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3. A EXPANSÃO DA DENDEICULTURA NA AMAZÔNIA BRASILEIRA:

3.1. Campesinato, camponeses e agricultura familiar

Antes de adentrar nas questões sobre a expansão da dendeicultura é importante marcar a que filiação e categorias teóricas me apoio, sendo o campesinato, enquanto categoria de análise e modo de vida, elementos chaves para a compreensão das dinâmicas sociais dos camponeses pesquisados.

Tendo isto em vista, apresento o debate teórico que conduzirá esta pesquisa, e justifico minha opção teórica pelo conceito de campesinato. Como não poderia deixar de ser, apresentarei em linhas gerais o debate que se desenvolveu nas ciências sociais e que ainda hoje são fecundos e que opõe duas posições teóricas, a permanência do campesinato e seu desaparecimento, ou em termos mais enfáticos, sua morte.

A adoção do termo agricultura familiar é uma das mais eloquentes categorizações que desviaram o foco sobre o campesinato e até mesmo deu peso para a tese do campesinato como extinto, pois quando no campo das políticas públicas quer se falar sobre este ator usa-se, comumente, agricultor familiar em detrimento de camponês.

O termo vem sendo inclusive auto empregado, sendo camponês e campesinato mais utilizado no seio do movimento social e dos agroecologistas que ainda entende a importância e centralidade do campesinato, enquanto representantes de um modo de vida não pautado na racionalidade capitalista e como categoria social e política. Ainda assim, quando o assunto envolve órgãos do governo, a categoria negociada é agricultor e agricultura familiar, isto porque o termo foi institucionalizado, tendo em vista que todas as políticas para o meio rural recebem essas denominações.

O que não representa um obstáculo epistemológico, mas abre uma nova vertente de discussão. Se antes o debate era campesinato versus capitalismo, com a ampla adoção do termo agricultura familiar, o debate gira em torno dessas duas categorias, vista por uns como complementares, e por outros como fases sucessivas, sendo a agricultura familiar substitutiva do campesinato.

Para Pereira (2005), a adoção do termo agricultura familiar representa o Estado brasileiro endossando a tese de que o campesinato teria desaparecido. Sérgio Schneider, (2003, 2006), por sua vez, considera que a expressão agricultura familiar foi importante na articulação dos movimentos sociais do campo, e para a conquista de uma política pública específica para este público; de acordo com o

autor a agricultura familiar comportaria sob sua égide diversos grupos sociais que vivem no campo, e tem formas específicas de produzir e se reproduzir.

Porém, Sérgio Schneider (2006) apresenta uma diferenciação entre camponeses e agricultores familiares; para ele a agricultura familiar tem “maior envolvimento social, econômico e mercantil que torna o agricultor familiar, ao mesmo tempo, mais integrado e mais dependente da sociedade capitalista moderna” (p. 8).

Para este autor, as formas de produção familiar sofrem transformações, de tal maneira que os modos de vida também vão sendo transformados, embora não subsumidos totalmente pelas formas capitalistas de produção.

Esta visão pode ter muito de equívocos: primeiro, porque a integração ao mercado é mais uma forma dos camponeses se reproduzirem, mas a totalidade de seu mundo não é organizada pela lógica de mercado. (COSTA, 2012a; MARTINS, 2009; TAUSSIG, 2010). Segundo, porque agricultor familiar não é outro sujeito social que emergiu recentemente no meio rural, ele contém o camponês que recebeu esta nomenclatura institucionalizada pelo Estado e apropriada pelas categorias do campo para reivindicarem seus direitos e conquistar uma política pública (WANDERLEY, 2009).

Edma Silva Moreira e Jean Hébette (2009) afirmam que esta é “uma simples mudança de denominação (...) em substituição, por comodidade pragmática, a ‘campesinato’” (p. 187) e embora essa mudança não seja simples e esteja marchetada de significados, sobretudo, ideológicos e políticos, forjados em arenas discursivas e práticas na disputa por poder, é preciso, reconhecer o caráter camponês da agricultura familiar. E aqui é importante estabelecer um ponto: entendo o campesinato dentro da agricultura familiar, porém, nem todos aqueles que estão sob a égide da agricultura familiar são camponeses.

Pensar a agricultura familiar simplesmente sob a ótica da modernização e logo, substituta do campesinato é reificar a compreensão do campesinato como desprovido de capacidade de se articular ao mercado, de utilizar-se de tecnologias agrícolas e de romper com as formas menos mecanizadas de produção.

É reafirmar não só o caráter marginal de produção, mas também estereótipos e discursos de subalternização dos camponeses. Nesta perspectiva e, corroborando com Delma Peçanha de Neves (2002), defendo que o termo agricultura familiar não pode ser utilizado como um conceito, pois seu caráter “é descritivo e politicamente classificador” (NEVES, 2002, p. 137), por isto, o termo agricultura familiar será por mim utilizado, sem prejuízo da compreensão de que são camponeses.

Mauro de Almeida (2007) é um estudioso que fala no fim do campesinato como modelo analítico, em virtude da emergência de diversas identidades étnicas que se sobressaem e que antes estavam invisibilizadas dentro desta categoria que,

de acordo com este autor, não daria mais conta de explicar a realidade social do meio rural na contemporaneidade.

A controvérsia que se pode ter em torno do conceito de campesinato subjaz à sua própria diversidade interna, pois, ao contrário de Mauro de Almeida, Giralda Seyferth (2011), embora reconheça a importância de categorias como remanescentes de quilombos e agricultura familiar na conquista de territórios e de direitos de cidadania, afirma que estas categorias não teriam a abrangência teórica do conceito de campesinato.

É preciso antes reconhecer que o campesinato vem se transformando, e em seu seio há movimentos identitários fortes e que não buscam romper com o reconhecimento como camponeses, mas agregar suas identidades coletivas e conquistar políticas mais específicas, garantir seus territórios tradicionais e seus modos de vida. (MOREIRA, HÉBETTE, 2009).

Portanto, a categoria de análise por mim escolhida é campesinato, reconhecendo este em sua diversidade de atores e grupos sociais, que resguardadas as peculiaridades, guardam entre si modos específicos de produzir e reproduzir a vida social, política e econômica, quais sejam: sua relação com a terra e seus recursos naturais, a unidade de produção e reprodução, a localidade, a reciprocidade e o parentesco como ordenadores da ética e da lógica de produção e organização da vida física e social.

Sendo assim, quando me referir a sujeitos que estejam fazendo parte do acesso à política pública referir-me-ei a agricultores familiares, mas quando estiver tratando da cultura, do modo de vida, das resistências e da categoria analítica me referirei a campesinato.

3.2. CAMPESINATO E CAPITALISMO: O UROBORÓ DAS CIÊNCIAS SOCIAIS