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3 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: uma digressão no processo

3.3 A defesa por políticas de formação dos anos 1990

A década dos anos 1990 foi marcada pelo reflexo das políticas neoliberais que modificaram a estrutura de funcionamento do Estado em diversos países, inclusive o Brasil. A influência da política internacional, tendo como um dos seus representantes o Banco Mundial, buscava a deserção do Estado da esfera política, social e econômica, no intuito que funcionassem à sua semelhança. Nesse cenário, cresceu a disputa para manter um Estado que estabelecesse uma política gerencialista, com tendência ao mercado de consumo e que interviesse nos sistemas sociais do país, fruto da luta pela aquisição dos direitos sociais conquistados anteriormente, a saber, Saúde, Educação, Cultura, e outros.

Souza e Faria (2004, p. 2) descrevem esse cenário político da década dos anos 1990,

Nos anos 90, no contexto das relações internacionais constituído após o Consenso de Washington, formou-se a idéia hegemônica de que o Estado - sobretudo nos países periféricos - deveria focar sua atuação nas relações exteriores e na regulação financeira, com base em critérios negociados diretamente com os organismos internacionais. A reforma nas suas estruturas e aparato de funcionamento consolidou-se nos anos 90, por meio de um processo de desregulamentação na economia, da privatização das empresas produtivas estatais, da abertura de mercados, da reforma dos sistemas de previdência social, saúde e educação, descentralizando-se seus serviços, sob a justificativa de otimizar seus recursos.

No contexto das políticas educativas no Brasil, nos anos 1990, observa-se a mobilização da sociedade organizada na luta para manter o lugar da EJA nos espaços de discussão política.

No plano legal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, integra a EJA ao ensino básico, conforme a seção V, arts. 37 e 38, a seguir expresso. Ipsis Litteris:

Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. (BRASIL, 1996).

No entanto, percebe-se o antagonismo na concepção da EJA, a começar pelo art. 37 que parece apenas ter substituído a denominação “ensino supletivo” pela “educação de jovens e adultos”, pois o art. 38 propôs a manutenção dos cursos e exames supletivos, enfatizando o caráter compensatório, supletivo. Da mesma forma, a redução das idades para o ensino fundamental e médio representa uma incógnita, pois corrobora com a ideia da aceleração dos estudos para a certificação, “em detrimento dos processos pedagógicos”. RUMMERT; VENTURA, 2007, p. 40).

Outro ponto relevante que a LDB de 1996 tratou, foi quanto à formação de professores, como podemos observar com base no art.62 da referida Lei. Ipsis Litteris:

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal. (BRASIL,1996).

Dessa forma, podemos observar o início da preocupação com uma formação específica para atuar no ensino do novo público que se formou, considerando a expansão da educação para todos.

Um marco na trajetória da EJA foi a Proposta Curricular para o 1º Segmento da Educação de Jovens e Adultos, realizada por força das parcerias entre um organismo não governamental – Ação Educativa e o Ministério da Educação (MEC), que teve concluído a versão preliminar da proposta em junho de 1995 e após apreciação foi finalizada em julho de 1996. O objetivo desta proposta consistia em, “O objetivo deste trabalho é oferecer um subsídio que oriente a elaboração de programas de educação de jovens e adultos e, consequentemente, também o provimento de materiais didáticos e a formação de educadores a ela dedicados” (RIBEIRO, 1999, p. 7).

Conforme a proposta, as orientações curriculares reportavam-se à “alfabetização e pós –alfabetização” dos jovens e adultos, porém, em sentido contrário a questão formação de professores, não há no documento referência sobre a necessidade de formação específica, ainda que tratasse da EJA e suas especificidades. (RIBEIRO, 1999).

No parecer CNE/CEB nº 11/2000, o relator Carlos Roberto J. Cury faz uma relevante alusão à formação continuada de professores para EJA (BRASIL, 2000b, p. 57):

Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para EJA deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à complexidade diferencial desta modalidade de ensino. Assim esse profissional do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente com esta parcela de estudantes e de estabelecer o exercício do diálogo. Jamais um professor aligeirado ou motivado apenas pela boa vontade ou por voluntariado idealista e sim um docente que se nutra do geral e também das especificidades que a habilitação como formação sistemática requer.

Segundo Haddad e Di Pierro (2000), a reforma educacional, realizada em 1995, impôs redução no gasto público, inclusive no que diz respeito à Educação, alvo de descentralização dos recursos financeiros. As medidas que ocorreram durante a reforma, implicaram na permanência da EJA à margem das políticas públicas no cenário nacional.

Como instrumento da reforma, foi dada nova redação ao art. 60 da Constituição Federal de 1988, que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação- FUNDEB, um mecanismo de redistribuição dos recursos públicos federais, estaduais e municipais, para posterior compartilhamento entre Estados e Municípios proporcional a quantidade de matrículas no ensino fundamental de cada região. Esse novo arranjo provocou a redução da União com o ensino fundamental que contribuiu “[...] para manter as desigualdades da oferta e a baixa qualidade de ensino no sistema público” (RODRIGUEZ, 2001, p. 51).

