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A criança no discurso sociológico

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 33-36)

Capítulo 1 – Infância: uma construção histórica

1.4. A infância nos discursos

1.4.3. A criança no discurso sociológico

Pesquisadores da Sociologia, mais precisamente da Sociologia da infância, como Qvortrup (2010), Corsaro (2011) e Prout (2010), afirmam que somente há pouco mais de vinte anos as crianças começaram a tornar-se foco dos estudos sociais. A sociologia da infância é, portanto, um campo novo e bastante recente, tendo surgido entre 1980 e 1990.

A quase total inexistência de estudos sobre a criança na sociologia foi consequência, segundo Corsaro (2011), de uma marginalização. “É comum que os adultos vejam as crianças (...) em uma perspectiva do que se tornarão - futuros adultos, com um lugar na ordem social e as contribuições que a ela darão. Raramente as crianças são vistas de uma forma que contemple o que são - crianças com vidas em andamento, necessidades e desejos” (CORSARO, 2011, p. 18). A marginalização seria resultado, assim, da posição subordinada das crianças nas sociedades e das concepções teóricas de infância e de socialização, contribuindo para a existência de pouquíssimos trabalhos sociológicos sobre a criança.

No início dos anos 80, essa situação, entretanto, começou a mudar. A insatisfação com as habituais explicações sobre a vida e comportamento das crianças e com a forma como vinham sendo consideradas pela sociedade e também pelas ciências sociais fez com que outros posicionamentos teóricos se desenvolvessem. Novas ideias e explicações surgiram, reconsiderando e transformando as abordagens sociológicas tradicionais acerca da criança e da infância. Foi definido, dessa forma, outro campo dentro da sociologia: a nova sociologia da infância.

Esse campo é chamado novo, pois rompe com as formas ortodoxas e convencionais com as quais os sociólogos estavam acostumados a tratar a infância. Como nos mostra Muñoz (2006), a sociologia sempre considerou a infância como âmbito privilegiado para a socialização, por ser uma etapa em que é possível introduzir primariamente valores e condutas socialmente aceitos que viabilizarão a correta integração dos indivíduos na sociedade. Por isso, o interesse da sociologia pela infância centralizava-se nos processos de socialização e/ou na família e na escola, principais instituições encarregadas do processo socializador. A autora explica que, dessa forma, a criança estava a serviço das teorias de socialização, e não se constituía em objeto formal de estudo. Com o surgimento da nova sociologia da infância, porém, a criança foi introduzida no âmbito dos objetos de interesse sociológico, outorgando-lhe importância por si só, e não como apêndice da família ou complemento necessário no estudo de outras instituições sociais.

A institucionalização desse novo campo de estudo, entretanto, “não está nem estará livre de pontos de vista opostos e contradições, haja vista que se trata da proposta de um ‘novo paradigma’ no estudo da infância” (MARCHI, 2007, p. 63). Uma dessas oposições seria a diferença básica que

há entre os campos de língua inglesa e francesa. No primeiro, a sociologia da infância surge de modo autônomo, mas, no segundo, vinculada à sociologia da educação. Essa diferença gerou distintas abordagens e enfoques teóricos acerca da infância e da criança como categorias sociais em si.

De acordo com Muñoz (2006) há três enfoques teóricos principais na sociologia da infância: o estrutural, o construcionista e o relacional. No primeiro, a infância é entendida como uma forma particular da estrutura social e como uma categoria social permante, isto é, não desaparece e nem se transforma em algo diferente, muito menos em idade adulta (QVORTRUP, 2010). Nessa abordagem, as crianças são co-construtores da infância e da sociedade. No enfoque construcionista, por sua vez, a infância é uma construção social e uma variável da análise social. As crianças são, assim, agentes ativos na construção de suas vidas sociais. Por fim, na teoria relacional, concebe-se que é preciso levar em consideração a maneira como as crianças experimentam suas vidas e relações sociais, bem como seu ponto de vista, pois o conhecimento baseado na experiência delas é fundamental. Para os estudiosos que seguem essa abordagem, a infância é um processo relacional e existe somente em relação à idade adulta (MUÑOZ, 2006).

Apesar das diferenças, pode-se dizer que é consenso entre os pesquisadores da área o fato de que na sociologia da infância “trata-se de compreender aquilo que a criança faz de si e aquilo que se faz dela, e não simplesmente aquilo que as instituições inventam para ela” (SIROTA, 2001, p. 28). Sirota (2001) aponta um conjunto de cinco ideias que norteiam uma parte considerável e importante dos estudos sociais sobre a infância. São elas:

• A criança é uma construção social: há uma desnaturalização da noção de infância, ou seja, não se trata mais de um fenômeno biológico e natural dos grupos humanos, e sim de um componente tanto estrutural quanto cultural de um grande número de sociedades.

• Há uma variabilidade nos modos de construção da infância: como a imaturidade biológica não é negada, enfatizam-se os diversos modos de construção da infância e reintroduz-se o objeto infância como um objeto ordinário de análise sociológica.

• A infância não é preparatória para a vida adulta: não se trata de um momento precursor, e sim de um componente da cultura e da sociedade. A infância situa-se, assim, como uma das idades da vida.

• As crianças são atores sociais: são seres ativos diante do seu próprio mundo e da sociedade, sendo, ao mesmo tempo, produtos e produtoras dos processos sociais, e não sujeitos passivos.

• A infância é uma variável da análise sociológica que deve ser considerada em sentido pleno: a infância é uma variável relacional e, portanto, não é dissociável de outras como,

por exemplo, gênero, classe e etnia. Considerar a criança em sentido pleno consiste em estudar suas culturas e relações sociais em si, de modo independente das preocupações e perspectivas dos adultos.

Em suma, uma abertura no campo sociológico a partir de um novo conceito de socialização viabilizou o surgimento da sociologia da infância. Esse novo campo compreende a criança como ator social e a infância como uma categoria geracional. A sociologia da infância propõe-se a constituir a infância como objeto de investigação sociológica, resgatando-a de perspectivas biologizantes que a reduzem a uma etapa de maturação e desenvolvimento humano. Além disso, resgata as crianças de perspectivas que tendem a interpretá-las como indivíduos que se desenvolvem independente da construção das estruturais sociais e culturais nas quais estão inseridos.

Neste ponto, cabe a pergunta: e quanto à psicanálise? A criança seria vista como um ser em desenvolvimento tal qual o discurso jurídico a vê? Seria um decalque do adulto ou um vir a ser dele como na clínica psiquiátrica? Seria um componente ativo da sociedade? Que lugar, afinal, é destinado à criança no discurso psicanalítico?

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 33-36)