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2 HISTÓRIA DAS PROFISSIONAIS DO SEXO

2.3 IMAGINÁRIO SOCIAL SOBRE AS PROSTITUTAS, ESTERIÓTIPOS E

2.3.2 A dose de veneno posta no imaginário social

A prostituta na sociedade

relações sociais são mediadas pelo equivalente geral: o dinheiro. Não foi tranqüila a relação da sociedade com a profissionalização dos ofícios e com a instituição das relações assalariadas de trabalho. Em especial, foi extremamente complexa sua relação com a separação entre o amor puro e o prazer sexual, principalmente para as mulheres. A atração pela prostituta – imagem da modernidade – significava total empatia do homem com o universo alucinante das mercadorias, (...) (RAGO, 2008a, p. 46)

Alugando o seu corpo e customizando o serviço conforme o gosto do freguês, a sociedade passa a ver a necessidade de instituir fronteiras simbólicas que não deveriam ser ultrapassadas pelas moças respeitáveis, ao mesmo tempo que confinava tal comércio a espaços geográficos da cidade particulares - os guetos - especialmente destinado as práticas da vida noturna e das “pensões alegres”. Mais a frente foi visto que esse movimento de formação de guetos delineou uma “geografia do prazer” onde baixo e alto meretrício eram separados mas constituídos em um mesmo bairro, território onde poderia se dar vazão aos “vícios urbanos” modernos, segundo o imaginário da época.

Sempre compondo o perfil da femme fatale, com sua força vulcânica ameaçando destruir os elos racionais da civilidade, nocivamente inquietando a pacata vida cotidiana da cidade, o charme da francesa era construído no imaginário social suscitando sua maior capacidade de sedução e seu domínio sobre as regras de comportamento europeu civilizado. Rago relata que:

Prostituição e modernidade, nesse sentido, foram intimamente associadas, num momento em que amplos esforços eram mobilizados pelos diferentes setores sociais para se auto-representarem como uma sociedade que ingressava numa nova era inaugural, sintonizando seus passos ao ritmo da modernização das demais nações européias (RAGO, 2008a, p.50).

Dessa forma, o esteriótipo das mulheres é concebido. São criados dois pólos para diferenciá-las e colocar cada uma no seu devido lugar. As honestas, mulheres de família, que deveriam ser recatadas e santificadas e as prostitutas, mulheres da vida que se perderam.

2.3.3 “Honestas” versus “Perdidas”: as mulheres estão no round

Em torno das mudanças que afetaram radicalmente a posição social da mulher, especialmente nas camadas médias e altas da sociedade , desde o último quarto do século XIX vê-se a polarização entre mulheres “honestas” e “perdidas”, estas últimas vistas como ameaça a desestabilização social e, as primeiras, representadas até recentemente pela figura da senhora ociosa e descuidada das grandes propriedades de terra - mesmo que tendo sua existência empírica limitada à algumas regiões do país, especialmente durante a época do coronelismo (RAGO, 2008a).

Sua imagem prevaleceu como uma forte representação no imaginário social até anos recentes e na memória da construção histórica da mulher no país uma vez que a sociedade mostra-se fadada a reproduzir incessantemente suas construções, o que justificaria a concepção da identidade da mulher na sociedade.

É nesse sentido – de uma sociedade reproduzindo incessantemente suas construções e instituições - que Bourdieu (2002), apresenta o conceito do habitus (lei social instituída), onde a dominação masculina encontra-se tão fortemente ancorada no subconsciente social, que sequer é percebida. Tal subconsciente é considerado produto da ação de inúmeras instâncias de inculcação e de reprodução.

O autor explora a sociedade da Cabília, na Argélia, revelando as evidências e as estruturas simbólicas do inconsciente androcêntrico que se reproduz cotidianamente, em ambos os sexos, determinando de certa forma, um comportamento do gênero pré-estabelecido pelo habitus.

