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A culpabilidade no funcionalismo sistêmico de Jakobs

2. A CULPABILIDADE NA SUA ACEPÇÃO DOGMÁTICA COMO PARTE

2.7. Culpabilidade e funcionalismo penal

2.7.2. A culpabilidade no funcionalismo sistêmico de Jakobs

Os que se dedicam ao estudo aprofundado do penalista alemão Gunther Jakobs identificam na evolução do pensamento do autor três fases distintas288.

284 ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención em derecho penal. Traduzido por Francisco Muñoz

Conde. Madrid: Reus, 1981, p. 73

285 Idem. Derecho penal: parte general: fundamentos: La estructura de La teoria del delito. Vol I.

Traduzido por Diego-Manuel Luzón Peña Miguel Díaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal Madrid: Civitas, 1997, p. 99-100

286 Idem, ibidem, p. 101

287 Idem. Culpabilidad y prevención em derecho penal. Traduzido por Francisco Muñoz Conde.

Madrid: Reus, 1981, p. 94

288 Para um estudo detalhado da matéria, v. BARREIRA, César Mortari. Entre direito penal e

criminologia crítica: uma nova agenda de pesquisa a partir da relação entre Günter Jakobs e Niklas

Luhmann. Dissertação (Mestrado em Direito)-Faculdade de Direito da PUC. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.

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Embora identificadas variações, durante essa evolução o que orienta a sua visão acerca das estruturas do direito penal é a macrossociologia de Lhumann, que embasa a sua compreensão do delito “como perturbação das expectativas normativas juridicamente garantidas, posteriormente compreendidas como identidades da sociedade”289. É em razão desse pilar da teoria dos sistemas de Lhumann que o funcionalismo de Jakobs é classificado como sistêmico.

A influência de Lhumann em Jakobs é percebida, dentre outros, por Roxin, que afirma:

Jakobs, en su muy prestigioso manual, vuelve del revés la concepción de su maestro Welzel, al partir de la base de que conceptos como causalidad, poder, acción, etc., no tienen un contenido prejurídico para el Derecho penal, sino que sólo se pueden determinar según las necesidades de la regulación jurídica. Metodológicamente, la especial originalidad de su concepción sistemática estriba en el hecho de que formula la dogmática jurídicopenal en los conceptos y categorías de la teoría de los sistemas sociales (sobre todo de Luhmann).290

Dados os limites impostos neste estudo, e em razão da metodologia adotada, uma análise dessas fases não se torna possível. A narrativa tomará por base o pensamento de Jakobs acerca da culpabilidade expresso no seu Tratado de direito penal291, por se tratar da obra mais atual em que ele expõe a sua teoria de

forma sistematizada.

Diferentemente de Roxin, que concebe a culpabilidade diretamente influenciada pela finalidade da pena, tendo aquela como limite desta, Jakobs a idealiza como medida que tem o fim de preservar a eficácia normativa. Trata-se de uma “responsabilidade pela falta de motivação jurídica dominante em um comportamento antijurídico”292. Não basta, para a aplicação da pena, a prática de um ato que se considere típico e ilícito, eis que pressupõe, também, a

289 BARREIRA, César Mortari. Entre direito penal e criminologia crítica: uma nova agenda de

pesquisa a partir da relação entre Günter Jakobs e Niklas Luhmann. Dissertação (Mestrado em Direito)-Faculdade de Direito da PUC. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014, p. 17

290 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: fundamentos: La estructura de La teoria del delito.

Vol I. Traduzido por Diego-Manuel Luzón Peña Miguel Díaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente

Remesal Madrid: Civitas, 1997, p. 205

291JAKOBS, Gunther. Tratado de direito penal: teoria do injusto penal e culpabilidade. Coordenação

e supervisão de Luiz Moreira. Traduzido por Gercélia Batista de Oliveira Mendes e Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

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responsabilidade, que se verifica quando ao autor “falta disposição para se motivar de acordo com a norma”293.

Essa concepção de culpabilidade se vincula à compreensão de Jakobs acerca da pena. Para o penalista de Bonn, a função da pena “é a preservação da norma enquanto modelo de orientação para contatos sociais”294. Isso se explica porque a convivência social só é possível à medida que os indivíduos nutrem expectativas, que se referem ao cumprimento da norma. Quando alguém, através de um comportamento, contraria o comando normativo, essa expectativa se vê frustrada (violação normativa). Uma violação normativa é a desautorização da norma, que gera um conflito social, porque a norma é questionada enquanto modelo de orientação. A pena, assim, consiste na reação a esse conflito, ou seja, na “oposição à violação normativa executada à custa do agente”295.

A razão do punir, portanto, está na finalidade de manter a confiança na norma, embora reconheça o autor que a pena pode ter outros efeitos, como a intimidação do indivíduo punido ou de terceiros. Contudo, tais consequências, causadas não pelo reconhecimento da norma, mas pelo temor, são complementares, que podem até ser desejadas, mas a sua produção não se insere na função da pena.296

É essa finalidade atribuída à pena que orienta o conceito de culpabilidade, que, segundo Jakobs, deve ser construído funcionalmente, como “conceito que apresenta um rendimento de regulamentação conforme uma determinada máxima de regulamentação (conforme as exigências de finalidade da pena) para uma sociedade de determinada constituição”297.

