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A crise estrutural do capital e seus desdobramentos nas políticas

1 A RELAÇÃO TRABALHO E EDUCAÇÃO: UM RESGATE

1.4 A crise estrutural do capital e seus desdobramentos nas políticas

A humanidade chega ao século XXI com dados sobre a condição de vida da grande maioria do conjunto dos trabalhadores nada animadores. A globalização28 e o neoliberalismo apresentam-se com a pretensão de serem os dois pilares hegemônicos capazes de solucionar os problemas dos povos, principalmente, daqueles que vivem nos países ditos periféricos. Porém, nem a mundialização do capital, muito menos a

28Para o pesquisador francês François Chesnais (1996), mundialização seria o termo mais adequado para definir o estágio atual do capital. Na defesa do destacado autor, essa denominação apresentaria duas principais características que a diferenciam da expressão globalização, a saber: primeiro, a expressão mundialização é derivada do francês em vez do inglês, este o idioma internacional do capital; em seguida, carrega em si o mérito de diminuir em alguma medida o efeito ideológico produzido pela nomenclatura globalização.

pretensão de minimizar a participação do Estado na economia, conseguem resolver ou pelo menos amenizar os bárbaros índices de miséria que assolam o mundo.

Cônscios dessa realidade, nossa perspectiva de análise procura encontrar para além da aparência os verdadeiros pressupostos do momento contra-revolucionário por que passa a humanidade. Desta feita, baseados nos estudos do filósofo húngaro Istvan Mészáros, consideramos que a sociedade capitalista passa por sua mais aguda crise, intintulada por esse estudioso de crise estrutural do capital (2003). Portanto, procuraremos agora entender como se consubstancia tal crise e qual sua influência específica em nosso objeto.

Conforme explicita esse autor, em sua forma original, no pré-capitalismo, a produção ainda era orientada para o uso. O capitalismo passou, em sua evolução histórica, a tratar o trabalho vivo como mera mercadoria, desumanizando-o. Nessas condições, portanto, o capital transforma-se em um sistema de controle do metabolismo social, desvalorizando as necessidades humanas, transformando-as em coisas, objetos de produção (2003).

Mészáros (2000) destaca ainda que, através da extração da mais-valia em forma de sobretrabalho, o capitalismo burguês mostra-se ao mundo, evidenciando-se pela primeira vez que o capital reivindica sua condição eterna e indestrutível de gaiola de ferro, da qual nenhuma escapatória negociada pode ou deve ser contemplada. O século XX assiste à fase mais desenvolvida do capitalismo e do sistema do capital, esse último assumindo-se como demiurgo do controle do metabolismo social. São muitos e intensos os avanços tecnológicos e científicos apresentados como conseqüência desse sistema. De outro lado, entretanto, em consonância com as exigências da acumulação, inúmeras crises que ele mesmo criou são registradas, tais como: a falência do Estado intervencionista soviético e do Estado de Bem-estar Social keynesiano; duas grandes guerras mundiais; o esgotamento do padrão de acumulação taylorista-fordista, dentre outros fatores. Esse conjunto de acontecimentos atesta a lógica da dialética do real, comprovando, que o capitalismo só pode existir com desgraça. O autor avança apontando, nesse sentido, que todas as tentativas de adequação do capitalismo em sua crise estrutural serviram somente para hibridizar, ainda mais, o sistema do capital. Observa ele, ainda, que a sempre crescente intromissão do Estado para sustentar o capital serve como base de equilíbrio para este, ou seja, como uma ajuda externa para garantir a perpetuação do lucro ao capital. Nesse sentido, não obstante o discurso

deflagrado em favor do mercado livre da intervenção estatal, a dura verdade é que as empresas capitalistas hoje, como dantes, ou mais do que nunca, não podem prescindir da ajuda do Estado para continuar acumulando lucros.

Aprofundado a questão, Mészáros (2000) diz também que a lógica totalizante do capital, sob pena de comprometer sua reprodução, está absolutamente impossibilitada de abrir mão de qualquer elemento de controle social, o que torna as relações sociais cada vez mais apertadas e tensas. O capital não poderá, destarte, em hipótese alguma, afrouxar seu controle sobre a sociedade. Nesse ponto, o Estado é chamado a intervir com suas políticas públicas de contenção, procurando contingenciar as pressões sociais; por isso, na atual conjuntura, tantos projetos focais e fragmentados são apresentados como solução para os problemas da sociedade, que se oferecem, por sua vez, de natureza cada vez mais estrutural.

