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3 PUBLICIDADE, DESEJO E SEDUÇÃO

3.2 A criança e a TV

Por ser um meio de comunicação voltado à fantasia, a TV cria empatia e encanta ainda mais o consumidor infantil, caracterizado por ter uma mente habitada pelo imaginário. Esta é, aliás, a única experiência de realidade que as crianças têm do mundo (MARCONDES FILHO, 1988, p. 107). Elas convivem com esse meio desde os seus primeiros dias de vida. No início, apenas como uma forma de distração, mas essa relação ganha cada vez mais significado no decorrer do tempo.

Marcondes Filho (1988, p.107) diz que uma criança começa a se sensibilizar com os estímulos de televisão aos três anos de idade, e esse interesse cresce até os 11 ou 12 anos. Conforme o gráfico abaixo, o tempo gasto na frente do aparelho aumentou nos últimos anos. Elas passam uma média de seis horas expostas aos conteúdos e apelos da TV, e o principal agravante é estarem quase sempre sem o controle dos adultos (fig. 19).

Figura 19: Tempo de permanência na frente da TV - 2013

Após a ascensão da mulher no mercado de trabalho, as mães não dispõem do mesmo tempo de antes para dedicar mais atenção aos seus filhos. Com a ausência dos pais, as crianças passam a ser cuidadas por algum membro da família, quando não são deixadas sob o cuidado de uma babá, que por não possuir nenhum vínculo afetivo, muitas vezes não dedica a devida atenção a esse fato. Conforme o gráfico acima, seis horas em frente à televisão é um número maior do que passam na escola, e o tempo livre dessas crianças nem sempre é preenchido com atividades capazes de auxiliar na educação, criatividade, imaginação, iniciativa e demais atividades cognitivas. De acordo com Montigneaux (2003, p. 226-7):

A televisão é uma mídia muito fácil às crianças, particular àquelas que ainda não dominam perfeitamente a leitura. Para as de 3 a 10 anos, é o esporte de referência que agrupa muitos dos temas preferidos das crianças (música, jogos, desenhos animados...). Os programas de televisão se convertem em assuntos de discussão nos horários de recreação. A publicidade televisionada é também um meio muito eficaz para fazer viver o personagem e construir o seu universo imaginário.

Marcondes Filho (1988, p. 32) diz que a televisão é um meio de comunicação pleno, que traz a seu público um imaginário já pronto. E afirma ainda que este é um meio de comodidade, pago pelo próprio telespectador por seu embotamento mental. Os pequenos ficam hipnotizados nesse jogo de imagens fascinantes, que as expulsam do mundo real, e as tornam verdadeiras marionetes da mensagem televisiva. Diferentemente dos meios voltados à realidade, tais como o livro e a revista, ou o rádio, que conforme Marcondes Filho (1988, p. 13), permitem a execução de outras atividades enquanto é ouvido. Segundo Rezende (1989, p. 21):

A criança consumidora de tevê, durante várias horas por dia, é privada de duas oportunidades fundamentais ao seu desenvolvimento pleno: falar e agir. Reduzida à contemplatividade, é sempre ouvinte-vidente – o fantoche que não concorda nem discorda, ouve e vê, mas não escuta nem observa, e muito menos duvida ou contesta.

McLuhan, também faz colocações a respeito do efeito da ação da TV, no telespectador infantil:

Talvez que o efeito mais comovente e familiar seja o comportamento das crianças que cursam o primário. Desde o aparecimento da TV, as crianças, costumam ler com os olhos a apenas 15 centímetros, em média, da página

– independentemente das condições de suas vistas. Procuram levar para a página impressa os imperativos da total envolvência sensória da imagem da TV. Com uma perfeita habilidade psicomimética, executam as ordens da imagem televisionada. Prestam atenção, investigam, aquietam-se e envolve-se em profundidade. É o que aprenderam a fazer na fria iconografia do meio das estórias em quadrinhos. A TV levou o processo bem mais adiante. E de repente as crianças se veem transportadas para o meio quente da palavra impressa, com seus padrões uniformes e rápido movimento linear. Inutilmente tentam ler em profundidade. Lançam na palavra impressa todos os seus sentidos – e ela os rejeita. A importância exige a faculdade visual nua e isolada, não a sensorialidade unificada. (MCLUHAN, 2007. p.346).

A televisão é uma importante aliada no desenvolvimento de diferentes funções cognitivas na infância, como é o caso da oralidade. Em estudos realizados com seres humanos por Vygotski (apud REZENDE, 1989, p.18), foi levantado que “Operar o meio ambiente, usar instrumentos, demonstrar, enfim, uma inteligência prática é um processo intimamente relacionado à fala” e a TV contribui significativamente na estruturação das atividades práticas da criança. A pesquisa também ressalta a importância da manifestação oral no contexto social, enquanto mediadora no desenvolvimento da capacidade de “pensar as palavras”. Neste caso, o público infantil pertencente a classes sociais menos favorecidas possui uma distinção nas atitudes enquanto telespectador do meio televisivo, comparado às crianças das classes mais beneficiadas. Essas têm na TV uma fonte a mais de estímulo e lazer. Não é correto medir qual público é mais inteligente, pois, segundo Bernstein (1979, apud REZENDE, 1989, p.20), os membros do público pertencente ao segundo exemplo apenas “dominam com maior facilidade o código linguístico burguês”. Portanto, embora a televisão seja um meio atrativo, essa é apenas mais uma forma de estímulo e lazer, dentre tantas disponíveis para esse público, tais como, piscina, teatro, cinema, brinquedos e jogos altamente tecnológicos.

Quanto às crianças que têm a televisão como única forma de lazer, pois normalmente residem em micro apartamentos e sem a companhia de amiguinhos, essas têm como única opção viajar a um mundo de fantasias e de sonhos proporcionado pelo aparelho. Rezende afirma que: “Não importa muito se é desenho, filme ou novela. Seja lá o que for, adequado ou não, é melhor do que aquilo que se pode ver através da fenda da janela. Essas crianças veem tevê e não programas de tevê.” (REZENDE, 1989, p.20).

Em ambos os casos, a televisão pode servir como uma fonte importante não apenas de desenvolvimento cognitivo, mas também como uma forma gratuita de

informação e especialmente de entretenimento. O grande problema está nos seus idealizadores, pois nem todo o conteúdo disponível nesse meio está adequado ao público infantil. Mesmo quanto à programação direcionada à criança, como é o caso dos desenhos animados, muitos trazem apelos que deturpam os princípios de valores sociais e culturais.

As personagens utilizadas nesses programas são fontes de identificação, e por isso, têm um grande papel de reforçar as mensagens perante aos jovens receptores. Ao mesmo tempo em que eles podem transmitir um conteúdo que incentive hábitos saudáveis como: respeito, cidadania e responsabilidade social, podem também contribuir para formar consumidores, ou até mesmo levar a consequências ainda mais preocupantes, como é o caso da erotização precoce, dos transtornos alimentares e obesidade, da violência e do estresse familiar, conforme o Projeto Criança e consumo (2009).