Por isso concebe a culpabilidade como um déficit de motivação jurídica. Conforme as palavras do próprio autor:

Na questão acerca do caráter culpável da ação trata-se do fato de que a ação antijurídica é expressão de um déficit de fidelidade ao direito ou de que o autor pode ser distanciado da antijuridicidade de sua ação. Para se investigar isso, o sistema psicofísico deve ser

293 JAKOBS, Gunther. Tratado de direito penal: teoria do injusto penal e culpabilidade. Coordenação

e supervisão de Luiz Moreira. Traduzido por Gercélia Batista de Oliveira Mendes e Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 675

294 Idem, ibidem, p. 27 295 Idem, ibidem, p. 26 296 Idem, ibidem, p.34 297 Idem, ibidem, p.693

101 constituído de modo diferente do que no conceito de ação. Enquanto no conceito de ação é tratado como assunto do autor, como se poderia motivar para evitar, trata-se, na culpabilidade, da determinação de quais fatores relevantes para a motivação pertencem ao âmbito de tarefas do autor e a quais fatores o autor pode remeter como não disponíveis a ele.298

Essa construção do conceito de culpabilidade, vinculado à finalidade de prevenção geral positiva da pena, descarta por completo o livre-arbítrio como seu suporte material. O que importa são os fundamentos motivadores do comportamento que conflita com a norma. Considerar o livre-arbítrio como requisito da culpabilidade seria rejeitar a sua dimensão social. Demais disso, somada à sua indemonstrabilidade, o poder individual de agir de outro modo, considerado por alguns como uma ficção necessária ao Estado, pode ser entendido como uma construção normativa. O âmbito do culpável é, assim, um espaço para a autodeterminação no sentido de uma falta de obstáculos juridicamente relevantes para os atos de organização.299

No tocante à relação entre a culpabilidade e a medida da pena, a vinculação que se estabelece é com a finalidade da pena defendida pelo professor alemão (prevenção geral positiva fundamentadora). Como a finalidade da pena é a estabilização normativa, a imputação ao autor deve ser necessária porque consiste na resolução do conflito, que não pode ser dirimido senão pela punição. A medida da culpabilidade é balizada pelo necessário, de modo a impedir o cometimento de arbitrariedades .300

Não se levam em conta quaisquer aspectos de intimidação geral ou ressocialização, considerados como efeitos secundários da pena que não se confundem com a sua finalidade. De igual modo, critérios moralizantes e eticizantes também são descartados.

O penalista de Bonn questiona qualquer tipo de relação minimamente fixável da medida da pena quando a culpabilidade vem desconectada de uma finalidade. O limite da culpabilidade deve ser orientado com os fins preventivos da pena:

298 JAKOBS, Gunther. Tratado de direito penal: teoria do injusto penal e culpabilidade. Coordenação

e supervisão de Luiz Moreira. Traduzido por Gercélia Batista de Oliveira Mendes e Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p.690-1

299 Idem, ibidem, p. 694-7 300 Idem, ibidem, p. 700

102 Quando foram estabelecidos os moldes do direito vigente, já era há muito conhecido que a pena se refere a uma compensação da culpabilidade no máximo do preventivamente necessário. Logo, o sistema penal não é nenhum reflexo de uma culpabilidade entendida livre de finalidade, mas de uma “culpabilidade” há muito limitada preventivamente.301

Em consonância com a teoria elaborada por Jakobs, a pena adequada à culpabilidade é sempre necessária, visando com isso a estabilização normativa, “a renúncia a uma pena adequada à culpabilidade seria um abandono do jurídico”302, embora se admita que o legislador possa optar pelo abandono da estabilização da norma em nome de interesses maiores.

O autor também defende a elaboração de um tipo de culpabilidade, que é composto pelos elementos que devem ser realizados para que se configure a infidelidade ao direito (motivação juridicamente falsa e responsabilidade por ela). Ao lado desse tipo positivo, verifica-se o tipo de exculpação, constituído pelos elementos da inexigibilidade. Da ligação entre ambos redunda o tipo total de culpabilidade.303

O primeiro dos elementos identificados do tipo positivo de culpabilidade é a imputabilidade, a cuja definição se chega levando em conta um critério de igualdade:

Imputável é uma pessoa que é definida como igual. A igualdade pressupõe que aqueles fatores, os quais formam ou não impedem, em seus trações essenciais, o acontecimento motivador do autor, formam ou não impedem, segundo suas características, ubiqüitariamente um acontecimento motivador (no delito de omissão há de se referir ao fato de que se a motivação para uma ação de salvamento não ocorre em condições ou se é impedida por fatores que advém ubiqüitariamente). O que importa é apenas a espécie dos fatores fundamentais relevantes para a motivação, não o conteúdo da intensidade, esses são evidentemente individualmente distintos. Em uma situação motivacional igual em seus traços essenciais e segundo sua espécie, a infração à norma por um sujeito é um exemplo de infração à norma por um autor igual a qualquer pessoa e, por isso, um ataque à validade das normas para todas as pessoas.304

301 JAKOBS, Gunther. Tratado de direito penal: teoria do injusto penal e culpabilidade. Coordenação

e supervisão de Luiz Moreira. Traduzido por Gercélia Batista de Oliveira Mendes e Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 700

302 Idem, ibidem, p. 701 303 Idem, ibidem, p. 708 304 Idem, ibidem, p. 710-11

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Ao lado da imputabilidade se acha a intelecção do injusto, que se materializa quando o autor pratica um determinado comportamento desprezando o comando normativo ou o fundamento de validade da norma. Por fim, o tipo de culpabilidade negativo é identificado a partir da inexigibilidade, excluindo-se a culpabilidade quando o indivíduo age em uma disposição escusante ou diante de um contexro escusante.305

2.8. Outras propostas acerca da culpabilidade