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Binding e o nascimento da culpabilidade

2. A CULPABILIDADE NA SUA ACEPÇÃO DOGMÁTICA COMO PARTE

2.3. Binding e o nascimento da culpabilidade

Conforme David de Paiva Costa Tangerino, uma perspectiva sistemática acerca da culpabilidade se inaugura com a obra de Karl Binding, As normas e suas violações, publicada em 1872. Explica o autor que essa sistematização partiu do descontentamento do penalista alemão com a insuficiência teórica da imputação para os delitos negligentes, do que resultou a acepção da culpabilidade como elemento integrante de uma teoria do ilícito penal.157

Para Binding, a culpabilidade se subsume em uma ação culpável, que pode ou não ser punível. A partir disso, difere os conceitos de crime e delito, sendo este reservado àquelas ações a que a lei não atribui pena e aquele referente às ações puníveis. Crime seria, então, um delito punível. Já a culpabilidade, como ação culpável, não só se constitui como pressuposto iniludível da pena como também seu fundamento jurídico158.

155 FERRI, Enrico. Sociologia criminal. Trad. Soneli Maria Melloni Farina. Sorocaba: Minelli, 2006, p.

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156 TANGERINO, Davi de Paiva Costa. Culpabilidade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 199-204 157 BINDING, Karl. La culpabilidade em derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá. Buenos Aires:

Julio César Faira, 2009, p. 50

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Mais especificamente, para Binding, culpabilidade é o comportamento voluntário de um sujeito capaz de ação enquanto causa de uma antijuridicidade159. Consiste, em primeiro lugar, na realização de uma vontade por um sujeito que não tenha sido declarado incapaz de agir, sendo que a capacidade de culpabilidade é uma questão que se refere ao caso concreto160. Mas a ação não se constitui unicamente no desencadear de um movimento através dos órgãos motores, senão também na omissão própria. O descumprimento de um mandado de ação, em verdade, se configura em uma ação perturbadora do direito161.

Integra o atuar delitivo, pois, a ação que se oponha à vontade do direito, ou seja, à norma, que subjaz à lei penal. Essa contrariedade à norma se converte em um fato antijurídico e consiste, ainda, no tipo objetivo do delito, que vai se converter em delito propriamente apenas se a vontade do autor se transformar em culpabilidade, o que se dá quando esse comportamento contiver a carga de juridicamente reprovável, reprovabilidade esta dirigida ao autor do fato, de acordo com as exigências do ordenamento jurídico apontadas precisamente a ele, pessoalmente.162

A culpabilidade é sempre antijurídica, à medida que Binding não separa antijuridicidade de antinormatividade e rejeita critérios éticos para a construção desse conceito, ressaltando a diferença entre culpabilidade moral e jurídica:

La culpabilidad jurídica y la culpabilidad moral muestran diferenças profundíssimas, y merece rechazo más decidido la extendida convicción de que el Derecho habría tomado el concepto de culpabilidad de la ética. Justo ló contrario es ló correcto.

La palabra culpabilidad [Schuld], perteneciente a los estratos más antiguos de la lengua germânica, y em estrecha relación com skulan, esto es, deber [sollen], significa originariamente aquello que es debido, más exactamente, el pago que debe acerse, y, según parece, originariamente, el que es debido por um crimen, pero adopta ya em los dialectos alemanes más atíguos el significado del fundamento de esse pago, es decir, se convierte em la denominación del hecho malo, del injusto que há de expiarse163.

159 BINDING, Karl. La culpabilidade em derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá. Buenos Aires:

Julio César Faira, 2009, p. 12

160 Idem, ibidem, p. 7 161 Idem, ibidem, p. 7 162 Idem, ibidem, p. 8-9 163 Idem, ibidem, p. 11

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Como se pode perceber, a ideia de norma é fundante de seu pensamento. Consiste, basicamente, nas proibições e mandados que emanam do ordenamento jurídico e se dirigem aos indivíduos, ao passo que não se confunde com a lei penal:

He propuesto determinar normas a estas prohibiciones y mandatos, contraponiéndolos com toda claridad a las leyes penales, que al día de hoy siempre han de pertenecer al Derecho escrito. La ley penal nunca tiene, ex professio, el cometido de imponer deberes a los partícipes de la comunidad jurídica: ni siquiera se dirige a ellos, al que atribuye deberes de tolerar la pena. La primera parte de la ley penal siempre contiene la indicación de uma acción contraria a la norma, es decir que pressupone la prohibición o el mandato dirigido a los integrantes de la comunidad jurídica, pero no ló es ella misma. La expressión corriente de que el delincuente contraviene las leyes penales enuncia un impossible. Precisamente porque la acción del delincuente se adapta como un guante a la primera parte de la ley penal, es decir, es conforme a ella y precisamente no la contraviene, puede ser penado em virtud de la ley penal164

São duas, para Binding, as espécies de culpabilidade: a dolosa e a imprudente. A primeira delas consiste na ação intencional consubstanciada na vontade voltada ao cometimento do delito, praticada por alguém que seja capaz, lembrando que, para o autor, a omissão também consiste em um agir. Para Binding, o dolo pressupõe a consciência da antijuridicidade:

El concepto de dolo es plenamente unitário. Todo delito es antijurídico: que el tipo legal repita esta palabra o no es completamente indiferente. Por ello, “dolosamente antijurídico” y “doloso” significam en la ley penal exactamente lo mismo165

A caracterização da culpabilidade imprudente deve levar em conta a existência de um dever. Nas ações que venham a ser externadas, exige-se que o autor faça um exame prévio suficiente a ponto de perceber o seu caráter antijurídico. A infração desse chamado dever de diligência se leva em consideração na medida em que seu cumprimento seja conditio sine qua non para a evitabilidade de um atuar antijurídico.166 Importante ressaltar que Binding também rechaça, nesse aspecto, a noção de dever objetivo, que se refere a um modelo de indivíduo inexistente:

164 BINDING, Karl. La culpabilidade em derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá. Buenos Aires:

Julio César Faira, 2009, p. 8

165 Idem, ibidem, p. 41 166 Idem, ibidem, p. 124

68 [...] el ser humano modélico imaginado, situado en su inmutable perfección por encima del destino de los humanos, el diligentíssimo

pater famílias y sus congêneres em todos los ámibitos de la vida, se

condensan em criterios personificados.

Puesto que el acusado com toda certeza no es tal ser humano modédilico, que nunca há existido, su destino queda sellado. Tal criterio objetivo constituiría uma brutal praesumptio culpae.167

O ineditismo do pensamento de Binding se revela, principalmente, pela necessidade de conhecimento da norma como pressuposto para a capacidade de ação e, via de consequência, do delito. Isso deriva de sua vinculação a um positivismo normativo, sendo o direito positivo, para ele, o único objeto do direito penal. A norma deve desempenhar um papel concreto no direito sob pena de ter de se levar em conta critérios de cognição valorativa que se aproximam do direito natural, tido como indesejável, sob a sua perspectiva.168