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A cult ura sam pler t em seus herdeiros ( ?

No documento Rodrigo Minelli Figueira.pdf (páginas 68-80)

Conform e afirm a o aut or, “ no inst ant e em que Daguerre conseguiu fixar as im agens da câm era obscura, nest e m om ent o os pint ores haviam sido despedidos pelo t écnico” . ( BENJAMI N, Walt er, “ Pequena hist ória da fot ografia” in KOTHE, 1985: 224)

Nest e inst ant e presenciava- se a passagem do art esanal ao m ecânico, e o hom em t eria ent ão que t er dom ínio não apenas sobre as suas próprias m ãos, m as t am bém sobre as m áquinas que, a part ir de ent ão, usaria para produzir e reproduzir o m undo. Mas se est e t écnico, que sabe com o fazer para que a m áquina desem penhe suas funções e produza aquilo que se desej a, deve, ainda assim , usar de suas habilidades m anuais, para at uar no cont role do funcionam ent o e fazer a m anut enção de seu inst rum ent o de t rabalho.

O pint or que se t orna t écnico, com o diria Benj am in acerca do prim eiros fot ógrafos, guarda com o herança as form as ant eriores de ( re) produção e “ ( …) a experiência de seu ganha- pão ant erior lhes foi út il, m as não a sua form ação art íst ica: é à sua form ação art esanal que se deve o elevado nível de sua produção fot ográfica” ( ibid.) .

Além disso, no art esanal, a necessidade da m ão hum ana na

m anufat ura faz das obras peças únicas e dot adas de “ aura”22, o que

22 "( ...) o que é a aura? É um a figura singular, com posta de elem entos espaciais e tem porais: a aparição

dificult a a reprodução. Com as possibilidades de reprodução, caract eríst icas da nova et apa da produção hum ana, o m ecânico, com suas form as de represent ação t ípicas, a fot ografia e o cinem a, inaugura- se um a nova form a de ent endim ent o sobre o “ fazer” e sobre as form as de produção. A “ reprodut ibilidade t écnica” corresponderia, nest e sent ido, à noção que caract eriza, a part ir de ent ão, as form as da Cultura.

Sucedeu um a série de m udanças nas form as de produção. Seguiram - se as passagens do m ecânico ao elet rônico e deste ao digit al, e, assim com o as form as de produção, as form as de represent ação t ransform aram - se e a im agem , ult rapassado o suport e m at erial – físico, nas pint uras e o físico- quím ico, na fot ografia e no cinem a –, passa por um a nova m ut ação, sendo agora const ruída

at ravés de m eios elet rônicos e digit ais ( MACHADO, COUCHOT)23.

Para que possam os com preender t ais m udanças é necessário t er em m ent e que cada vez m ais, a um a especialização t ecnológica, correspondeu t am bém um a nova form a de organização e est rut uração de linguagens,

um a cadeia de m ont anhas no horizonte, ou um galho, que proj et a sua som bra sobre nós, significa respirar a aura dessas m ontanhas, desse galho." BENJAMI N, Walt er, "A obra de art e na era de sua

reprodut ibilidade técnica", in KOTHE, 1985: 224/ 36

23 Ver MACHADO, Arlindo, in “ Máquina e I m aginário” e COUCHOT, Edm ond, “ Da represent ação à

sim ulação: Evolução das t écnicas e das art es da figuração” in PARENTE, André ( Org.) “ I m agem Máquina – A Era das t ecnologias do virtual” ;

“ A relação ent re cinem a e elet rónica digit al pode t am bém ser descrit a com o a t ransição de um m odelo processual com binat ório de códigos het erogéneos ( o cinem a) para um m odelo processual sint ét ico de códigos het erogéneos; aquilo que no cinem a é de fact o com binado, m ont ado, na elect rónica digit al é sint et izado, m ist urado.” ( BALZOLA, Andrea, “ Para um a virgindade póst um a do engenho audiovisual” in ARI STARCO,1990: 152)

Se a caract eríst ica fundam ent al do período m ecânico podia ser ident ificada na possibilidade da reprodut ibilidade t écnica, nos t em pos do digit al o que faz a vezes de elem ent o definidor é a idéia de sínt ese e da m ist ura de elem ent os het erogêneos.

