu conceito genérico. Ela exige, do mesmo modo, a capacidade de diferenciação.

A razão instrumentalizada, circunscrita no modelo dialético clássico que, como dito anteriormente, tende inevitavelmente a absolutização e universalização, cerceia as possibilidades do sujeito, no que toque a sua percepção do todo em suas particularidades, desprezando suas experiências individuais na tentativa de compreensão do todo no contexto em que este se encerra. O primado do objeto, tanto na relação com a consciência individual, como na unidade das experiências do sujeito tornado indivíduo, também alcança o universal e é plenamente capaz de obter uma visão clara do real.

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O indivíduo isolado que não é levado em conta pela ordem pode perceber de tempos em tempos a objetividade de maneira menos turva do que um coletivo que não é, de mais a mais, senão a ideologia de seus comitês.

Afirmando ser o indivíduo capaz de transpor os obstáculos impostos pela realidade concreta da sociedade de consumo e ideologias políticas, alcançar sua autonomia fazendo frente às ideologias do sistema capitalista tardio, Adorno (1995m p.45) critica Bertold Brecht quando esse afirma “que o partido possui mil olhos, enquanto o indivíduo só possui dois”, colocando que:

A imaginação exata de um dissidente pode ver mais do que mil olhos nos quais se colocaram os óculos rosa da unidade, de modo que aquilo que eles olham é confundido com a universalidade do verdadeiro e regredido. A isso se opõe a individuação do conhecimento. (ADORNO, 1995, p.47)

Na crítica que Adorno desenvolve sobre a cultura europeia matematizante, padronizadora e positivista, segundo ele, castradora, por almejar inevitavelmente uma síntese - dentro de uma perspectiva comteana, buscando sempre a eliminação dos elementos contraditórios em função da ordem - uma harmonização, um conceito, suprimindo a diversidade dos objetos que compõe a realidade, seja ela, cultural, socioeconômica ou teórica, desde o idealismo alemão de Kant, Fichte, Scheling, ou absoluto hegeliano e a ontologia fundante de Heidegger, o filósofo frankfurtiano irá, no uso próprio do método heideggeriano, desvelar, a partir de uma desconstrução do pensamento ocidental, partindo de Homero no mito grego de Ulysses, a intangibilidade e inatacabilidade do plano burguês à ontologia alemã, em especial a heideggeriana, que tem desmerecido a objetividade e a riqueza residente nas contradições da realidade concreta ao longo da história. Segundo Adorno, aquele que se recusasse a segui-la tornar-se-ia suspeito como um apátrida espiritual, sem a terra natal no ser (ADORNO, 1995).

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“saber do absoluto” hegeliano, fogem à reflexão crítica da realidade concreta e suas contradições, posto que a diversidade dos objetos não passam de contingências e anomalias que escapam ao conceito e, portanto, não se encaixam na lógica dialética dos seus sistemas herméticos.

Perdendo-se assim em abstrações construídas a partir de si mesmas, sem considerar o único e legítimo papel que resta a filosofia, enquanto formadora de uma consciência crítica e reflexiva - depois do colapso da filosofia hegeliana - cabe a ela a tarefa de deparar-se diante das particularidades do real e suas contradições, a fim de pensá-las, transformá-las e até ressignificá-transformá-las. A filosofia tornou-se estranha a si mesma e estéril frente às idiossincrasias da realidade objetiva que não se encaixam nas suas estruturas totalizantes, posto que “nada pode ficar de fora, porque a simples ideia do ‘fora’ é a verdadeira fonte da angústia” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 26).

Segundo Adorno (2009), a filosofia como atividade reflexiva do pensamento não pode se comportar de modo matemático, como se elaborasse questões já esperando por soluções. Como afirma Adorno:

Termos como problema e solução soam falsos na filosofia porque postulam a independência do pensado em relação ao pensamento precisamente lá onde pensamento e pensado são mediados reciprocamente. Só se deixa compreender propriamente em termos filosóficos aquilo que é verdadeiro. (ADORNO, 2009, p. 61).

Ainda segundo Adorno (2009, p.61):

[...] na filosofia, a autêntica questão quase sempre encerra, em certa medida, sua resposta. Ela não conhece como é o caso da pesquisa, uma relação consecutiva de “antes e depois” entre a pergunta e a resposta. [...] Suas respostas não são dadas, feitas, geradas: nelas reaparece a questão desdobrada, transparente.