A concentração de renda, o aumento da pobreza, do desemprego, dos índices de violência, o acréscimo do número de desabrigados em todo o mundo etc., são indicadores que requerem dos gerentes do capital, políticas públicas destinadas, efetivamente, a minorar as precárias condições de existência a que essas pessoas estão submetidas. E, assim, são apresentados inúmeros projetos pretensamente salvadores da humanidade. Porém, nenhum deles representa o afrouxamento dos mecanismos de controle da sociedade, uma vez que, dialeticamente, vale insistir, aqueles problemas são causados pelo próprio sistema metabólico do capital (MÉSZÁROS, 2000).

É importante, outrossim, assinalar com o autor, que a dimensão horizontal na divisão do trabalho sempre se subordina às determinações verticais, o que impossibilita o livre desenvolvimento das forças produtivas. Como forma de encontrar alternativas ao esgotamento do paradigma de produção baseado nos preceitos de Taylor e Ford, observamos, atualmente, o estabelecimento de formas horizontais de articular produção e trabalho, procurando aperfeiçoar a administração das empresas, buscando otimizar o clima organizacional. No entanto, tais estratégias somente serão postas em prática até o momento em que aquelas medidas não se choquem com as determinações superiores – verticais (MÉSZÁROS, 2003).

A novidade histórica da crise estrutural de hoje, diz esse autor, torna-se manifesta em quatro aspectos principais: (1) seu caráter é universal, em lugar de restrito a uma esfera particular (por exemplo, financeira ou comercial, ou afetando este ou

aquele ramo particular de produção, aplicando-se a este e não àquele tipo de trabalho, com sua gama específica de habilidades e graus de produtividade etc.); (2) seu alcance é verdadeiramente global (no sentido mais literal e ameaçador do termo), em lugar de limitado a um conjunto particular de países (como foram todas as principais crises no passado); (3) sua escala de tempo é extensa, contínua, permanente, em lugar de limitada e cíclica, como foram as crises anteriores do capital; (4) em contraste com as erupções e os colapsos mais espetaculares e dramáticos do passado, seu modo de se desdobrar poderia ser chamado de rastejante, desde que acrescentemos a ressalva de que nem sequer as convulsões mais veementes ou violentas poderiam ser excluídas no que se refere ao futuro: a saber, quando a complexa maquinaria agora ativamente empenhada na ‘administração da crise’ e no “deslocamento” mais ou menos temporário das crescentes contradições perder sua energia (2002, p. 796).

Encoberta sob o pretexto de justificar ou responder a uma suposta 3ª Revolução Industrial, essa seqüência de elementos determinou modificações importantes na esfera produtiva, as quais procuram se adaptar às novas regras do processo de acumulação do capital. No interior da indústria, tais modificações reverberam questionando o aspecto vigente da formação dos trabalhadores. Sustentamos que estaria fertilizada nesse terreno a condição propícia para que o triângulo globalização, neoliberalismo e pós- modernidade surgissem como os paradigmas de um novo tempo.

Ao reconhecer que vivemos hoje imersos em uma crise social profunda, endossamos a defesa que tecem, cada um a seu modo, Hobsbawm, Mészáros, Antunes, Tonet, entre outros, na direção de reafirmar que tal crise é causada pelo próprio capitalismo que, a bem de sua auto-reprodução, procura novas formas para recompor suas perdas e se manter como o sistema central de metabolismo social. Nesse processo, o conjunto dos trabalhadores, sobretudo, os mais precarizados, é submetido a forte coerção social. Contudo, apenas e somente a superação da sociedade de classes regida pelo mercado e a conseqüente emancipação humana das amarras da mercadoria, poderão proporcionar ao ser humano o reino da liberdade.

O desemprego contingencial transforma-se em desemprego estrutural. Isto é, ao mesmo tempo em que o capital se desenvolve, cria-se um contingente humano relativamente desnecessário ao processo capitalista nuclear de produção e consumo de mercadorias. Fica evidente, portanto, que este sistema está marcado a ferro por suas contradições ontológicas, o que torna impossível sua administração com vistas ao

desenvolvimento pleno do gênero humano, e qualquer aspecto positivo – empreendendorismo, trabalhabilidade, laborabilidade ou empregabilidade – não passa de um processo de mistificação totalmente dissociado da realidade histórica e material (MÉSZÁROS, 2000).

A burguesia, entretanto, não reconhece ou finge desconhecer esse cenário. Com base em púberes paradigmas científicos e tecnológicos, exige, para não fugir à regra, novos metodologismos educacionais. Um novo perfil, portanto, é exigido do trabalhador: agora ele precisa compreender as necessidades que as inovações técnico- científicas colocam frente à formação da mão-de-obra; mesmo que essas sejam aligeiradas, fragmentas e contingenciais.

