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2 HISTÓRIA DAS PROFISSIONAIS DO SEXO

3.2 O DISCURSO SOCIAL ACERCA DA PROFISSÃO DO SEXO

3.2.2 A criminalização da sexualidade desviante

A São Paulo de 1870 a 1920 apresentava a prostituição como necessária aos impulsos libidinosos dos homens (MAZZARIOL, 1976), estereotipada como crime e equiparada à vagabundagem, fora confinada, regulamentada e duramente controlada por policiais e médicos.

Porém, a conduta não se restringia a atingir prostitutas e proxenetas11. “Acusados de perturbação mental, crime e doença: assim eram enquadrados homossexuais, estupradores e outros responsabilizados por "delitos sexuais" à época” (MAZZIEIRO, 1998, p.247-248). Diversas foram as formas de criminalização da sexualidade onde toda conduta desviante deveria ser punida, nesse elenco incluia-se ainda os crimes passionais e o atentado ao pudor.

Dessa forma, a sexualidade da plebe não-proletarizada era criminalizada, definindo-se uma moral burguesa, em relação à qual todo desvio era considerado delito.

Fora da moral burguesa, portanto, não se admitia solução para a sexualidade. Os olhos de Polícia e Medicina acusavam a plebe não- proletarizada para lhe dizer que os homens e mulheres ali situados socialmente não estavam livres em nenhum momento, sequer na intimidade erótica.

Tais olhos revelavam-se ainda mais eficazes porque, qual novo Deus, em nome de Ciência e Lei, construíam-se como onipresentes, disciplinando todos, em tudo e para tudo. Criminalizar a sexualidade da plebe não- proletarizada era manter esse grupo social sob permanente suspeita, procedimento que podia deslocar-se para outras práticas e outras parcelas da população (MAZZIEIRO, 1998, p.247-248).

Quando se trata de fazer um resgate histórico das tentativas de regulamentação da prostituição no Brasil, podemos presenciar São Paulo sendo a sede onde o primeiro debate acontece, em 1879:

O Chefe de Polícia disse ser necessário por um paradeiro na exploração dos cáftens, que expunham as mulheres nas ruas, propondo elaborar um regulamento sanitário-policial para as prostitutas, mesmo correndo o risco de com isto "dar ao vício o caráter de instituição". O empenho da autoridade 11 Pessoa que ganha dinheiro servindo de intermediário para a prostituição de outrem; o mesmo que caftén; o proxenetismo é um tipo de lenocínio que consiste em manter prostíbulos para fins libidinosos (FERREIRA, 1999).

policial foi apresentado como visando a" impedir a especulação torpe dos traficantes da honra e da miséria de quem a perdeu", além das "afrontas ao decoro público por cenas de escândalos, perigosos exemplos que insultam a virtude e arrastam os espíritos fracos" (MAZZIEIRO, 1998, p.247-248).

A partir de Moraes, Mazzieiro explica que o delito de lenocínio foi institucionalizado internacionalmente desde 1895, pelo 5º Congresso Penitenciário Internacional, sediado em Paris.

Segundo os congressistas, era para Rio de Janeiro e Buenos Aires, as mais populosas cidades da América do Sul, que o tráfico de prostitutas se voltava, sendo originário de Áustria, Hungria, Polônia, Itália, Romênia e França. Na Conferência de Paris de 1902, os países presentes comprometeram-se a uniformizar as suas leis penais quanto ao tráfico de mulheres. Procurando manter a "ordem pública internacional, a Conferência facilitou a repressão e protegeu as vítimas dos traficantes". Em 1904, foi assinado um arranjo administrativo entre diversos países, inclusive o Brasil, visando à “vigilância nos portos de embarque, nas estações e nas agências de emprego, para o fim de serem evitados os manejos dos traficantes. (...) Foram fundadas, em vários países associações de patronato, para proteção das vítimas do tráfico e para a prevenção dos seus planos criminosos” (MAZZIEIRO, 1998, p.247-248).

No Brasil, o lenocínio apareceu como crime no Código de 1890, artigo 278, e foi caracterizado como:

1º) prestar assistência, habitação ou auxílio à prostituição;

2º) induzir mulheres, quer aproveitando de sua fraqueza ou constrangendo à prostituição. No primeiro caso, estavam os proprietários de hotéis, casas de cômodos e similares e no segundo situavam-se os cáftens. A lei 2.992, de 25/09/1915, deu nova redação ao artigo 278 do Código Penal.

[…] a repressão ao lenocínio não devia se fixar somente naquele que explorava uma mulher mas sim atingir todos os que, de qualquer forma, colaborassem na prostituição, dela tirando proveito. Dessa forma, devia-se reprimir todos que, usando de licenças para explorar hotéis, na verdade criavam casas de tolerância, onde recebiam casais, até mesmo menores, "que freqüentavam esses antros com o fim exclusivo da satisfação dos desejos sexuais e para práticas de atos de libidinagem". Tais casas existiam perto dos locais onde faziam pontos as prostitutas, que ali se hospedavam durante curtos espaços de tempo numa mesma noite (AGUIAR, 1940, p. 15 e 28).

