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CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO

Toda disciplina científica pauta-se em um instituto fundamental que, sendo seu objeto, permite a construção de seus conceitos, princípios e regras. É a partir deste pilar que a disciplina inicia sua existência. Definido o instituto fundamental da Disciplina Laboral como o trabalho humano subordinado, cumpre, no passo adiante, a construção de teorias para identificá-lo e distinguí-lo das demais modalidades de trabalho.

Conforme lição consensual da doutrina justrabalhista, o trabalho subordinado é uma espécie do gênero trabalho, forjando a necessidade de definição de critérios distintivos. Em sentido contrário, os critérios distintivos, ao diferenciarem a relação de emprego, são, em verdade, os critérios de aplicação do Direito do Trabalho e da sua respectiva proteção. Nesta perquirição, cumpre, inicialmente, apresentar elementos jurídicos sobre o trabalho.

O conceito jurídico de trabalho deve ser identificado no Direito das Obrigações, utilizando-se da subsidiariedade do Direito comum. Há que se considerar o trabalho como uma obrigação de fazer, eis que consiste na prestação de um serviço. Adverte-se, todavia, que nem toda prestação de fazer pode ser tida como trabalho, isto porque algumas prestações podem ser executadas em nome de uma pessoa jurídica. O trabalho humano há que se feito pessoalmente. Tem-se, a título de exemplo, os contratos de prestação de serviços de apoio empresarial (PINTO, 2005, p. 144), denominados pelo senso comum

como terceirização. Nestes casos, não se pode dizer que a empresa prestadora de serviços de apoio labora, não havendo, portanto, relação de trabalho prestado por pessoa jurídica. Porém, nesta mesma relação, o trabalhador que presta os serviços de apoio em nome da empresa terceirizada mantém, com esta, relação de trabalho. Desta forma, o trabalho é uma prestação de fazer pessoal.

As prestações pessoais são dividas em duas categorias principais e dicotômicas: autônoma12 e subordinada. Na primeira, a obrigação limita-se a um resultado (serviço ou obra), cabendo ao trabalhador a autonomia no modo de fazer, na forma e no tempo, o que atrai os riscos do negócio para si. De forma oposta, tem-se,no trabalho subordinado, a própria sujeição, nos limites do contrato de trabalho, ao tomador dos serviços (empregador), que irá dirigir a prestação, definindo o modo, forma e o tempo de serviço. À luz da noção de trabalho por conta alheia, Manoel Alonso Olea declina que, no trabalho autônomo, o trabalhador detém inicialmente os frutos do labor até o momento da entrega ao tomador, o que não ocorre no trabalho subordinado.

[...] no contrato de trabalho os resultados do esforço do trabalhador passam originária e automaticamente à propriedade do empresário, na empreitada, há assunção inicial da titularidade por parte do executor do trabalho , seguida de uma cessão àquele que de fato contratou. (OLEA, 1969, p. 145).

Assinale-se, então, que o principal elemento diferenciador entre trabalho subordinado e autônomo consiste no objeto do ajuste, uma vez que no primeiro contrata-se a atividade física ou intelectual do trabalhador, já no segundo acorda-se um resultado, proveniente da realização de obra do trabalhador (SANSEVERINO, 1976, p. 45). Acrescenta, a autora italiana, que o autônomo é aquele que tem capacidade organizativa frente à empresa. “Enquanto o trabalhador subordinado não é senão parte da organização que funciona segundo as diretrizes de um terceiro – trabalhador autônomo organiza pessoalmente o próprio trabalho [...]”(SANSEVERINO, 1976, p. 46). No ordenamento jurídico nacional, o conceito de trabalhador autônomo é extraído da legislação previdenciária ( Lei 8213/91).

Na esteira do pensamento de Rodrigues Pinto, há uma subdivisão no trabalho subordinado: empregado, eventual e avulso. Sustenta o autor que a subordinação existe tanto

12 Segundo Antônio Houaiss, a autonomia consiste na “capacidade de se autogovernar” ou, em sua raiz

no vínculo eventual como avulso, não se encontrando, nestas relações de trabalho, os demais caracteres essenciais para configuração da relação de emprego:

Os trabalhadores avulsos e eventuais não passam de subespécies de subordinados, que são identificados pelo traço comum da subordinação de sua energia pelo terceiro a quem aproveitará o resultado, e diferençadas entre si porque a atividade exigida do avulso coincide com a atividade-fim do tomador, o que não acontece com o eventual. (PINTO, J, 2005, p. 108).

Em face da pluralidade de formas de trabalho acima apontada, a doutrina, baseando-se na legislação vigente de cada país, tem criado inúmeros critérios para aplicação do Direito do Trabalho. Amauri Nascimento apresenta um panorama dos critérios de aplicação do Direito do Trabalho:

Quanto aos sujeitos que figuram nas suas relações jurídicas, é possível encontrar, nas diversas posições doutrinárias que se debatem, a concepção

restritiva, que o limita como um direito do empregado, urbano, rural ou

doméstico, o dependente ou subordinado, que, para alguns, como na doutrina espanhola, é o trabalhador por conta alheia; uma corrente

ampliativa, segunda a qual se trata de um direito de todos os que trabalham

por conta alheia e, também, dos trabalhadores por conta própria ou autônomos; e uma variação da corrente da subordinação, defendida por aqueles que admitem um tipo de trabalhador, além dos já citados, intercalado entre o subordinado e o autônomo, que denomina parassubordinado, tese em tem seguidores na doutrina italiana. (NASCIMENTO, 2004, p. 6).

