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3. A EXPANSÃO DA DENDEICULTURA NA AMAZÔNIA BRASILEIRA:

3.3. A dendeicultura e a retórica do desenvolvimento

Arturo Escobar (2007) em seu livro La invención del tercer mundo:

construcción y deconstrucción del desarrollo ao analisar a inclusão de campesinos,

mulheres e meio ambiente como o novo objeto para o qual se dirige as políticas de desenvolvimento demonstra que embora a prática discursiva do desenvolvimento tenha permanecido a mesma ao longo das décadas24 a formação discursiva do desenvolvimento tem mudado.

A formação discursiva se altera quando fora do discurso da industrialização as políticas de desenvolvimento “descobrem” outros sujeitos, como é o caso dos campesinos, das mulheres e do meio ambiente. É assim, que das ruínas da Revolução Verde emerge o Desenvolvimento Rural Integrado e posteriormente a própria ideia de desenvolvimento sustentável.

Na mesma obra, Escobar defende que o desenvolvimento deve ser analisado como regime de representações, isto porque de acordo com o autor “Los ‘regímenes de representación’ pueden analizarse como lugares de encuentro en los cuales las identidades se construyen pero donde también se origina, simboliza y maneja la violencia.” (p. 30).

Todas as relações sociais implicam relações de poder e o campo discursivo é aquele donde esse poder é exercido de modo mais violento, pois provoca a construção de concepções que embasam as representações sociais da realidade e implica na construção do outro e de si mesmo.

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Tendo como ponto de partida as políticas empreendidas pelos Estados Unidos no pós- Segunda Guerra Mundial, em que Harry Truman lançou uma campanha mundial na qual propunha resolver o problema do subdesenvolvimento. O discurso proferido por Truman quando tomou posse da presidência da Repúblicas dos Estados Unidos em 1949 logo tornou-se uma ideologia e esta, desde então, tem orientado as ações ditas de desenvolvimento por todo o globo. Essa ideologia baseia-se na industrialização, na mecanização, na transformação de todos os bens naturais e culturais em recursos a serem úteis para o avanço do capital.

Enrique Dussel (1994) formula que a modernidade foi gestada nas cidades europeias, todavia seu nascimento data de 1492 no encontro do europeu com o outro, donde se estabeleceram relações extremamente assimétricas, marcadas pelo controle, exploração e violência física e simbólica, esta assinalada pelo que o autor chama de encobrimento do outro.

O encobrimento do outro ocorreria a partir do não reconhecimento de sujeitos e coletividades no interior de suas respectivas formações culturais, logo, de acordo com seus próprios modos de vida. Esse encobrimento se consolida de modo que além de não reconhecer o outro em sua singularidade, ainda constrói-se um outro deformado, que nada mais são que caricaturas da realidade social, ou seja, um outro estigmatizado.

Veremos adiante que as duas perspectivas, a de Escobar (2007) e a de Dussel (1994) estão presentes na expansão da dendeicultura, que reinventa o discurso do desenvolvimento, o apregoando como sustentável ao mesmo tempo em que propõe a inclusão produtiva de camponeses, tidos como atrasados.

Na pesquisa de campo defrontei-me com os técnicos das empresas enunciando para os agricultores em termos de superação de seu modo de vida e sua conversão em empresários rurais, e que isto seria o ápice do desenvolvimento e da inclusão social e produtiva, deixando claro em seus discursos os pressupostos de uma ideologia que se assenta na superação do outro, um evolucionismo ainda presente nos dias atuais.

Na mesma perspectiva, Vandana Shiva (2002), ao analisar o avanço das biotecnologias e das monoculturas e suas implicações na biodiversidade e nos sistemas de saber, identifica que enquanto ideologia, a monocultura da mente solapa os saberes locais, primeiramente não os reconhecendo como saberes, ou seja, o encobrimento do outro, inclui a sua negação enquanto ser físico, social e cultural.

Para a autora o sistema de saber que se impõe como universal, o sistema ocidental, é um saber local, com uma base específica de gênero, classe e cultura, deste modo não é um saber universal em sentido epistemológico, mas uma versão

globalizada de um sistema de saber local nascido de uma cultura dominante e colonizadora, sendo eles próprios, os sistemas de saber modernos, colonizadores.

Tendo isso em vista, Shiva (2002) arrazoa que:

A ligação entre saber e poder é inerente ao sistema dominante porque, enquanto quadro de referência conceitual, está associado a uma série de valores baseados no poder que surgiu da ascensão do capitalismo comercial. A forma pela qual esse saber é gerado, estruturado e legitimado e a forma pela qual transforma a natureza e a sociedade geram desigualdades e dominação, e as alternativas são privadas de legitimidade. O poder também é introduzido na perspectiva que vê o sistema dominante não como uma tradição local globalizada, mas como uma tradição universal, inerentemente superior aos sistemas locais. (p. 22).

A essa universalidade da dominação Anibal Quijano tratou como colonialidade que ele diferencia de colonialismo, ainda que vinculados. Colonialismo, afirma o autor:

(...) refere-se estritamente a uma estrutura de dominação/exploração onde o controlo da autoridade política, dos recursos de produção e do trabalho de uma população determinada domina outra de diferente identidade e cujas sedes centrais estão, além disso, localizadas noutra jurisdição territorial. (QUIJANO, 2009, p. 73). A colonialidade, assevera Quijano (1992), “es aún el modo mas general de dominacion en el Mundo actual” (p. 14), a dominação colonial consolidou um complexo cultural conhecido como racionalidade moderna europeia, que passou a fazer parte de um novo padrão de poder mundial, no qual a Europa concentra sua hegemonia bem como o controle da subjetividade, da cultura e da produção de conhecimento. (QUIJANO, 2005).

As concepções de Quijano, no que se refere à dimensão subjetiva da dominação, dialogam com Shiva (2002) e Arturo Escobar (2007), para quem o discurso do desenvolvimento constitui um sistema governado por certas regras o qual tem sua coesão devido a um conjunto de enunciados e práticas que se referem à industrialização da agricultura, dos campesinos, mulheres e do meio ambiente.

De acordo com Escobar (2007), pensar o desenvolvimento em termos de suas representações discursivas é importante porque permite nos concentrarmos na dominação e explorar mais produtivamente as condições de possibilidades e efeitos

do desenvolvimento. Para o autor: “El análisis del discurso crea la posibilidad de “mantenerse desligado de él [discurso del desarrollo], suspendiendo su cercanía, para analizar el contexto teórico y práctico con que ha estado asociado” (Foucault, 1986: 3). (p. 23).

Em se tratando da racionalização do mundo esta opera de modo que todos os meios sociais, culturais e econômicos ficam submetidos a um pensamento único, sob o auspício da modernização e da necessária substituição de modelos de vidas autóctones que são concebidos como atrasados.

Nesse escopo em busca da inclusão de todas as regiões do mundo ao projeto de modernização, que escondia a verdade dessa narrativa, o objetivo era buscar matérias-primas, explorar a mão de obra local, acessar a terra e criar um mercado de compradores para auxiliar no processo de reprodução ampliada do capital.

Todos esses elementos identifiquei presentes na expansão da dendeicultura, que associo ao desenvolvimento na perspectiva neoliberal, que traz em suas práticas os elementos da ideologia Truman, que conforme identificou Escobar, ainda conformam as políticas de desenvolvimento para o chamado terceiro mundo e as parcelas de suas populações entendidas como subdesenvolvidas.

3.4. PALMA DE ÓLEO NO BRASIL: ESTRATÉGIAS PARA PRODUÇÃO