O com put ador é hoj e um a das principais ferram ent as de com posição, produção e pós- produção e possibilit a a m anipulação de arquivos de som e im agem , em program as que perm it em o sequenciam ent o dos m ais diversos arquivos, sua sobreposição e m ixagem , alt eração e aj ust e de t em po, volum e e equalização, coloração e m at iz. Arquivos digit ais podem ser produzidos at ravés do uso de inst rum ent os m usicais, m icrofones, sint et izadores, sequenciadores e sam plers, para a produção sonora, e de scanners, softwares gráficos e câm eras, para a produção visual de im agens

digit ais nos m ais diversos form at os e form as de dist ribuição.

As possibilidades abert as pela criação e m anipulação digit al fizeram com que novos elem ent os e caract eríst icas fossem acrescent ados às t radicionais form as da cult ura e colocaram em j ogo t oda um a nova form a de produção art íst ica e de problem as para a com preensão das obras e da est ét ica por elas propiciada. Da m esm a form a que os m eios digit ais se int roduziram na vida cot idiana, acont eceu t am bém com relação ao conj unt o da cult ura cont em porânea. Com o afirm a Margot Lovej oy,

“ ( …) os recent es desenvolvim ent os das m ídias digit ais revigoraram as discussões sobre o im pact o cult ural da t ecnologia, porque as im plicações dest as t ecnologias são, nest e m om ent o, únicas” [ e, adiant e] , ( …) os avanços tecnológicos inform am fort em ent e nossa base de conhecim ent o e afet am t odas as prem issas da vida, alt erando a form a com o vem os e pensam os.”24

24 “ ( …) recent developm ent s in digital m edia have reinvigorated discussions about the cult ural im pact of

technology because the im plicat ions of these t echnologies are, at the m om ent , unique.” ( …) “ technological advances inform powerfully our knowledge base and affect all t he prem isses of life, alt ering t he way we see and t hink.” ( conf. MOSER, Mary Anne in “ I m m ersed in Technology – Art and Virt ual Environm ent s” ) .

Assim , os com ponent es est ét icos que definem a cult ura cont em porânea, “ um a cult ura de reciclagem , cit ação, apropriação, colagem , m ont agem , m ist ura e recont ext ualização” ( BOI SVERT)25

podem ser analisados at ravés da noção de “ cult ura visual digit al” e da noção de “ cult ura sam pler” . E, para pensá- la, é preciso lançar m ão de conceit os vindos da t eoria e da hist ória da m úsica, em especial a m úsica cont em porânea, pois m uit os dos procedim ent os est ét icos dest a cult ura sam pler t êm sua origem nos conceit os e prát icas dest e seguim ent o ou fenôm eno cult ural.

Russolo afirm ava, ainda em 191326, que, se ant es da era

m ecânica, na Ant iguidade só havia o silêncio, com a chegada da m áquina no século XI X, nascia o ruído que chegara para se im por “ ( …) soberano sobre a sensibilidade hum ana” fazendo com que a com preensão do universo m usical se t ransform asse e possibilit ando que art ist as post eriores, com o por exem plo John Cage, pudessem am pliar t al noção afirm ando que “ ( …) se aceit a deixar de part e t udo

aquilo que se define com o m úsica, t oda vida se t ornará m úsica.”27

25 BOI SVERT, Anne- Marie “ ( …) a cult ure of recycling, quot ing, borrowing, collage, m ontage, m ixing, and

recontext ualizing.”

Disponível em : < ht tp: / / www.horizonzero.ca/ t extsit e/ rem ix.php?is= 8&file= 4&tlang= 0> , Acesso em : 25, ago. 2007.

26 RUSSOLO, “ A arte dos ruídos” in BERNARDI NI , ( 1979)

27 conf apud in BALZOLA, Andrea, “ Para um a virgindade póst um a do engenho audiovisual” in ARI STARCO,

A part ir dest a acepção, t ant o ruídos, quant o o próprio silêncio, ou o som de m áquinas e de aparelhos elet rônicos podem e devem ser considerados m úsica, assim com o aquela produzida por inst rum ent os dit os “ convencionais” .

Com isso, e com as novas possibilidades t écnicas de produção, com o a gravação de sinais elet ro- elet rônicos em m ídias m agnét icas, foi possível o surgim ent o de um a nova form a de concepção e com posição, que se m at erializou na cham ada “ m úsica elet rônica” .