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De acordo com Adorno (2009, p.62), “apesar de acentuar a crítica ao juízo analítico até a sua falsidade, tudo em Hegel é juízo analítico. [...] O fato de o novo e outro ser uma vez mais o antigo e conhecido é um momento da dialética.”

O modelo dialético clássico de Platão a Hegel, como demonstrado anteriormente, apartado da realidade objetiva e concreta e preso a conceitos constituídos a partir de uma lógica formal abstrata, é minado por transformações reais de produção e reprodução da vida social. Mesmo Kant, segundo Adorno (2009), ao superar a polaridade sujeito-objeto, naquilo que a história da filosofia convencionou como “revolução copernicana” com o seu “a priori”, não conseguiu desvencilhar-se da ontologia. O “imperativo categórico” kantiano transforma-se num fundamento axiomático sobre o qual se erige todo um sistema filosófico que desconsidera as contingências particulares e menospreza a riqueza das experiências individuais vividas pelo sujeito na relação direta com o objeto.

Para não cair na mesma cilada em que Kant se encontrou com a virada em direção ao sujeito, que o conduziu ao “idealismo” e levou Hegel ao “absoluto”, Heidegger, na sua ontologia, postula o “ser” distinguindo “cuidadosamente a sua versão da ontologia daquela do objetivismo e a sua postura anti-idealista daquela do realismo, seja crítico, seja ingênuo” (ADORNO, 2009, p. 64).

O paradigma antropocêntrico que resulta desses modelos, acima estabelecidos, tem de positivo o reconhecimento da conduta irracional e egocêntrica traçada até o momento, que tem levado o homem a uma semi-formação, tornando “possível medir pela primeira vez a sua insignificância em comparação com o inalcançável” (ADORNO, 2009, p. 65).

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3 DA DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO À DIALÉTICA NEGATIVA OU, DO PROBLEMA À CRÍTICA

3.1 O esclarecimento tornado mito e sua crítica

A falsa proposição de que havíamos alcançado a emancipação humana de uma vez por todas através da razão esclarecida caiu por terra tão logo que se evidenciaram os horrores de duas guerras mundiais seguidas e a incapacidade de seus técnicos e cientistas de lidarem com as questões sociais inerentes a época e ao contexto em que o homem se inseria, a saber: suas condições materiais de existência, a justiça, a dignidade e a formação humana.

O tão propalado esclarecimento apresentou seus limites. Os cálculos matemáticos sobre os quais foi erigido o pensamento ocidental não levaram em consideração todas as variáveis que o projeto exigia. As contingências que não cabiam no conceito enfim se apresentaram. O antissemitismo foi, talvez, a mais clara e objetiva dessas contingências. Adorno e Horkheimer (1985, p.140) apresentam a questão da seguinte forma:

O entrelaçamento dialético do esclarecimento e da dominação, a dupla relação de progresso com a crueldade e a liberação que os judeus tiveram que provar nos grandes esclarecedores bem como nos movimentos populares democráticos, também se mostra no ser dos próprios assimilados.

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No entanto, segundo Adorno (2009, p.120), a convivência possível entre os homens e porque não dizer entre os contrários e contraditórios ainda se fazia possível até Kant:

A concepção kantiana ainda permitia dicotomias como a dicotomia entre forma e conteúdo, sujeito e objeto, sem que a mediação mútua dos pares contraditórios a confundisse; ela não leva em conta sua essência dialética, a contradição enquanto implicada em seu sentido.

E, ainda segundo Adorno (2009, p.122):

[...] na medida em que o sujeito e objeto não se encontram, como no esboço fundamental kantiano, em verdade firmemente contrapostos, mas se interpenetram reciprocamente, a degradação kantiana da coisa em algo caoticamente abstrato também afeta a força que deve formar o sujeito.

Ou seja, mesmo que haja – e de fato há, como é colocado pelo próprio Imannuel Kant em suas categorias a priori e a posteriori – a clara distinção entre sujeito e objeto, em Kant, o sujeito acaba por ser determinado pela força da abstração a que é elevado a forçosamente se tornar universal, perdendo assim, o sujeito, sua singularidade em função da necessidade de ser um sujeito transcedental, visto e aceito como universal, formal e abstrato, ainda como referência; ou posto de outra forma, como conceito. A filosofia kantiana é sim verdadeira, segundo Adorno, “na medida em que destrói a ilusão do saber imediato do absoluto; não-verdadeira, uma vez que descreve esse absoluto segundo um modelo” (ADORNO, 2009, p.123).

