• Nenhum resultado encontrado

A CRISE DO DIREITO DO TRABALHO E SUAS TENDÊNCIAS

Como visto, o contexto crítico que perfaz a crise do Estado (decorrente da globalização e do neoliberalismo), a crise da ciência (advinda das críticas pós-modernas ao cientificismo e o positivismo), a crise do Direito (inserta na crise da ciência, mas acrescida das críticas ao formalismo, patrimonialismo e individualismo) e a crise das formas tradicionais de trabalho, notadamente o emprego, engendram a crise do Direito do Trabalho, uma vez que atingem seus pilares principais, quais sejam, o Estado, o Direito e o Trabalho.

Márcio Túlio Viana assinala:

Para um regime instável de hoje, um direito precário, fragmentado, quebradiço. Um direito que poderia até ser chamado de pós-moderno, posto que pragmático, caótico, oscilante. Mas que nem por isso deixa de ter uma diretriz: quer se estabilizar na instabilidade, quer flexibilizar para endurecer [as formas de exploração do trabalhador]. Afinal, a empresa exige redução de custos, e um de seus custos é próprio direito (VIANA, 2004, p 169).

Constata-se, no plano jurídico, que os efeitos da crise do Direito do Trabalho são confirmados pela adoção da flexibilização, precarização e sub-contratação (ou terceirização), ressaltando-se a heterogeneidade das formas de trabalho, de ordem sociológica, também conhecida como “trabalho informal”. Estes efeitos indicam que, perante a crise, têm-se identificado tendências ou alternativas para o direito laboral. A grosso modo, pode-se agrupá-las em duas direções: liberalizantes e protecionistas.

Este primeiro grupo sugere que as relações de trabalho devem ter uma maior liberalização na tutela do empregado, afrouxando ou diminuindo a proteção ou mesmo as vantagens estabelecidas na lei ou nas estipulações coletivas ou individuais no contrato de trabalho. Pregam, conseqüentemente, a prevalência da autonomia privada em detrimento da legislação trabalhista, sustentando que seria esta a única forma de garantir empregos diante da competitividade global e das novas formas produtivas.

O sentimento que inspira esta liberalização pode ser representado na afirmativa de Maurice Cohen (apud ROMITA, 2000, p. 185): “O volume do Código de Trabalho engrossa continuamente, enquanto diminui o número de trabalhadores aos quais ele se aplica” Tal idéia pode também ser analizada como:

A legislação estatal, imposta de cima para baixo, enrijece as relações e trabalho, quer individuais quer coletivas. Deixa pouco espaço para a flexibilidade, ou possibilidade de adaptação às exigências de cada hipótese concreta. Esta legislação aumenta constantemente, mas o desemprego reduz o universo de trabalhadores aos quais ela se aplica. Poderia até supor que a rigidez da legislação do trabalho provoca o desemprego. (ROMITA, 2000, p. 185)

Com efeito, o próprio Arion Romita reitera a última assertiva, pois entende que o desemprego também decorre da rigidez ou volume de normas tutelares do trabalhador. Isto porque, segundo Arion Romita (2000, p. 186), esta rigidez dificulta a admissão, ao mesmo tempo em que facilita a atividade informal.

Percebe-se que este pensamento conduz o Direito do Trabalho ao retorno ao plano da igualdade de partes, que caracteriza o Direito Civil. A opção por este modo de conceber o juslaboralismo, importa, de fato, na própria anulação da autonomia do Direito do Trabalho, gerando, sucessivamente, sua destruição. Noutro sentido, a liberalização da tutela trabalhista negaria a sua função eminentemente protetiva do trabalhador, que é a característica essencial e, por lógica, imprescindível ao Direito do Trabalho.

Portanto, a liberalização, que inspira a flexibilização, a precarização e a terceirização, se levada a cabo integralmente, provocará o fim do Direito do Trabalho, porque, ao aplicar ao empregado e ao empregador a igualdade civilista – no sentido formal - , além do retrocesso, estaria ignorando, como almejam seus defensores, a função de proteção dos trabalhadores ante a exploração existente no trabalho subordinado.