No Brasil, a aplicação da proteção trabalhista limita-se, por força de interpretação da doutrina juslaboral e da jurisprudência, à categoria de trabalho subordinado que se enquadra na relação de emprego. À exceção do trabalho avulso – por força de preceito constitucional, os trabalhadores subordinados somente farão jus à proteção do Direito do Trabalho se os traços da relação laboral forem aqueles previstos da legislação.

Desse modo, o Direito do Trabalho tem se conformado como direito dos empregados, eis que não trata de regular as relações de trabalho, mas tão somente a relação empregatícia e outras relações expressamente estipuladas por lei (doméstico, rural e avulso). No entendimento de Martins Catharino, o contrato de trabalho recebe o nomen juris incorreto, quando deveria denominar-se como Contrato de Emprego13 (1982, p. 217), o que ensejaria chamar o Direito do Trabalho de Direito do Emprego.

13 Convém desvelar o sentido propugnado por Martins Catharino, transcrevendo sua justificativa: “E que quem

ousará afirmar não ser possível, em futuro próximo, falar-se em contrato de emprego como espécie do contrato de trabalho? Para nós, desde já, por forca do expansionismo do Direito do Trabalho, cuja

Todavia as nomenclaturas vinculam-se muito mais ao sentido convencionado pela comunicação, do que aquele sentido etimológico. Desse modo, não obstante o nome atual ser equivocado por excesso, a designação Direito do Trabalho foi convencionada e consolidada. Frise-se que a consolidação da denominação atual decorre de uma motivação sociológica. É que, à época do surgimento, a relação hegemônica era o trabalho assalariado, conduzindo o regramento das relações de trabalho à concentração total no trabalho subordinado. Assim, explica Maurício Godinho Delgado:

Em face da relevância, projeção e tendência expansionista da relação empregatícia, reduzindo espaço à demais relações de trabalho ou assimilando suas normas à situações fáticas originariamente não formuladas como tal, firmou-se, na tradição jurídica, a tendência de designar-se a espécie mais importante (relação de emprego) pela denominação cabível ao gênero (relação de trabalho). (DELGADO; 2005, p. 286).

No plano do ordenamento jurídico, a CLT estabeleceu o conceito de emprego a partir de alguns caracteres. Estes elementos que configuram a relação de emprego são extraídos da interpretação do artigo terceiro do citado diploma:

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e

mediante salário.

Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual. (grifo nosso).

A luz do dispositivo legal, a doutrina ora constata cinco, ora quatro caracteres. Na primeira corrente, entende-se que só haverá aplicação do Direito do Trabalho quando presentes a pessoa física, pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e subordinação (DELGADO, 2005), enquanto que, uma segunda corrente advoga somente por quatro, que são pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e subordinação (PINTO, J, 2005). Adota- se a segunda corrente, ao considerar o caractere pessoa física compreendido por

pessoalidade.

A pessoalidade indica que o contrato de trabalho é firmado intuitu personae em relação ao empregado, sendo este necessariamente pessoa física. O poder de contratar. sinalagma do empregador frente ao caractere da pessoalidade do empregado, é exercido

denominação se faz dia a dia menos defeituosa por excesso. No fundo, trata-se de evolução inevitável, à medida que a importância jurídica crescer na razão inversa dos direitos da propriedade privada.” (CATHARINO, 1982, p. 217)

computando-se as habilidades e qualidades pessoais do trabalhador. Forma-se um vínculo personalíssimo exclusivamente para o empregado, impedindo que este seja substituído por outro, sem o consentimento do empregador.

A não-eventualidade pressupõe que a prestação de serviços não poderá ser eventual ou esporádica. Em face da imprecisão do conceito delimitado pela negativa, quatro teorias apresentam-se na definição da eventualidade. A teoria da descontinuidade sugere que o trabalho eventual é aquele que seja fracionado no tempo e, por isso, não seja contínuo. Saliente-se que tal teoria, mesmo corroborando com a Lei do Emprego Doméstico (5859/72) não se compatibiliza com a CLT que, ao expressar não-eventualidade, não exigiu continuidade temporal. Surge, então, a teoria do evento que vincula o trabalho eventual a fato ou acontecimento ensejador de serviço ou obra, com breve duração, em outras palavras, aquele trabalho relacionado com evento incerto e fortuito. Em face da imprecisão da teoria anterior, a teoria dos fins do empreendimento sugere que o eventual é aquele trabalho não inserido nos fins da empresa. Por fim, a teoria da fixação jurídica alude que trabalhador eventual é aquele que presta serviços a vários contratantes, não se fixando a uma única fonte de trabalho. Considerando as falhas de cada teoria, há que se buscar, na análise do caso concreto, uma conjugação das teorias para se verificar ou não a existência de trabalho eventual.

A onerosidade exige que o ajuste da prestação de fazer seja estipulado a título oneroso, havendo contraprestação salarial devida ao trabalhador pelo serviço prestado. Em verdade, o critério onerosidade procura retirar das relações de emprego aquelas relações nas quais o motivo da prestação dos serviços do trabalhador não é a percepção de salário, mas sim um motivo altruístico, assistencial ou religioso. Em outros termos, não havendo dependência econômica manifestada através do salário, não há necessidade de proteção trabalhista.

Por fim, o último critério exposto pela doutrina é a subordinação. Entretanto, a disposição legal do artigo terceiro da CLT não se refere à subordinação, mas sim a dependência. Este caractere, que na literalidade da lei corresponde à dependência, é tido correntemente pela doutrina e jurisprudência como subordinação. No entanto, há que se investigar inicialmente qual seria o sentido do verbete dependência da norma consolidada, bem como analisar as suas teorias, para, então, discutir-se subordinação jurídica.