Em 1897, o então Chefe de Polícia de São Paulo, propõe intervenções da polícia para conter os escândalos das mulheres de vida pública, uma vez que essas envergonhavam as famílias e os estrangeiros. Motta (1897) publica um relatório com um folheto cujo título era "Prostituição, polícia de costumes e lenocínio", com o

objetivo de mostrar as medidas por ele tomadas para tais problemas. “Iniciou perguntando como devia ser tratada a prostituição: abandoná-la de forma que ela aparecesse em toda a sua "podridão"? Reconhecê-la e regulamentá-la? Reprimi-la como sendo um dos principais males da humanidade?” (MAZZIEIRO, 1998, p.247- 248). Seu principal argumento era de que

a liberdade individual não é princípio sem restrições. Invocar em favor dos viciosos os sagrados direitos da liberdade individual, é dar provas de muita ignorância, é pregar a dissolução dos costumes, é fazer a apologia do crime (MAZZIEIRO, 1998, p.247-248).

A intenção não era propriamente regulamentar a profissão mas sim evitar ataques à moral e aos bons costumes, procurando garantir a paz das famílias, o decôro público, a moralidade das ruas. Foi criado um livro para registro de nome, idade e nacionalidade de cada uma, e 220 mulheres públicas, receberam as instruções para o registro compulsório (MAZZIEIRO, 1998).

Foram dadas as seguintes instruções aos guardas e às mulheres:

a) Estavam proibidos os hotéis ou conventilhos, podiam as mulheres morar em casa particular, nunca em número superior a três, procurando evitar dessa forma o caftismo;

b) As janelas das casas deviam estar com cortinas duplas e persianas, impedindo assim que o que ocorresse nos seus quartos fosse visto de fora; Não podiam chamar, provocar nem conversar com os transeuntes;

d) De noite, as persianas dos quartos deviam ficar fechadas e elas não podiam ficar na porta da casa;

e) Deviam se vestir de forma decente e cobrindo todo o corpo, principalmente o busto;

f) Deviam guardar todo o recato nos teatros e divertimentos públicos, não podendo conversar com homens nesses lugares. "Julgamos necessário reduzir a escrito e publicar essas instruções sob o título de Regulamento Provisório da Polícia de Costumes", sendo entregues cópias às mulheres (MAZZIEIRO, 1998, p.247-248).

A inscrição policial da prostituta, disponibilizava um cadastro constando a identidade pessoal e os exames médicos compulsórios dela, e conseqüentemente, proibia o exercício da profissão àquelas que não estivessem de acordo com o sistema da polícia de costumes (PEREIRA, 1976; RAGO 2008a; MAZZIEIRO, 1998) . Porém, o que de fato ocorreu foi que quanto maior a repressão policial, maior o número de

não inscritas, já que a regulamentação selou a própria insubordinação.

Na virada do século, foi prática corrente do aparelho policial fazer com que prostitutas, vadios, mendigos e bêbados por hábito assinassem "termo de bem viver". Esse poder de polícia ainda se tornou mais pronunciado na lei 147, de 1902, que dizia que a polícia devia "ter sob sua vigilância as prostitutas, providenciando contra elas sem prejuízo do processo competente, da forma mais conveniente ao bem-estar da população e a moral pública” (ABREU, 1968, p. 17). .

Para Moraes, tendo uma causa sócio-econômica, a prostituição satisfazia aos instintos libidinosos e garantia a moral familiar. Entretanto, a polícia de costumes a tratava como crime. Assim, ele perguntou: qual a utilidade da intervenção policial na" indústria insalubre da prostituição"? Era ela uma forma de garantir a" qualidade da mercadoria"? Segundo o autor, mesmo na França, país de origem da polícia de costumes, com as instituições anexas - dispensário sanitário e hospital-prisão -, ela sofria severas críticas. A polícia de costumes não tinha fundamento legal, reprimia unilateralmente, atingindo somente a mulher. Além disto, era uma forma de "perseguição à gente pobre, ao proletariado do amor venal", modalidade de repressão capitalista. No Brasil, as prostitutas ficavam entregues ao arbítrio policial, dependendo da vontade da autoridade, pois, legalmente, não existia criminalidade em seus atos (MAZZIEIRO, 1998, p. 247-248).

Em 1908, criou-se uma nova tentativa de disciplinar o meretrício em São Paulo. Já em 1913, o assunto foi tratado na Câmara de São Paulo e continha a seguinte proposta, que não fora aprovada (FONSECA, 1982):

a) Proibição de localizar casas de prostituição nas ruas movimentadas e perto de: quartéis, colégios, escolas, fábricas, templos, teatros e outras casas de diversão; b) Elas precisariam ter permissão para funcionarem; as casas não podiam distinguir- se por qualquer sinal;

d) Incluíram-se os hotéis e pensões que recebessem prostitutas;

e) Ficavam proibidos nessas casas jogos, bailes, reuniões e venda de bebidas e comestíveis;

f) Os responsáveis pelas casas deviam ser registrados;

g) As prostitutas deviam se submeter a um exame médico e receber uma caderneta de saúde, além de se sujeitar à inspeções médicas;

h) As doentes deviam ser internadas em um hospital até a cura; i) As menores de 18 anos deviam ser entregues aos juízes de órfãos; j) Proibia-se a entrada de menores nas casas;

k) As prostitutas não podiam exibir-se nas portas e janelas.

Propostas estas que possívelmente remetem à herança da época do coronelismo.