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O estado de coisas não pode ser explicado segundo uma lógica hierárquica vinda de fora e que não reconheça as suas idiossincrasias, senão “ela suporia a ausência de contradição, o princípio subjetivo do pensamento, enquanto inerente ao que precisa ser pensado, o objeto” (ADORNO, 2009, p.123).

O pensamento não precisa estar inevitavelmente preso a sua “armadura”, a logicidade, ao desencadeamento lógico-fatalista de sempre; a subjetividade pressupõe o algo fático e a objetividade, por sua vez, pressupõe o sujeito. “A dialética é, enquanto modo de procedimento filosófico, a tentativa de destrinçar os nós do paradoxo com o meio antiquíssimo do esclarecimento, a astúcia” (ADORNO, 2009, p. 124).

A razão enquanto dialética segue indo além de sua conexão natural e ofuscante que prossegue na compulsão subjetiva das regras lógicas sem lhe impor sua dominação, sem vencedores ou vencidos. Da mesma forma que a dialética não pode ser estendida até a natureza enquanto causa primeira e universal de explicação, não se deve também erigir, uma ao lado da outra, os dois tipos de verdade, quais sejam: uma dialética intrassocial e outra dialética que lhe seja indiferente. O corte feito pela divisão das ciências entre ser social e ser extrassocial ofusca e engana quanto ao fato de que a história heterônoma é a cegueira natural que se pereniza.

Segundo Adorno (2009, p.124):

Nada conduz para fora da conexão dialética imanente senão ela mesma. A dialética medita sobre essa conexão de maneira crítica, reflete seu próprio movimento; senão o título de Kant contra Hegel permaneceria não-prescrito.

Uma tal dialética é negativa. Sua idéia denomina a diferença de Hegel. Junto a Hegel, coincidiam identidade e positividade; a inclusão de todo não-idêntico e objetivo na subjetividade elevada e ampliada até o espírito absoluto deveria empreender a reconciliação.

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A violência intrínseca a ação de igualar reproduz a contradição que ele elimina. A exigência da identidade entre a prática e a teoria rebaixou inevitavelmente a teoria até torná-la submissa; ela eliminou da teoria aquilo que podia realizar numa tal unidade. A utilização prática e também imediata de toda teoria acabou por transformar-se em um selo de censura. O fim da teoria, por meio da dogmatização e da proibição do pensamento, contribuiu para uma má prática e se faz urgente e necessário para a própria prática que a teoria reconquiste sua independência.

A relação entre esses dois momentos, teoria e prática, não se resolve de uma vez por todas e se eterniza, ao contrário, ela se desdobra e se altera ao longo da história. A ciência, por exemplo, que tem se apoiado indiscriminadamente na prática, rejeitando como inútil qualquer tentativa de teorização e reflexão sobre si mesma ou mesmo sobre sua práxis, necessita da teoria se quiser transformar e avançar em sua prática.

A prática cega, sem a orientação da reflexão teórica, não considera as particularidades e diferenças que compõem a realidade social dos sujeitos envolvidos, mesmo quando esses indivíduos são atingidos diretamente, o que nos leva a pensar nas catastróficas consequências àqueles que também são atingidos de forma indireta, mas que distantes ou de menor importância, não são levados em conta nos cálculos exatos da prática científica.

Como exemplo, temos a condenação dos judeus, sem oportunidade de defesa, na Alemanha nazista e é por isso que, segundo Adorno (2009, p.126): “É preciso refletir novamente de maneira teórica, ao invés de deixar que o pensamento se curve irracionalmente ao primado da prática irrefletida. A própria prática foi um conceito eminentemente teórico.”

Teoria e prática, bem como forma e conteúdo, ou pensar e agir, são indissociáveis; não há como separar ou pensar um sem o outro e não cair em abstrações puramente formais e vazias.

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Crítico da cisão kantiana entre forma e conteúdo, Hegel queria alcançar uma filosofia sem uma forma separável, sem um método a ser manipulado independentemente da coisa. No entanto ele procedeu metodicamente. De fato, a dialética não é nem apenas método, nem algo real no sentido ingênuo do termo. Ela não é nenhum método: pois a coisa não-reconciliada, à qual falta exatamente essa identidade que é substituída pelo pensamento, é plena de contradições e se opõe a toda tentativa de interpretá-la de maneira unívoca.