Est a em ergiu no final dos anos cinqüent a e podem os ident ificar suas m at rizes com o herança dos pressupost os de duas escolas que, por suas pesquisas e avanços, definirão a “ nova est ét ica” m usical. Em Paris, com andada por Pierre Schaeffer e sua m úsica concret a, a pesquisa se direciona em função da busca de se processar a

“ ( …) t ransform ação de < < obj ect os sonoros> > , com o ent ão definiu qualquer som ( inst rum ent al ou vocal) e qualquer ruído ( o que, ent re out ras coisas, cont ribui para fazer cair qualquer barreira ent re som e ruído.” ( conf. GELMETTI , Vit t orio, “ A qualidade inaudit a do som em com put ador” in ARI STARCO, 1990: 216)

Quase sim ult aneam ent e, surge na cidade alem ã de Colônia a m úsica experim ent al produzida por m eio de com ponent es elet rônicos nos est údios da rádio WDR, conduzida por Herbert Eim ert e que buscava a “ ( …) const rução de sonoridade elem ent ares e com plexas produzidas, de form a t axat iva, som ent e com sons produzidos elet ro- acust icam ent e em laborat ório” ( conf. GELMETTI , op. cit.: 216) .

A m úsica elet rônica é um a linha - m uit as vezes descont ínua e fragm ent ada que liga est a cena do experim ent alism o europeu,

passando por Edgar Varese28 e St ockhausen29, conect ando

experiências levadas a cabo por art ist as com o Holger Czukay ( um dos m em bros fundadores do grupo de krautrock alem ão Can) que, t rabalhando dent ro dos conceit os propost os pela m úsica concret a, produziu um a série de álbuns que influenciaram decisivam ent e o t rabalho de m úsicos com o David Byrne e Brian Eno e que por sua vez se conect am à elem ent os da disco m usic e do underground negro de Det roit e Nova I orque, passando pela pop m usic - que irá t ornar- se um dos fenôm enos cult urais m ais m arcant es da sociedade cont em porânea.

Dent re os procedim ent os represent acionais iniciados nest a cult ura m usical, podem os dest acar t écnicas t ais com o o “ scrat ch” , o

28 Com positor francês, nascido em 1883 e falecido em 1965.

29 Karlheinz Stockhausen ( nascido em 22 de Agosto de 1928) com positor alem ão e um dos m ais

im portantes e controversos com positores do século XX. Mais conhecido por seu t rabalho precursor na m úsica eletrônica e na m úsica serial.

“ sam ple” , o “ loop” , o “ m ult iplexing” , o “ overdub” e o “ rem ix” .

A est as t écnicas correspondem com ponent es est ét icos que se t raduzem nos conceit os de ruído ( scrat ch) , fragm ent ação e am ost ragem ( sam ple) , reit eração ( loop) , organização por cam adas ( m ultiplexing) , sobreposição ( overdub) e não- linearidade ( rem ix) . Em nosso ent ender, t ais conceit os caract erizam aquilo que cham am os “ cult ura sam pler” e são a m at erialização de t oda essa nova form a de pensam ent o que será t om ada com o base e referência para quase t odo t ipo de produção e represent ação at ravés de m eios digit ais, da fot ografia ao vídeo, incluindo a literat ura, a m úsica e out ras form as art íst icas, com o a perform ance e a art e digit al, ent re out ras.

Muit o em bora possam os encont rar precursores dest as prát icas em diversos m om ent os da hist ória da art e é nas prát icas de produção m usical que podem os percebê- las de form a m ais clara. Conform e afirm a Manovich, “ a t eoria da m úsica elet rônica t rouxe à t ona análises da m ixagem , sam pleagem e sínt ese; a t eoria lit erária t am bém pode cont ribuir com as noções de int ertext ualidade, parat ext o e hipert ext o; os est udiosos da cult ura visual podem cont ribuir com sua com preensão

de m ont agem , colagem e apropriação”30 ( MANOVI CH, 2001: 13/ 14) .

Vindo do m undo dos DJ’s, o scrat ching é conseguido at ravés da m anipulação de discos de vinyl, lit eralm ent e arranhando a agulha sobre est es e fazendo- se repet ir um det erm inado t recho sonoro. O scrat ching pode ser vist o com o um t ipo de int erpret ação part icular das m úsicas; um a int erpret ação em que se coloca algo de sua presença nas m úsicas com o quando em 1986, os rappers do grupo Run- Dm c se apropriaram de um t recho de “ Walk t his way” da banda de rock

Aerosm it h31 um dos prim eiros sucessos com erciais do gênero. A pick-

up que ant es servia apenas com o m eio para execut ar m úsicas gravadas em discos de acet at o, passa a ser ut ilizada com o um verdadeiro inst rum ent o m usical chegando a form ar um a sub- cult ura dent ro do universo da m úsica, o t urnt ablism .