Engana-se, todavia, quem pensar que não existem intelectuais e políticos empenhados em resolver os graves problemas contemporâneos. Muitas são as tentativas que se anunciam bem intencionadas, mas de boa intenção, como diz o ditado teologicamente incorreto, o inferno está cheio. No enlameado terreno de tantas tentativas, duas delas merecem citação por serem referência à nova tomada de rumo do capital nos países periféricos.

No plano de política estratégica, o Congresso realizado em Washington, em 1989, que ganhou popularidade como Consenso de Washington, reuniu economistas latino-americanos de perfil liberal e representante dos organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Central e Secretaria do Tesouro estadunidenses. O encontro, convocado pelo Institute for Internacional Economics, com o tema “Latin American Adjustment: How Much has Happened?” objetivou discutir a urgência e as perspectivas de reformas econômicas na América Latina, como também, o andamento das reformas, àquela época, já em curso. Os principais pontos discutidos foram: 1) Disciplina Fiscal; 2) Focalização dos Gastos Públicos; 3) Reforma Tributária; 4) Liberalização Financeira; 5) Taxa de Câmbio Flutuante; 6) Liberalização do Comércio Exterior; 7) Eliminação de Restrições ao Capital Externo; 8) Privatização; 9) Desregulamentação; 10) Defesa da Propriedade, dentre outras artimanhas presentes nas cartolas burguesas.

No plano educacional, ganhou também elogios dos defensores da ordem capitalista, a Conferência Mundial de Jomtien, ocorrida na Tailândia, em 1990, em

torno do sugestivo tema Educação para Todos, na qual, representantes de 155 países e 120 organizações não-governamentais produziram uma Declaração Mundial sobre Educação para Todos e um Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem [...] (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA, 2004). É exatamente a partir desse evento, que o pesquisador Roberto Leher (1999) destaca o início da participação do Banco Mundial (BM) como o Ministério Internacional da Educação para os países periféricos.

É, também, nessa reunião, como indica a pesquisa de Jimenez e Mendes Segundo, que a educação

passa a ser tratada, ao mesmo tempo, como uma estratégia política e uma variável econômica capaz de impulsionar o pretendido desenvolvimento e a redução da pobreza: de forma condizente, portanto, com o discurso do Milênio e, como não poderia deixar de ser, com as necessidades de reprodução do capital (2006, p. 6).29

E, com suporte nessas reuniões, a burguesia e seus representantes implementaram reformas na formação profissional pelo mundo afora. Dois pontos de importante verificação, todavia, não são analisados por esses sábios intelectuais de ofício: de um lado os avanços tecnológicos e científicos fabricam cada vez mais instrumentais sofisticados, que, como adverte Souza Jr. (2006, p. 7), serão operados por uma quantidade relativamente pequena de trabalhadores que precisam apresentar qualificações técnicas relativamente superiores às usadas no padrão taylorista-fordista. De outro ponto, a desqualificação é insubestimável, pois diversas empresas e ramos produtivos operam com processos complexos e sofisticados, mas ainda não aboliram completamente o modelo anterior, necessitando de qualificação genérica que possibilite apreender as variações da ciência e da tecnologia; sem contar o alarmante contingente de desempregados e subempregados que não contam com formação alguma. Não é possível, portanto, encontrar a solução para tais problemas na educação profissional. Como diria Marx, está formação não atende nem as exigências do famigerado mercado de trabalho, quanto mais do conjunto dos trabalhadores (MANACORDA, 2006).

29 O Consenso de Washington, bem como a Conferencia de Jomtiem, terão atenção especial no capítulo 4 desta investigação.

Como uma parede de concreto que pretende jamais perder “o prumo nem o esquadro tampouco o nível,” 30 a educação profissional é mantida como uma grande arma para que os trabalhadores e seus filhos enfrentem os desanimadores desafios do alvorecer do século XXI; sejam eles de qualificação, de desemprego ou mesmo de formação humana.

É precisamente nesse cenário que a graduação tecnológica é apresentada como uma opção aos filhos de trabalhadores que sonham em cursar o ensino superior. De quebra, o governo esbraveja que está resolvendo o problema de expansão de vagas nesse nível de ensino.

Para que esta pesquisa possa se encaminhar com firmeza dentro desse debate, torna-se necessário que analisemos a relação trabalho e educação, realizando, de modo especial, um exame crítico sobre as políticas públicas brasileira de formação profissionalizante.

30 No Nordeste brasileiro é comum a utilização de termos como prumo, nível e esquadro, entre os trabalhadores da construção civil para designar o perfeito andamento da construção (obra); entre os engenheiros e arquitetos, essas três grandezas indicam a base de uma construção corretamente equilibrada.

2 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: