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NECESSIDADE DE NOVO(S) CRITÉRIO(S)

As relações contemporâneas de trabalho, seja pela subordinação atípica ou pela mitigação desta, não coadunam com a definição dogmática do critério de aplicação do Direito do Trabalho. A parassubordinação é a exemplar, posto que, sendo proveniente da descaracterização da subordinação clássica através da sua diluição, é definida como a prestação de serviço externalizada e mais em observância aos modos de produzir e fazer determinados pela empresa (TRINDADE, 1998).

A crise da subordinação jurídica produz um paradoxo que afeta sua ontologia: protege uma pequena parcela de trabalhadores tipicamente subordinados, silenciando-se acerca um imenso contingente de trabalhadores hipossuficientes subordinados atípicos ou

parassubordinados. Realça Willis Guerra Filho que a mais valia se amplia nestas novas relações de trabalho:

Retorna, assim, com todo o vigor, neste final de século XX, a mais-valia absoluta, como forma mais adequada de se obter “mais-trabalho”, e agora sem sofrer resistência por parte do movimento sindical, pois os trabalhadores que têm o “seu próprio negócio”, se confundem com seus antigos patrões, com quem passam a ter uma relação puramente “comercial”. (GUERRA FILHO, 2000, p. 78)

O paradoxo está no silêncio, uma vez que sua razão de ser – a proteção aos débeis economicamente - não está sendo observada. Adverte Amauri César Alves:

Ora, se a matriz originária do Direito do Trabalho – fundada na subordinação jurídica clássica como elemento apto a determinar o ente a ser protegido por este ramo especial – não mais consegue sustentar uma

série de relações de trabalho dependentes de tutela, é necessário repensá-la, sob pena de perda do sentido teleológico desta estrutura

jurídica. [...] É necessário que ele continue a proteger a parte

hipossuficiente da relação, ainda que não haja subordinação clássica.

(ALVES, 2004, p. 82, grifo nosso)

Arion Sayão relata o paradoxo que a subordinação causa:

A subordinação jurídica do trabalhador vem sendo ultimamente questionada como suporta da aplicação das normas trabalhistas porque, entre outras razões, produz um paradoxo: fundamenta a exclusão de trabalhadores situados em posição social de carência econômica (como autônomos e parassubordinados), enquanto enseja a concessão de benefícios trabalhistas a quem deles, rigorosamente, não necessita, como dirigentes de empresa desde que formalmente tidos como empregados (ROMITA, 2005, p. 139.)

Lembra Pinho Pedreira (2001, p. 10) que a interpretação dos tribunais trabalhistas tem restringido a dependência à subordinação. A caracterização da dependência do texto celetista como subordinação jurídica foi criação (ou, contemporaneamente, uma limitação) advinda da doutrina trabalhista, com ampla base jurisprudencial. Isto é, é produto da interpretação jurídica, que, por ser histórica, poderá ser refeita, ou mesmo, desfeita. Ilustrativo desta criação (ou redução) é a fala de Maurício Godinho Delgado:

[...] considera-se que a intenção da lei é se referir a idéia de

subordinação jurídica quando utiliza o verbete dependência da

definição celetista de empregado. Para o consistente operador jurídico

onde a CLT escreve ... sob dependência deste deve-se interpretar “mediante subordinação” (caput do art 3º do diploma consolidado).

Hodiernamente, tal exegese, tida como pacífica, depara-se com um conjunto de realidades complexas, heterogêneas e difusas, colocando-a em letargia. O entendimento pacífico do intérprete sobre o que seja dependência conduz a ignorância e passividade perante as novas relações de trabalho arredias à subordinação jurídica, mas impregnadas de dependência do trabalhador. Constata-se uma sonolência mordida interpretativa frente a declínio do emprego e ascensão das novas relações de trabalho.