Não se pode esquecer que é o objeto que intriga o pensamento e provoca a dialética impulsionando o conhecimento. A dialética não pode mais estar limitada a uma imposição que venha do pensamento e desmereça o objeto e suas contradições.

Ainda segundo Adorno (2009, p.127) “a dialética enquanto procedimento significa pensar em contradição em virtude e contra a contradição uma vez experimentada na coisa. Contradição na realidade, ela é contradição contra essa última.” Uma dialética dessa forma não se deixa mais concordar com Hegel.

O movimento de tal dialética não caminha para a identidade na diversidade de cada objeto na relação com seu conceito, ao contrário, ela vê com suspeita toda pretensão à identidade. Sua lógica é uma lógica que distingui e separa em contraposição a velha lógica que identifica e padroniza empobrecendo e falseando a realidade concreta e cada objeto. Toda afirmação que se apresente sem um elemento contraditório revela tanta contradição quanto os modelos ontológicos ser e existência. O que poderia ser diverso ainda não se apresentou afetando assim todas as determinações particulares e o poder de tal negatividade continua latente ainda hoje.

Adorno (2009, p.127) deixa claro o papel estanque da filosofia positiva frente à força da negatividade dialética da seguinte maneira:

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Apesar disso, a crítica ao idealismo alemão não elimina o que a construção conquistou de objetividade e clareza a partir do conceito, nem aquilo que a condução dos conceitos adquiriu em força graças ao método. Só é possível ir além do encantamento idealista aquilo que ainda está inscrito em seu contexto, aquilo que lhe é familiar em meio a sua co-realização oriunda do próprio procedimento dedutivo e que demonstra ao final, no próprio conceito, o seu elemento apartado, não-idêntico.

Segundo Adorno (2009, p.127) “a identidade pura é aquilo que é posicionado pelo sujeito, e, nessa medida, algo trazido de fora.” Em outras palavras, a identidade que se pretende alcançar através do idealismo dialético puramente abstrato leva a conceitos que, de uma maneira ou de outra, são sempre incluídos de fora. Não é o método dialético puro que conduz ao conceito, mas é o sujeito que vai impondo o conceito.

Adorno (2009, p.128) apresenta a questão da seguinte forma:

A crítica recíproca de universal e particular, os atos identificadores que julgam se o conceito faz justiça àquilo que é apreendido e se o particular também preenche seu conceito, é o meio do pensamento da não-idêntidade entre o particular e o conceito. E não apenas o meio do pensamento.

Podemos citar como exemplo o seguinte trecho de Adorno (2009) que explicita objetivamente a relação entre o conceito, pretensamente universal, e a realidade em que se apresenta o não-idêntico já presente no encadeamento lógico-abstrato do movimento dialético “puro” e que se mostra claramente na concretude do real:

(41)

Como está claro no exemplo acima, a almejada identificação - ou apresentando o problema de outro modo – a troca que se deseja equivalente apresenta-se como injusta visto que o conceito universal-abstrato alcançado com a mais pura lógica aplicada ao método dialético, tratada aqui como tempo médio de trabalho, nivela as diferenças pessoais e o contexto histórico-social da realidade concreta em que se encontram os sujeitos que trocam sua mão-de-obra no mercado de trabalho, para, por assim dizer, fechar a equação e garantir a primazia do sujeito sobre a singularidade fundamental dos objetos.

Ainda segundo Adorno (2009, p.128), “a troca de equivalentes constitui, desde sempre, em trocar em seu nome desigual, em se apropriar da mais-valia do trabalho.”

Tal identidade que se apresenta na troca enquanto princípio identificador se reverte na forma originária da ideologia. A ideologia para Adorno (2009, p.129):

[...] deve sua força de resistência contra o esclarecimento à sua cumplicidade como pensar identificador: com o pensar em geral. Ele mostra seu lado ideológico pelo fato de não resgatar jamais a promessa de que o não-eu seria no fim o eu: quanto mais o eu o apreende, tanto mais plenamente ele se acha degradado ao nível do objeto.

Dessa forma, a identidade transforma-se em uma imposição à adaptação na qual o objeto pelo qual o sujeito deve se medir, retribui ao sujeito aquilo que ele lhe impôs, nas palavras de Adorno (2009, p.129), “ele deve aceitar a razão contra a sua razão.”

(42)

É preciso renunciar a um pensamento que se desenvolva distante do objeto, cindido da realidade e seus acidentes para que não se deixe levar,

mais uma vez, pela metafísica, pelo idealismo ou mesmo pelo absoluto abstrato do conceito. Como é preciso também não se deixar cair nas garras do positivismo técnico-científico que a tudo reduz ao critério do especialista e que de tão especializado acaba por desprender-se das conexões reais de seu objeto de estudo com a realidade, incorrendo mais uma vez, só que por outra via; na esterilidade de um conhecimento desumanizado e incapaz de ver para além de suas próprias conclusões e determinações.

Adorno (2009, p.130) afirma que “toda determinação é identificação” e segue acrescentando que:

Secretamente a não-identidade é o telos da identificação, aquilo que

precisa ser salvo nela; o erro do pensamento tradicional é tomar a identidade por sua finalidade. A força que lança pelos ares a aparência de identidade é a força do próprio pensamento: a aplicação de seu “isso é” abala sua forma, contudo, incondicional.

O conceito como substrato do processo dialético tradicional que busca a identificação não deve ser tomado como finalidade última do desencadeamento lógico-dialético. O conceito deve ser tomado como parte do processo, sem o qual não se poderia conhecer nada, porém é necessário incluir no processo dialético do conhecimento o não-idêntico, o outro do pensamento. O pensar flui no abismo que há entre a coisa e seu conceito. É como se considerássemos o velho jogo do “cara ou coroa”; não pode haver moeda que não tenha dois lados e ao arremessá-la para cima flui o tempo e o espaço no girar dos lados da moeda até que alguém interrompa.

Da mesma forma, enquanto se percorre o espaço entre o objeto e o sujeito, o conhecimento avança, mas com uma diferença em relação ao “jogo da moeda”, pois no movimento percorrido pelo pensamento, entre sujeito e objeto não pode haver uma mão que encerre a contenda.

(43)

p. 132).

Tomando como exemplo a insuficiência do conceito de liberdade na sua relação com o mundo empírico, Adorno (2009, p.132) expõe a questão da seguinte forma:

A contradição entre o universal e o particular tem por conteúdo o fato de que a individualidade ainda não é e por isso é ruim onde ela se estabelece. Ao mesmo tempo, essa contradição entre o conceito de liberdade e a sua realização também permanece a insuficiência do conceito; o potencial de liberdade exige uma crítica àquilo que sua formalização obrigatória fez dele.

A pretensão à invariabilidade que reside no conceito em busca da ordenação do real já é, por si só, incapaz de compreender as constantes mudanças a que estão sujeitos os objetos e instituições que ele mesmo tenta apreender. A dialética tal como a tem em Hegel, por exemplo, segundo sua subjetividade, tende a pensar os objetos como coisas inalteráveis; estanques no tempo e no espaço, como se permanecessem sempre, a partir de sua conceituação, idênticas a si mesmas e, no entanto, a experiência prova o contrário.

A dialética, da forma como vem sendo trabalhada, ou seja, apenas reelaborando o resultado das ciências específicas, pensando em uma maneira de formar um todo, passa então a ser uma forma de empiria mais elevada, como uma prima empiria e, portanto, não seria nada além do que uma reflexão que se empenha em colocar a harmonia do todo partindo da experiência.

3.2 A crítica à dialética hegeliana e à constatação da insuficiência do conceito

Segundo Adorno (2009), ao comparar o movimento dialético a um movimento circular Hegel incorre em uma “filosofia da origem”. Ou seja:

(44)

como um ato particular de pensamento [...], mas como a ideia diretriz suprema. (ADORNO, 2009, p. 135).

A síntese em Hegel é inteiramente a intelecção da insuficiência desse movimento, como sendo a intelecção de seus custos de produção. A confirmação dessa incapacidade surge em Hegel, segundo Adorno (2009, p.136), bem cedo em que, “desde a introdução à fenomenologia do espírito, Hegel chega bem próximo da consciência da essência negativa da lógica dialética que é desenvolvida por ele.”

Adorno (2009, p.136) acrescenta que em Hegel:

Seu imperativo de examinar de maneira pura todo o conceito até ele se movimentar por força de seu próprio sentido, ou seja, de sua identidade, até ele se tornar não-idêntico a si mesmo, é um imperativo analítico, não sintético.

Dessa forma, Hegel, segundo Adorno (2009), retira o movimento que faz surgir o novo, o diverso, a partir do objeto, para, a partir do conceito, buscar a identidade, não mais em confronto com o real concreto a ponto de poder transformá-lo, mas agora em consonância com o abstrato, por ele considerado real, mas agora passivo, sem capacidade para abarcar a diversidade dos fenômenos, da qual decorre denominar o método de fenomenológico, pois permanece passivo em face do que aparece.