Além disso, destacamos alguns dos resultados catastróficos do Fundef:

a) sobrecarga de matrículas no Município, que não estava preparado financeira e administrativamente;

b) aplicação inferior ao estipulado na lei dos recursos para o pagamento dos profissionais da educação;

c) atrasos nesses pagamentos;

d) não implantação do Plano de Cargos e Carreira;

e) aplicação dos recursos em atividades alheias ao desenvolvimento do ensino; f) curso de capacitação de professores sem licitação;

g) superfaturamento com transporte escolar;

h) fraude na quantidade de alunos no Censo Escolar, entre outros (GUIMARAES, 2004).

Contudo, a distribuição dos recursos públicos, que resultou de forma desigual, para o ensino fundamental deixou sem assistência financeira a Educação infantil, o Ensino Médio e a Educação de jovens e adultos (HADDAD; DI PIERRO, 2000).

Desta feita, em análise as reflexões de Moura (2009), faz-se necessário ratificar a ausência de ações no campo das políticas públicas da EJA, sobretudo quanto à formação dos professores, questão invisível, considerada uma lacuna deixada pela lei, no final dos anos 1990.

No ano de 1998, por intermédio do MEC foi elaborada a Proposta Curricular para o 1º Segmento da Educação de Jovens e Adultos. Apesar da importância do documento referido na elaboração das propostas curriculares estaduais e municipais, a questão da formação docente não foi abordada.

Assim, somente no ano 2000, o Ministério da Educação, por meio do Parecer CNE CP009/2001, propôs as Diretrizes para a Formação de Professores da Educação Básica, em cursos de nível superior. Observa-se, com base no texto legal, a preocupação em pensar a formação docente, conforme apresenta o Parecer (BRASIL, 2002):

[...] destaca-se o preparo inadequado dos professores cuja formação de modo geral, manteve predominantemente um formato tradicional, que não contempla muitas das características consideradas, na atualidade, como inerentes à atividade docente, entre as quais se destacam: orientar e mediar o ensino para a aprendizagem dos alunos; comprometer-se com o sucesso da aprendizagem dos alunos; assumir e saber lidar com a diversidade existente entre os alunos; incentivar atividades de enriquecimento cultural; desenvolver práticas investigativas; elaborar e executar projetos para desenvolver conteúdos curriculares; utilizar novas metodologias, estratégias e materiais de apoio; desenvolver hábitos de colaboração e trabalho em equipe.

Da mesma forma, no campo do currículo o MEC lançou a Proposta Curricular para o 2º Segmento do Ensino Fundamental - 5ª a 8ª séries - destinada a subsidiar o trabalho desenvolvido nesse segmento. (BRASIL, 2002). Novamente, não consta política de formação do professor, embora o texto apresente um perfil do professor da EJA.

Nesse sentido, Moura (2009, p.57) sinaliza que as conquistas resultantes da legislação e das Diretrizes Curriculares, no âmbito da formação de professores, foi um incentivo à produção de projetos político- pedagógicos que atendessem a essa demanda. No entanto, as estratégias utilizadas para o desenvolvimento de Programas da formação docente, foram elaboradas “[...] nos gabinetes com ações extemporâneas, passageiras e descontínuas

[...]”, tais como os PCNs, lançados em 1999, que objetivaram a capacitação dos professores para utilizar a Proposta Curricular nos Municípios e do Projeto de Formação de Professores

(PROFA), entretanto, além de descontínuos, foram planejados sem a participação dos professores.

Assim, a necessidade de definir políticas efetivas de formação docente para educação de jovens e adultos passou a ser um desafio proclamado pelos educadores de toda a parte do país e amplamente divulgado e discutido nos Fóruns, Congressos, Assembleias e Encontros Nacionais, no sentido de deliberar e aprovar propostas para mudanças significativas na área de EJA.

Nesse contexto, mobilizados pela preocupação em construir Políticas Públicas que garantissem o desenvolvimento de ações em torno da formação docente da EJA, as instituições representantes da sociedade civil se organizaram e promoveram debates, que vêm acontecendo nos Fóruns regionais, e Encontros Nacionais. As propostas constituem-se em deliberações endereçadas aos órgãos da Educação e da Justiça.

Representa esse movimento a Associação Nacional de Formação de Professores - ANFOPE, que após muitas discussões, lançou uma proposta de formação de profissionais da Educação a qual integra o documento de elaboração das diretrizes para o curso de formação de professores. De acordo com a proposta:

É entendimento da ANFOPE que as Universidades e suas Faculdades/Centros de Educação constituem-se o locus privilegiado da formação dos profissionais da educação para atuação na educação básica e superior. As exigências cada vez mais presentes no campo da formação de professores nos coloca também o desafio de repensar as estruturas atuais das Faculdades/Centros de Educação e a organização dos cursos de formação em seu interior, no sentido de superar a fragmentação entre as Habilitações no Curso de Pedagogia e a dicotomia entre a formação dos pedagogos e dos demais licenciandos, considerando-se a docência como a base da formação e da identidade profissional de todos os profissionais da educação. (ANFOPE, 1998).