Assem elhada ao scrat ching, a prát ica denom inada “ sam plear” , t ransform ou o papel do m úsico, que não necessit a m ais t ocar inst rum ent os e pode, em um a espécie de bricoleur m usical, "com por" a part ir de fragm ent os e t rechos execut ados por out ros m úsicos e present es em gravações dos m ais diversos t ipos e estilos.

O sam pler digit aliza e arm azena arquivos digit ais e t rabalha com

30 “ Electronic m usic theory brings to the table analysis of m ixing, sam pling, and synthesis; academ ic

lit erary t heory can also m ake a cont ribut ion, wit h it s t heorizat ions of int ert ext , parat ext, and hyperlinking; the scholars of visual culture can contribute their underst anding of m ont age, collage and appropriation.”

a repet ição de segm ent os de áudio com o linhas de baixo, viradas de bat eria, riff’s de guit arra, t rechos de discurso e t odo t ipo de gravação de m úsica e ruídos, falas e sons.

O loop é um procedim ent o que pode ser ut ilizado para se obt er um a base sonora rít m ica para um a m úsica e foi a base estética para a criação do inst rum ent o elet rônico cham ado sam pler, que reproduz o efeit o. Teve origem nas experim ent ações com fit as m agnét icas em que lit eralm ent e se em enda um a ponta a out ra de um t recho de fit a m agnét ica - o que faz com que se repit a de form a circular sua passagem pelo cabeçot e de um t oca- fit as - lem brando a form a descrit a por um avião, na m anobra aérea de m esm o nom e.

O overdub ou gravação em m últ ipla pist as ou tracks ( m ult it racking recording) é um a t écnica desenvolvida nos est údios, em que se ut ilizam diversas pist as ou t racks para realizar um a gravação, podendo ser acrescent adas e sobrepost as novas cam adas em um a m esm a gravação. Um exem plo é quando um m esm o art ist a faz diversos vocais ou toca vários inst rum ent os em um a m esm a m úsica, sim ult aneam ent e.

Às possibilidades de t ransm issão sim ult ânea de m últ iplas cam adas em um único canal denom inam os m ult iplexing. A prát ica, que t em sua origem na elet rônica e nas t ele- com unicações, é ut ilizada t am bém nas redes inform át icas. O obj et ivo é fazer com que se

subdivida um canal em diversos sub- canais, at ravés da “ m ult iplexação” do t em po e/ ou a freqüência de t ransm issão. Agrupada em pacot es de t em po ou diferenciada por sua freqüência, a inform ação é sim ult aneam ent e enviada.

A presença desses elem ent os e recursos expressivos adot ados dent ro do cont ext o da “ cult ura sam pler” ( ruído, fragm ent ação e am ost ragem , reit eração, organização por cam adas, sim ult aneidade, sobreposição e não- linearidade) são not ados nos m ais diversos cam pos da cult ura cont em porânea e são algum as das caract eríst icas e necessidades da condição urbana que se reflet em , ao m esm o t em po em que são expressos at ravés de e nos m ídia.

A seguir buscarem os analisar o t rabalho do grupo, t endo em m ent e os conceit os e práticas acim a descritos.

A análise de processos e produtos de com unicação em geral, necessit a um a abordagem m et odológica que perm it a com preender o obj et o de análise, em suas diversas possibilidades sem iót icas, e o signo, em suas infinit as form as concret as de m anifest ação e suas m últ iplas cam adas de significação e sent idos.

De sua m at erialização em form as significant es devem os ainda buscar apreender os processos cult urais am plos do qual fazem part e, e que em nosso caso, estão relacionados a um a sociedade t écnica que processa suas form as de com unicação at ravés de m áquinas produt oras de signos e em m últ iplas linguagens.

Acredit am os que, para t ant o, o m ét odo sem iót ico se apresent a com o o m ais adequado para poderm os “ ( ...) cont em plar, ent ão discrim inar e, por fim generalizar em correspondência com as cat egorias da prim eiridade, secundidade e t erceiridade.” ( SANTAELLA, 2002: 29)

Tal recurso m et odológico perm it e ident ificar os signos em sua m at erialidade, est abelecer os processos de arranj o e com binação dos

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