Essa “dialética do repouso”, como mais tarde a denomina Benjamim, já estava presente em Hegel, muito antes do surgimento da própria fenomenologia. Dialética, no sentido que Adorno quer empregar, significa, objetivamente, romper o impulso à identidade por “meio da energia acumulada nessa compulsão à identidade, coagulada em suas objetivações.” Tal força se impôs ao próprio Hegel contra ele mesmo, que claramente não podia admitir o não-verdadeiro da compulsão à identidade (ADORNO, 2009, p. 136).

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A síntese é o desdobramento do conceito que ignora a diferença em uma busca forçada à identidade, identidade que segundo Adorno sempre esteve presente dos escritos “maduros” de Platão, passando por Kant, indo até Hegel.

Seguimos com Adorno (2009, p.137):

De maneira inquestionada, Hegel restringiu contra Kant a prioridade da síntese: ele reconheceu, de acordo com o modelo dos diálogos tardios de Platão, a multiplicidade e a unidade, categorias já justapostas em Kant, como momentos dos quais nenhum é sem o outro. Não obstante, tal como em Kant e toda a tradição, Platão inclusive, Hegel é partidário da identidade.

O menor sinal de negação da identidade, mesmo que abstratamente, já não agradaria ao pensamento. A busca de sempre é a de ordenar aquilo que aos olhos desavisados do senso comum parece caótico. O retorno à mitologia já se apresenta como exemplo dessa busca primitiva do pensamento à ordem, à identidade, desde a forma mimética ou mesmo na forma narrada dos mitos. O domínio do homem sobre a natureza residia já, nas formas mitológicas, na ordenação da multiplicidade aparentemente desordenada da natureza e dos objetos (ADORNO, 2009).

É chegada a hora, mesmo que tardiamente, de reverter a tendência do pensamento à falseabilidade dos raciocínios sintetizantes e absolutizantes e reconhecer que a unidade é a reunião da multiplicidade e que nessa unidade hibernam todas as formas do real e suas contradições e possibilidades de transformação do concreto, posto que “somente a unidade é capaz de transcender a unidade” (ADORNO, 2009, p. 137).

Segundo Adorno (2009, p.138), à medida que Hegel avança nos níveis dialéticos, ele vai abandonando, mesmo que contra a intelecção intermitente de sua lógica, a responsabilidade com o nível que a antecede, preparando a forma daquilo que ele acusa de negação abstrata, ou seja: “uma positividade abstrata, isto é, ratificada a partir do arbítrio subjetivo.”

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modo matemático, a lógica hegeliana parte dos dados sensíveis do mundo concreto e avança axiomaticamente para um plano abstrato independente da coisa, de onde necessariamente ela partiu e que só a partir dela pôde ser pensada.

A coisa, necessária ao desencadeamento lógico da dialética passa a ser contingente, acidental e o método deixa de ser meio para se tornar fim. A positividade, derivada teoricamente do método se difundiu pelo mundo como ideologia e da mesma forma se tornou um “real aborto grotesco”, convencendo-se assim de sua falta terrível: a fechitização do positivo em si mesmo (ADORNO, 2009).

No entanto a negação ainda presente mantém sua seriedade no ponto em que não avalisa o ente. A negação da negação não anula esta última, ao contrário e segundo Adorno (2009, p.139):

[...] ela comprova que essa negação não era suficientemente negativa; senão a dialética permanece em verdade indiferente em relação àquilo que foi posto no começo, aquilo por meio do que ela tinha integrado em Hegel, mas ao preço de sua despotencialização. O negado é negativo até desaparecer. Isso cinde decisivamente de Hegel.

Ao que Adorno (2009) acusa de retorno a um pensamento puramente dedutivo, que seria negar mais uma vez a contradição por meio da identidade.

Ainda segundo Adorno (2009, p.139) em sua crítica à positividade resultante da negação da negação, “somente quem desde o início pressupõe a positividade enquanto panconceptualidade pode sustentar que a negação da negação seja a positividade.”

Assim, a negação da negação transforma-se mais uma vez em identidade, como fruto de uma abstração metalógica na qual se transformou a lógica sob o impulso dedutivo da subjetividade. No espaço em que o pensamento transita entre a “intelecção maximamente profunda e a sua deterioração cintila a sentença hegeliana” (ADORNO, 2009, p. 139).

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