O pensamento protecionista é ainda hegemônico, mas encontra-se mitigado por posturas moderadas que têm aceitado a flexibilização, a precarização e a terceirização, desde que observados certos limites. O fundamento deste protecionismo é originado diretamente na exploração do trabalho na sociedade capitalista que impõe individualmente ao trabalhador uma condição mais fraca e dependente. Além deste fundamento, há que se destacar que a dignidade humana é fundamento maior dos ordenamentos jurídicos contemporâneo, que no Direito do Trabalho atrai a proteção ao trabalhador. Leciona Mário De La Cueva que

A finalidade imediata do Direito do Trabalho é elevar os níveis de vida dos homens para que possam desfrutar do espetáculo da natureza e dos bens produzidos pelo trabalho material e intelectual de nossos antepassados e pela ação criadora daqueles que convivem conosco. (CUEVA, 1965, p. 9).

Nesse sentido, não se pode considerar ou tratar igualmente o trabalhador, ainda hipossuficiente, e, por conseqüência, fraco e dependente do trabalho para assegurar sua sobrevivência, com o empregador que detém o poder de admitir e despedir numa conjuntura de altos índices de desemprego e de exclusão social. Com razão Luiz Otávio Renault, ao dizer que

O Direito do Trabalho não se convence do argumento corriqueiro atualmente rechaçado em acanhada proporção até pelo novo Código Civil, que entrou em vigor no dia 11.1.2003, de que todo homem é livre e igual, capaz em direitos e obrigações, por isso apto a celebrar e a cumprir o contrato que desejar com as cláusulas que bem entender, sem dirigismo estatal, sem preocupação com a difusa destinação social do contrato. (RENAULT, 2004, p. 66).

A reestruturação produtiva, as novas tecnologias e a diminuição da intervenção estatal não têm provocado melhoria nas condições de trabalho e remuneração na atualidade, o que mantém a condição de hipossuficiência dos trabalhadores, reafirmando a necessidade de proteção. Depara-se, ao revés, não com trabalhadores dependentes, em larga escala, proveniente da grande fábrica no Estado do Bem Estar Social, mas encontra-se precisamente uma fragilidade difusa, heterogênea e complexa, dificultando a organização coletiva destes trabalhadores e sua capacidade de reivindicação, que tem que conviver com o aterrorizante desemprego.

Urge confirmar a dignidade humana. Na análise de documentos normativos (Carta Internacional dos Direitos Humanos e Constituição Federal), pode-se identificar uma filosofia subjacente aos direitos humanos, centrada na dignidade essencial do homem, que impede toda forma de instrumentalização do ser humano (coisificação). Partindo de um personalismo ético que reconhece em cada homem, um fim, um sujeito, um valor, uma dignidade inalienável, a dignidade humana é conceituada como algo inalienável e com responsabilidade insubstituível. Sendo assim, as modificações nos processos produtivos advindos dos avanços tecnológicos, a reestruturação produtiva e a redução de custos têm que observar estes preceitos, devendo, ainda, ser compromissárias da reinvenção da concepção de trabalho, como expressão de dignidade humana. Assinala Alceu Lima:

Qual a razão última de ser do trabalho e das normas que devem regê-lo? A felicidade humana. O homem, não trabalha para se agitar, para aplicar o excesso do seu dinamismo, para produzir riquezas ou para obedecer a uma injunção divina. O trabalho não é uma agitação vã, nem uma válvula de segurança, nem um dinamismo econômico, nem uma penalidade pelo

pecado. O trabalho é o caminho para a felicidade. O homem trabalha para ser feliz. O trabalho é o meio que lhe permite, moralmente, realizar ou não, condições essenciais de sua felicidade, vencendo ou não os obstáculos que por natureza se lhe opõem. (LIMA, apud PINTO, 2000, p. 1490)

Assim, os novos trabalhadores que se submetem, em razão da necessidade, a contratações flexíveis, novas formas de contratação e até mesmo à inexistência de contratação – precarização, continuam a carecer de proteção. Nestes termos, o princípio da proteção, mesmo estando mitigado pelas tendências liberalizantes, resiste à crise do Direito do Trabalho, tornando imperativo para a (re)afirmação de um Direito do Trabalho comprometido com a proteção do mais fraco e com a dignidade humana. Luiz Otávio Renault apresenta a seguinte razão para a crise:

Talvez a crise exista mesmo e seja fruto da ganância do capital, que flutua por diversos mercados, sempre ávido por mais e mais lucros. Talvez, como assinalado, seja o avanço das novas e modernas técnicas da produção: basicamente a automação, a robotização e a microeletrônica. Talvez o retorno ao individualismo exagerado, fruto de um modelo fordista que esteja realmente em franco declínio. ... Flexibilizar o Direito do Trabalho talvez seja uma maneira, digamos assim, pelo menos jurídica, de colocar o contrato de trabalho um pouco “fora da lei” (RENAULT, 2004, p. 76)

Portanto, as tendências para a crise do Direito do Trabalho aportam em duas correntes: uma liberalizante, expressão genuína do neoliberalismo e incentivadora da flexibilização e da precarização; uma protecionista, que, imbuída do princípio da proteção e corroborando com a dignidade humana, reafirma a natureza tutelar do Direito do Trabalho.

Neste contexto crítico, constata-se que as inovações tecnológicas e a reestruturação produtiva forjaram uma crise no conceito clássico de subordinação, o que também ensejou a crise do Direito do Trabalho. Diga-se, de passagem, que a fuga à subordinação tradicional é notadamente um movimento intencional, pois procura fugir da tutela trabalhista da relação empregatícia, visando à redução das despesas. “Forçado a autonomia, o trabalhador não chega a ser autônomo de fato: mesmo em seu micro-negócio, carrega um estigma de desempregado. Aliás, muitas vezes, continua a ser um verdadeiro empregado, pois a relação de dependência não termina: apenas se desloca e se transveste” (VIANA, 2004, p. 185). Márcio Túlio Viana continua:

O conceito de subordinação, que era unívoco e se ampliava sempre, alcançando um número crescente de pessoas, tende hoje a se partir em dois: de um lado, os realmente dependentes, aos quais se aplicam as velhas

garantias; de outro, os parassubordinados, para os quais se procuram soluções a meio caminho, como acontece com certo projeto de lei. Com isso, de forma inteligente, difunde-se a idéia de que está havendo mais proteção, quando, na verdade, quebra-se a marcha expansiva do Direito do Trabalho: os trabalhadores fronteiriços, que seriam tendencialmente considerados empregados, passam a constituir uma nova (sub)categoria jurídica. (VIANA, 2004, p. 173).

A investigação acerca do princípio da proteção, na contemporaneidade, deverá, necessariamente, perquirir sobre o critério de aplicação do Direito do Trabalho, ou seja, sobre seu critério de aplicação do núcleo basilar do juslaboralismo: a proteção. Neste inter, no capítulo seguinte analisar-se-á os critérios de aplicação do Direito do Trabalho e respectiva crise do emprego, confrontando-os com as novas relações de trabalho.

Capítulo III – Crise da Subordinação Jurídica.

3.1. Intróito.

No capítulo anterior, foram identificados os reflexos nas relações de trabalho do conjunto de fenômenos que foram, nesta pesquisa, intitulados de Crise do Direito do

Trabalho. Constatou-se que as novas relações de trabalho têm se caracterizado como

relações distintas e diferenciadas da relação de emprego, exatamente porque têm mitigado ou mesmo extirpado a modalidade marcante do emprego: a subordinação jurídica. Verifica- se que o declínio do trabalho subordinado associa-se nitidamente à tentativa de elisão da proteção trabalhista. O decréscimo do trabalho subordinado tem sido denominado de crise da subordinação jurídica.

Este capítulo propõe-se a analisar o critério definidor da aplicação da proteção juslaboral nas relações de trabalho: a subordinação jurídica. É através da identificação da relação de emprego, essencialmente vinculada a existência de subordinação jurídica, que se manifesta a aplicação do Direito do Trabalho e, por conseguinte, do seu princípio basilar que é o princípio tutelar ou da proteção.

Tratar-se-á neste capítulo dos critérios utilizados para a aplicação do Direito do Trabalho e a respectiva proteção nas relações de trabalho, especialmente perpassando as teorias da Dependência e Subordinação, bem como investigando a recente noção de parassubordinação. Para tanto, a premissa imprescindível para a identificação dos critérios de aplicação da disciplina estudada reside na investigação da origem do Direito do Trabalho (gênese), ainda que de forma sucinta e, principalmente, no diagnóstico da sua essência e fundamentos (ontologia).

3.2. Gênese.

Cumpre antes de analisar-se a gênese da disciplina laboral, acolher a premissa de Mário De La Cueva, que vincula intrínseca e inseparavelmente o Direito do Trabalho à dignidade humana.