Bourdieu (2002) analisa a mulher como reprodutora consentida do androcentrismo imposto à sua condição feminina, sendo esta responsável pela aceitação e dominação masculina. Ou seja, em sua concepção, a mulher não tem escolha, não tem fuga ou saída, cabendo únicamente a ela a aceitação de sua condição de subalternização e composição de inferiorização ao masculino, sendo responsável

ainda por reproduzir por suas próprias mãos, através da inculcação do habitus em seus filhos, do mesmo mecanismo que a domina.

A partir de tal elucidação é possível compreender a situação de anonimato e de invisibilidade que caracterizava a vida da esposa do fazendeiro, restringida a ser a esposa do grande proprietário, não se encontrando apenas na posição de subordinação ao homem, mas compondo-se de maneira desvalorizada enquanto mulher, frente à concorrência dos muitos corpos rijos e jovens das escravas (RAGO,2008a).

Suas atividades - que mais a caracterizavam como a maior escrava do lar - resumiam-se “aos bordados, à preparação de doces, às conversas com as negras, ao cafuné, ao manejo do chicote e, eventualmente às visitas a igreja” (RAGO, 2008a, p.54). Assim elas acabavam despreocupando-se e desleixando-se da própria aparência, engordando e envelhecendo precocemente, desrespeitadas em sua condição de companheiras vivenciando uma humilhação violenta, numa concorrência ostensiva que criava um mal-estar latente.

A família tornava-se o núcleo da sociedade, e para sua perpetuação, a mulher brasileira, mesmo que pertencente a elite, mantinha-se numa posição subalterna a do marido, sendo ela o apoio, o esteio familiar.

Por mais ativas e participantes na organização da vida doméstica, essas mulheres não se percebiam positivamente, uma vez que até então a sociedade não as viam como indivíduos dotados dos mesmo direitos que os senhores. Assim, os melhores lugares eram reservados aos senhores, as refeições eram servidas primeiro a eles, e a liberdade, também a eles pertenciam.

Tais senhores mantinham relações extraconjugais, muitas vezes mantendo até mesmo um relacionamento de longa data com uma única prostituta, mas sempre à revelia da família, já que esta representava o santuário, o aconchego, garantindo a

imagem do senhor austero, que se preocupa com a educação dos filhos e é vigilante com a moralidade das filhas. Sua função é basicamente produtiva, enquanto à mulher cabe a administração interna do lar. Nesse contexto, a mulher foi elevada à condição de “rainha do lar”, destituída portanto de uma função produtiva de relevo. O espaço doméstico foi diferenciado da esfera pública do trabalho e santificado como “oásis”, lugar de calor e intimidade, da confraternização de seus membros, de uma solidariedade representada como orgânica e natural (RAGO, 2008a).

A promoção da mulher à condição de soberana do lar e a destituição de sua importância como força produtiva aparece como debate nas crônicas de “A Mensageira” escrita por Maria Emília em 1899 e citada por Rago:

São muitos os autores que defendem a tese segundo a qual a urbanização e a industrialização apenas degradaram a condição feminina, retirando-lhe funções valorizadas tradicionalmente pela sociedade. A mulher deixa de ser vista como um ser necessário, útil e participante da vida social e produtiva, responsável por parte do suprimento material visto que pão, vela, doces, sabão e uma série de consumo imediato passam a ser produzidos em fábricas e adquiridos fora do lar (RAGO, 2008a, p.57).

Porém alguns autores da “Revista Feminina” de 1923 viriam destacando o contrário, defendendo que a emancipação advinda das relações sociais, com a abertura de novos espaços para a circulação social e urbana favoreceriam a diminuição das pressões familiares para as mulheres.

A partir de tais concepções históricas e, para elucidar questões contemporâneas, cabe destacar algumas questões acerca da profissão do sexo: Há uma indústria do sexo? Havendo, como são suas relações com a sociedade? Como é o discurso social à respeito do trabalho de comercialização do corpo? E atualmente, qual é o significado do trabalho na sociedade?

3 PROFISSIONALIZAÇÃO DAS PROSTITUTAS