• Nenhum resultado encontrado

2 HISTÓRIA DAS PROFISSIONAIS DO SEXO

4.2 A REPRESSÃO DO CORPO PROSTITUÍDO

Pasini (2000) tenta compreender a lógica de agenciamento das prostitutas e a relação que estas expressam quanto ao próprio corpo, relatando sua corporalidade como um espaço social, composto por elementos sócio-culturais, que comunicam significados e simbologias do próprio grupo. Os corpos das prostitutas durante o trabalho, a ação própria da atividade de agenciamento de clientes tem inscritos em si os significados sociais e culturais de toda uma história que as compuseram (PASINI, 2000 p.183).

Em sua referência à obra de Gaspar, Pasini (2000) afirma que é através da manipulação da identidade que as mulheres que se prostituem estabelecem relações com a sociedade abrangente e, assim, elaboram elementos para a

construção de sua própria identidade social quanto garota de programa. “Gaspar concluiu que ser garota de programa faz parte da esfera do trabalho dessa mulher e, para tanto, demonstra diversos limites que regem esse papel social” (PASINI, 2000, p.187).

Para isso as mulheres prostitutas apresentam algumas práticas através das quais estabelecem uma divisão entre a vida na prostituição e a vida fora da prostituição. Assim, as mulheres prostitutas que fazem programa constróem uma maneira particular de se relacionar com o próprio corpo, estabelecendo limites e barreiras simbólicas em relação a cada programa e aos clientes em geral, que configura uma atividade e um universo complexo que possui suas próprias regras (PASINI, 2000).

É nos pontos que elas agenciam sua performance na prostituição, através de práticas que se revelam na corporalidade e nas suas relações sociais. A diferenciação de um ponto para outro é observada porque ele é um espaço demarcado pelo grupo que ali realiza a prostituição. Esses pontos são constituídos por regras, que se tornam fronteiras simbólicas entre um e outro. Assim, é possível reconhecer os pontos tanto pela delimitação física quanto simbólica.(...) Em seus pontos o comum é existir dois conjuntos de regras, os quais, elas precisam seguir tanto para permanecer no ponto quanto para legitimarem sua postura de boa garota de programa. O primeiro conjunto comunica sobre a performance nos pontos: a roupa, a quantidade de maquiagem no rosto, a forma de abordagem do cliente, o tempo, o valor do programa e as ofertas de serviço. O segundo conjunto de regras explicita o relacionamento com os clientes: não beijá-los, não deixá-los encostar em seus seios, não fazer sexo anal, não gozar, não dormir com eles, usar preservativo nas relações sexuais e cobrar pelo programa (PASINI, 2000 p. 189, 190).

Dessa maneira, numa atividade onde o corpo é o elemento primeiro de negociação, cabe analisar como esses corpos que realizam prostituição revelam diferentes práticas e indicam a diversidade sobre suas relações sociais, uma vez que em seus estudos a autora revela que as mulheres prostitutas deslocam de si para o cliente a responsabilidade pela transmissão de doenças (PASINI, 2000).

A pesquisa de Bruns e Gomes Júnior (1996) baseada na vivência de prostitutas de baixa renda numa cidade do interior de São Paulo que analisa a atividade ontologicamente através do método fenomenológico, definindo as categorias como EU-TU e EU-ISSO. Assim os autores analisaram os discursos destas mulheres com

a intenção de esclarecer de que forma a prostituta vivencia sua sexualidade, quais sentidos ela atribui à sua vida sexual, de que forma ela se sente como mulher. Os autores constataram que elas se relacionam com seu próprio corpo coisificando-o, estabelecendo-o como uma mercadoria, um ISSO, apenas como um objeto de troca. Há, dessa forma, uma dicotomia entre mente e corpo, o que provoca uma “...ruptura de grandes proporções, fazendo com que ela se torne alheia a si própria...” (BRUNS; GOMES JÚNIOR, 1996, p. 12).

Essa constatação também foi percebida por Gomes (1994) que argumenta que a prostituição leva à “coisificação” das mulheres, cujos corpos são transformados em objetos de venda que podem e devem ser escolhidos e comprados como uma mercadoria. Dessa maneira Lopes, Rabelo e Pimenta (2007) esclarecem que o ter justifica o ser, consequentemente, os fins justificam os meios, já que,

através do dinheiro ganho na prostituição, é possível adquirir respeito, amigos, família e tudo mais que necessitam para viver dignamente. Não importa a profissão, o que importa é o dinheiro advindo dela, que lhes irá possibilitar acesso a um padrão de vida de classe média alta com o qual sonham e, dessa forma, serem aceitas e bem tratadas pela sociedade (LOPES; RABELO; PIMENTA, 2007 p. 72).

Em sua pesquisa exploratória realizada em 2007, entre profissionais do sexo de média e alta classe da cidade de Goiânia os autores perceberam que as entrevistadas procuravam justificar e legitimar o seu trabalho, dentro de uma sociedade capitalista e individualista, ao se auto-proclamarem úteis à sociedade uma vez que suprem a carência de companhia e atenção de homens solitários e depressivos, gerados por este tipo de sociedade. Em alguns de seus relatos, elas dizem fazer parte da profissão escutar e amparar os homens que estão em busca de companhia e atenção, nesse sentido, elas chegam a afirmar que são “quase psicólogas”.

Os autores citam ainda que as entrevistadas consideram o seu corpo como instrumento de trabalho e o tratam como tal, através de cuidados estéticos e de saúde. O corpo para elas é objeto, verdadeira arma de sedução, que lhes propicia alcançar seus objetivos financeiros. Porém como contraponto, elas sofrem um

conflito interno em relação às suas identidades apesar de afirmarem em entrevista que

há uma divisão bem demarcada em suas mentes entre a profissional prostituta e a pessoa (mulher, mãe, amiga, namorada, etc.) que, na verdade, são fora do ambiente de trabalho. Porém, o que se percebe é que essas identidades confundem-se e, em algum momento, fundem-se em uma única, chegando assim ao ápice do conflito: momento em que elas já não distinguem mais os papéis de dentro e fora do trabalho, como conseqüência, já não sabem mais quem são (LOPES; RABELO; PIMENTA, 2007, p. 73).

Os autores perceberam ainda em suas falas que o dinheiro que as prostitutas conseguem com seu trabalho é um dinheiro fácil, mas não tão fácil assim.

É fácil porque, em pouco tempo, elas ganham um valor que a maioria das pessoas levaria meses para conseguir. É difícil porque têm que realizar os desejos sexuais de pessoas estranhas e, para isto, às vezes, têm que se violentar em seus atos. A ambigüidade em relação ao dinheiro perpassa suas relações profissionais (LOPES; RABELO; PIMENTA, 2007, p. 74).

Desta forma, através do próprio discurso das mulheres os autores constataram que as entrevistadas possuem alienação quanto à ideologia dominante, machista e capitalista (BOURDIEU, 2002) materializada em suas falas e vivências subjetivas, onde elas próprias representam a ideologia capitalista, que propaga a lei do individualismo, da liberdade de escolha e do obter sucesso a qualquer preço. Perceberam ainda em suas falas que apesar de se dizerem livres pelo poder econômico que possuem, a mulher que vende o corpo não presta, já a mulher que tem uma vida sexual ativa, apenas não tem juízo, falta-lhe orientação (LOPES; RABELO; PIMENTA, 2007).

Entretanto, estas mulheres que se dizem livres, não percebem que reproduzem, ao se colocarem no lugar de mercadorias, a dinâmica cruel da ideologia dominante, que se organiza através dos papéis do dominador e do dominado, do explorador e do explorado. Nesta dinâmica, que não as favorece de forma alguma, ocultada pelo véu de sua suposta liberdade de escolha, elas assumem, mesmo sem saber, o papel menor de exploradas e dominadas (LOPES; RABELO; PIMENTA, 2007 p. 75).

mulher prostituta em Porto Alegre, ressalta que o estigma, em certos casos, traz empoderamento para esses grupos. Entretanto, esse não é tão direto e previsível, por isso não tão notável quanto a dominação relatada na pesquisa de Lopes, Rabelo e Pimenta (2007), uma vez que provém do próprio jogo das correlações de força, desiguais e instáveis.

Sob o ponto de vista dos obstáculos que antecedem à constituição dos sujeitos, sendo a exclusão o lugar mais fundo da sua sujeição, talvez a articulação de ONG's e Associações em prol da luta pela cidadania desta atividade comece a ser o ponto de partida para a reconstituição de séculos de processos insidiosos de estigmatização, discriminação, marginalização, patologização e confinamento do corpo prostituído, que agora começa a operar numa nova ótica de percepção e espaço social, das instituições, do senso comum, do aparelho judiciário, da família, do Estado e do saber médico.

“O silêncio que é o primeiro e mais forte componente da situação de exclusão, sendo a marca mais forte da impossibilidade de se considerar sujeito àquele a quem a fala é de antemão desfigurada e negada” (BRUNI, 1889, p. 199-207) está pouco a pouco sendo rompido, podendo num futuro, se tornar fala configurada em lei.

Portanto, utilizando a análise de conteúdo, procuraremos identificar os aspectos e os sentidos do processo de profissionalização da profissão do sexo para as mulheres que se prostituem em uma das maiores zonas de comércio sexual do sudeste brasileiro.