A redução interpretativa da idéia de dependência à subordinação jurídica foi apontada por Gino Giugni (apud SILVA) como uma distorção:

Essa distorção dos princípios originários teve seu veículo na escolha do conceito de subordinação como critério de identificação da relação de emprego e na sucessiva aceitação dele (que, recorde-se é de emprego universal), por parte da dogmática jurídica, sobretudo italiana, como pressuposto aplicativo do normação protetora, independentemente da condição real dos destinatários. (SILVA, 2001, p. 175).

Ora, a crise delineada conduz à superação, para a identificação de um novo critério para aplicação do Direito do Trabalho. Neste caminho, é primordial problematizar as antigas e dogmáticas dicotomias. Cumpre superar a dicotomia estanque e inócua entre a faceta subjetiva (dependência pessoal) e a objetiva (dever de obediência) do trabalho subordinado. Saliente-se que a relação de autonomia versus subordinação não é distanciada. Ao contrário, estes conceitos estão mais próximos do que separados. Com efeito, o trabalhador autônomo, ao ajustar uma prestação, subordina-se quanto ao resultado (subordinação relativa), enquanto que, no pacto de emprego, a subordinação é totalizante, ao englobar o resultado e o modo de fazer (subordinação absoluta)33.

Há que se fortalecer também dilações dos critérios já existentes ou mesmo entendimentos ampliativos. Neste sentido, a atuação centrípeta do conceito de subordinação pugnado por Martins Catharino (1982, p. 154) aludia a contemporânea necessidade de dilatação da proteção. “[...] a elasticidade do conceito de subordinação atua de maneira centrípeta, atraindo para o centro da disciplina trabalhadores que não são empregados em sentido estrito ou cabal.” (CATHARINO, 1982, p. 154).

Havendo proximidade entre os conceitos, há terreno para se construir uma superação sintética e contemporânea, compromissária da ontologia original juslaboral. A

33 Esta é a lição de Rodrigues Pinto: “o grau de subordinação é relativo [no trabalho autônomo], posto que não

se dirigir para a energia, mas somente para o fim em que será aplicada, conservando o prestador total autonomia, quanto aos meios da execução contratual.” (PINTO, J, 2005, p. 118)

superação conduz a uma concepção mais unitária, posto que a postura objetiva e a subjetiva tratam do mesmo fenômeno do trabalho por conta alheia pessoal e dependente. Tal superação indica uma síntese dos critérios anteriores e, mesmo correndo-se o risco do erro, torna-se imperioso o resgate da dependência social, considerada como uma combinação entre a subordinação jurídica e dependência econômica.

Francesco Santoro-Passarelli, no Direito Italiano, propunha configurar o vínculo empregatício mediante uma relação sucessiva entre estes critérios. Inicialmente, havia de se buscar a subordinação jurídica e, na falta desta, perquiria-se acerca da dependência econômica.

A pessoa do trabalhador fica vinculada ao trabalho que realiza para outrem pela sua subordinação ao empresário e sua admissão na empresa ou pela dependência econômica em que o trabalhador e sua família se encontram, relativamente à remuneração, que é seu único meio de sustento. (SANTORO-PASSARELLI, 1973, p. 1).

Ganha força a composição do critério dependência econômica com a subordinação jurídica no ordenamento nacional. Isto porque, ao dispor sobre dependência sem adjetivo, a determinação do seu sentido caberá ao interprete, mediante a integração, conforme emana o artigo oitavo da CLT. Sendo dependência o conceito legal, irrelevante será o adjetivo atribuído pela interpretação, desde que a dependência confirme a existência da relação de emprego. O argentino Ernesto Krotoschin assim sugeria:

Em realidade, estas duas classes principais de dependência – jurídica e econômica – devem se reunir-se na pessoa qualificada de trabalhador no sentido do Direito do Trabalho. Ambos os conceitos, contudo, hão de ser entendidos em sentido especial, como se verá em seguida, de maneira que parece preferível falar da dependência jurídica-pessoal por um lado, e de

trabalho por conta alheia, por outro. (apud CATHARINO, 1982, p. 209).

