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O pequeno Hans (1909)

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 56-58)

Capítulo 2 – Da infância ao infantil

2.5. O pequeno Hans (1909) e O Homem dos Lobos (1918[1914])

2.5.1. O pequeno Hans (1909)

Em 1909, Freud, interessado nos primórdios da vida sexual e influenciado pelas hipóteses estabelecidas em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), publica a análise de uma fobia de um menino de cinco anos. O relato desse caso, conhecido como O pequeno Hans (1909), viabilizaria que fosse comprovada a existência da vida sexual nas crianças, aspecto comumente desprezado ou deliberadamente negado à época. Assim, o que motivou Freud a atender Hans foi poder “observar em crianças, em primeira mão e em todo o frescor da vida, os impulsos e desejos sexuais que tão laboriosamente desenterramos nos adultos dentre seus próprios escombros - especialmente se também é crença nossa que constituem a propriedade comum de todos homens, uma parte da constituição humana, apenas exagerada ou distorcida nos neuróticos” (FREUD, 1909/2006, p. 16).

Com essa finalidade, Freud estabelece as linhas gerais dos atendimentos de Hans. Devemos salientar que ele viu o menino uma única vez e que o tratamento foi efetuado pelo pai da criança, o qual relatava a Freud suas observações e fazia as intervenções por ele propostas. Empreender o tratamento dessa forma foi possível, pois a autoridade de um pai, de um médico e o interesse científico uniam-se no pai de Hans. Por isso, segundo Freud, ninguém mais poderia ter “persuadido a criança a fazer quaisquer declarações como as dela” (Ibid., p. 15).

Os primeiros relatos sobre Hans datam de quando ele tinha quase três anos e demonstram seu interesse pelo pênis. Movido por sua curiosidade em relação ao órgão sexual, fazia muitas perguntas a esse respeito, indagando, inclusive, à mãe se ela possuía ou não a “coisinha de fazer xixi”, nome que ele deu ao pênis. Seu interesse por tal órgão, contudo, não era apenas teórico. Hans também se masturbava, característica forma de atividade sexual auto-erótica. Segundo Freud, tudo o que o menino revela aí é típico do desenvolvimento sexual das crianças de modo geral e exemplifica as teorias freudianas sobre a sexualidade infantil.

Quando estava com três anos e meio, ocorre o que Freud considera o grande evento na vida de Hans: o nascimento de sua irmã. Esse acontecimento despertou, primeiramente, intenso ciúmes no menino. Passados alguns meses, Hans apresenta fortes crises de angústia, manifesta intensa vontade de ficar com a mãe e desejos hostis em relação ao pai. Nessa mesma época, ele viu sua irmã sendo banhada pela mãe e admirou-se de como era pequena a “coisinha de fazer xixi” de Hanna, supondo que cresceria quando ela ficasse maior.

Uma vez mais, ficam evidentes as teorias freudianas sobre a vida sexual das crianças, mas chama a atenção de Freud o intenso estado de angústia de Hans. O autor, então, demonstra que a exclusão do pequeno paciente da relação com a mãe, por causa do nascimento da irmã, e o despertar da excitação sexual ao vê-la dando banho em Hanna teriam contribuído para aumentar a tensão sexual experimentada por ele. A hostilidade com o pai, reflexo do desejo de poder ficar só com a mãe, também aumentava a tensão de Hans. Todo esse incremento da excitação sexual passa a ser liberado na forma de angústia.

Um dia, quando estava na rua, Hans teve um súbito e intenso ataque de ansiedade. Ele não soube dizer o que lhe dava medo, mas disse ao pai que queria poder ficar com a mãe e acariciá-la. Os ataques de ansiedade na rua e o medo de sair de casa passaram a ser frequentes, porém o que os motivava não era claro. Entretanto, logo tornou-se evidente que sua libido tinha ligado-se a algo bastante específico: ao medo de ser mordido por um cavalo branco. Dessa forma, a angústia de Hans limitou-se a uma situação desprazerosa específica, que podia ser por ele evitada. A fobia por cavalo aparece, então, como forma de aplacar a angústia. Freud, a partir disso, constrói uma hipótese interpretativa. Os impulsos de Hans dirigidos à mãe são recalcados e isso geraria angústia. Tal angústia corresponderia, assim, ao desejo recalcado e teria relação com o medo de ser castrado, aspectos compatíveis à primeira teoria da angústia em Freud.

Com o avanço da análise de Hans, torna-se claro que o medo dos cavalos era, na verdade, medo do pai em função do desejo que nutria de que ele morresse. Tal desejo aparecia com maior clareza no medo de que os “cavalos caíssem”. Hans passa a temer também os carros. Ao longo da análise, o medo pelos carros e cavalos é substituído pelo de ficar entalado na banheira. Encontra como saída para isso a construção de uma fantasia na qual “somou todos os seus desejos eróticos, tanto os derivados da sua fase auto-erótica quanto aos ligados ao seu amor objetal. Nessa fantasia ele estava casado com sua linda mãe e tinha inúmeros filhos, de que podia cuidar a sua maneira” (FREUD, 1909/2006, p. 105). A fobia desaparece.

A análise de Hans permite a Freud corroborar sua teoria da sexualidade. Ficam claras as fases do desenvolvimento psíquico-sexual da criança até o momento em que se dá a instalação da neurose infantil. Fica evidente também um desenvolvimento determinado por conteúdos infantis recalcados, o que demonstra a marca daquilo que Freud chamou de infantil. Não é a infância que se

apresenta no caso, mas sim lembranças, recordações, desejos e fantasias, os quais, mesmo se tratando de uma criança, apareciam a posteriori. Isso é o que leva Freud (1909/2006, p. 131) a afirmar:

não aprendi nada de novo com essa análise, nada que eu já não tivesse sido capaz de descobrir (apesar de muitas vezes menos distintamente e mais indiretamente) em outros pacientes analisados numa idade mais avançada. Mas a neurose desses outros pacientes podia, em todos os casos, ser reportada aos mesmos complexos infantis que foram revelados por trás da fobia de Hans.

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 56-58)