Dessa forma, a recomendação de uma base comum nacional permite a valorização dos profissionais da Educação, além de reforçar a importância da formação específica para professores da EJA.

Da mesma forma, as CONFINTEAs debateram de forma ampla as diretrizes e políticas globais em torno da educação de adultos. Conforme já mencionadas em outro momento, as Conferências Internacionais de Educação de Adultos, promovidas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), constituíram-se em importantes plataformas de debates e diálogos sobre o diagnóstico da EJA na esfera internacional.

Knoll (2012, p. 11) pontuam que as CONFINTEAs “[...] foram, de muitas formas, uma vitrine profissional para a educação de adultos [...]” e o objetivo “[...] foi a de serem vistas como sinais de saltos para adiante.”

Para Haddad e Di Pierro (2015, p. 01), “a agenda internacional vem gradativamente ganhando relevância nos últimos anos no Brasil” sendo que o conjunto de documentos redigidos durante as discussões e debates das conferências tem subsidiado as diretrizes para promover ações no campo da EJA.

Nesse sentido, remetemo-nos especificamente a V CONFINTEA, evento que alargou as concepções sobre a educação de adultos e deixou um amplo legado na história das Conferências Internacionais. Segundo Ireland (2012, p. 47),

A Conferência foi organizada em torno de quatro atividades principais: 1) discussões plenárias; 2) a adoção da “Declaração de Hamburgo” e da “Agenda para o Futuro”; 3) uma troca de experiências sobre o presente e futuro de aprendizagem de adultos no mundo, por meio de 33 sessões paralelas e 4) uma série de mesas redondas e painéis públicos.

Com a participação de 1.500 inscritos de 130 países, a V CONFINTEA, além de aprovar a “Declaração de Hamburgo sobre Educação de Adultos (1997), documento expoente em referência a educação como direito humano, contou com as seguintes realizações: adotou a “Agenda para o futuro” com a inclusão da “Década Paulo Freire da Alfabetização”; reforçou a concepção da Educação de Adultos como direito de todos e deu destaque a diversidade cultural. Fizeram parte da agenda vários temas que ganharam destaque, são eles: cultura da paz, educação para a cidadania, educação de gênero, indígena, terceira idade, mulheres, educação para o trabalho, desenvolvimento sustentável (CONFINTEA, 1999).

No entendimento de Gadotti ([201?], p.03):

A Confintea V nos deixou muitas lições. Entre elas, podemos destacar as seguintes: a) reconhecer o papel indispensável do educador bem formado; b) reconhecer e reafirmar a diversidade de experiências; c) assumir o caráter público da EJA; d) ter um enfoque intercultural e transversal; e) a importância da EJA para a cidadania, o trabalho e a renda numa era de desemprego crescente; f) o reconhecimento da importância da articulação de ações locais; g) reconceituar a EJA como um processo permanente de aprendizagem; h) reafirmar a responsabilidade inegável do Estado diante da EJA; i) fortalecer a sociedade civil; j) reconhecer a EJA como uma modalidade da educação básica; k) resgatar a tradição de luta política da EJA pela democracia e pela justiça social.

Igualmente, os Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos-ENEJA constituem relevantes instrumentos de ampla divulgação e deliberações em torno da educação

de adultos.

Certamente, os acordos, as metas e propostas estabelecidas nesses eventos representam papel importante na reivindicação de Políticas Públicas e quase sempre são reconhecidos como ferramenta eficaz de pressão política na busca pela garantia de direitos.

Contudo, o que se percebe, é a falta de vontade das instâncias governamentais para efetivar ações concretas em torno da EJA, principalmente a formação para o ensino da modalidade.

Soares (2006) concluiu que, embora a EJA ocupe lugar de destaque nas discussões e debates dos fóruns, as ações de formação do educador dessa modalidade ainda são tímidas e insuficientes para atender à demanda.

Considerando as ações voltadas para as políticas da formação de professor, os dados apresentados pelo INEP do ano de 2002 expuseram que das 519 instituições de Ensino Superior do curso de Pedagogia no Brasil, devidamente regulamentadas pelo MEC, apenas 9 oferecem habilitação em EJA (INEP, 2002).

Soares (2006) alerta que, no ano de 2005, houve um aumento ínfimo nas Instituições do curso de Pedagogia que ofertam EJA, a saber: das 612 instituições somente 15 tem a oferta da EJA.

Esse alerta nos serve de aviso para ampliar as discussões sobre as políticas de formação inicial do professor da EJA e indagar sobre a omissão das instituições públicas em torno deste objeto.