Desta forma, a acepção dependência vincula-se a hipossuficiência. Acrescente-se que o sentido desta dependência é, de forma determinante, influenciada pela história que, no caso do Direito do Trabalho, conduz o sentido de que a necessidade dos trabalhadores de sobrevivência obriga-os a vender sua força de trabalho, em uma relação de exploração, caracterizando-os dependentes em relação ao tomador do seu serviço.

Com efeito, o dispositivo legal da CLT não traz nenhum adjetivo ao termo

dependência, sugerindo uma significação ampla, a qual não deve a doutrina limitar em

Propositadamente ou não, o legislador, parco no particular, favoreceu o que chamamos de movimento centrípeto, autorizando, implicitamente, se tenha como empregado todo e qualquer trabalhador que esteja “sob a dependência” de outrem (empregador – art 2º da CLT), seja qual for o tipo ou a espécie de dependência. Assim, o interprete pode (ver CLT, art 442) ser instrumento eficaz de uma política salarial extensiva, sem incorrer em centrifugismo. Havendo trabalho remunerado dependente, quem se dispõe a prestá-lo empregado é. (CATHARINO, 1982, p.164).

Esta conjugação de dependência econômica com a subordinação jurídica opera numa ordem cronológica na aplicação da proteção trabalhista: inicialmente, busca-se a subordinação, sendo esta impossibilitada, recorre-se a dependência econômica. Esta é a argumentação de Martins Catharino. “[...] quando a subordinação chega próxima a zero vale-se da insuficiência econômica do trabalhador para considerá-lo como empregado, ou a ele equiparado” (CATHARINO, 1982, p. 213).

Numa linha análoga, Giancarlo Perone em Lineamenti di diritto Del lavoro, em 1999, sustenta um Direito do Trabalho sem adjetivos. Prega a transformação do “trabalho subordinado para o trabalho centralizado não só na subordinação mas sobre a conexão funcional, continuativa e pessoal para uma organização como contraparte” (apud NASCIMENTO, 2004, p. 413). Nesta proposta, o grau de tutela haveria de ser proporcional ao grau de inserção na atividade produtiva, apesar de ser patente a dificuldade na extensão dos direitos ou mesmo da definição da proporcionalidade desta tutela.

Vale transcrever o Código do Trabalho português, aprovado em 2003, que contém uma conceituação mais ampla e complexa da relação de emprego, minorando o conceito da subordinação jurídica. O artigo décimo da Lei 99/2003, ao definir o contrato de trabalho, formula a subordinação por meio da expressão “sob autoridade e direcção destas”, para adiante, no artigo 12º, presumir haver relação de emprego:

Artigo 12º. Presunção.

Presume-se que as partes celebram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:

a) O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa

do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob orientações deste;

b) O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da atividade ou em local por esta controlado, respeitado o horário previamente definido; c) O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo dispendido

na execução da actividade ou se encontre numa situação de dependência

d) Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da actividade.

e) A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias. (ALVES e GONÇALVES, 2003, p. 48).

A recente legislação portuguesa merece análise ao trazer o conceito clássico (direcção ou subordinação jurídica) conjugado com a possibilidade de configuração da relação de emprego, mediante presunção quando existentes cumulativamente os cinco requisitos descritos. Destaque-se o a reafirmação da dependência econômica e da inserção na estrutura organizativa como critérios capazes de responder protetivamente a relações de trabalho pós-fordistas. No entanto, critica-se a exigência da cumulação dos cinco requisitos, diminuindo a moldura do emprego em Portugal e, por decorrência, limitando o expansionismo.

A definição de novos critérios de aplicação da proteção trabalhista somente poderá lograr êxito se consorciada com o repensar do princípio da proteção. Faz-se imprescindível (re)identificar o princípio da proteção no sistema jurídico brasileiro, no particular à luz da Constituição de 1988 e sob viés do papel dos princípios na contemporaneidade.

Capítulo IV – Crise do Princípio da Proteção.