• Nenhum resultado encontrado

A descentralização e a municipalização do atendimento da criança e ao adolescente

Volpi (2011) explica que a aplicação das medidas socioeducativas não pode acontecer de uma maneira isolada do contexto social, econômico e político no qual o adolescente se encontra envolvido. Antes de qualquer coisa, deve-se assegurar que o Estado crie e organize políticas públicas que venham a garantir, com prioridade absoluta, os direitos dos adolescentes.

Volpi (2011) entende que somente quando forem garantidos às crianças e aos adolescentes os direitos à convivência familiar e comunitária, à saúde, à educação, à cultura, esporte e lazer e todos os demais direitos universalizados, será então possível diminuir de maneira significativa a prática de atos infracionais cometidos pelos adolescentes.

Complementando as políticas sociais básicas, Volpi (2011) destaca que cabe aos serviços de atendimento social garantir a proteção dos mais vulnerabilizados e vitimizados,

através de programas de proteção como, por exemplo, apoio socioeducativo em meio aberto, abrigo, apoio sociofamiliar e demais programas que são previstos pelo ECA.

Volpi (2011, p.43) complementa dizendo que:

As medidas socioeducativas precisam estar articuladas em rede, neste conjunto de serviços, assegurando assim uma atenção integral aos direitos e ao mesmo tempo o cumprimento de seu papel específico.

O conceito de rede está inserido na própria definição do ECA sobre a política de atendimento como um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais da União, do Estado e do Município. Este conjunto articulado de ações deve considerar a distinção entre Estado e sociedade civil, estabelecendo papéis claramente delimitados para ambos.

A relação entre Estado e sociedade civil deve ser pautada pela explicitação e publicização da diversidade dos pontos de vista e interesses existentes, buscando a construção de consensos e a implementação das políticas.

Volpi (2011, p.43) esclarece que a articulação destas redes de serviços e programas destinados à infância e juventude caracteriza-se pela:

a. Atuação privilegiada do Conselho de Direitos, enquanto espaço de elaboração e deliberação sobre a política de direitos;

b. existência de uma coordenação no âmbito governamental que articule ações, otimize recursos, priorize área de intervenção e evite o paralelismo e a superposição de ações;

c. existência de um núcleo de planejamento, monitoramento e avaliação que concentre informações de interesse comum, análises e projeções que subsidiem a definição e reordenamento permanente das atribuições de cada programa membro da rede;

d. unificação dos procedimentos e explicitação dos critérios de acesso aos serviços, assegurando o tratamento indiscriminatório e transparente aos usuários;

e. capacitação dos prestadores de serviços com objetivo de qualificar sua intervenção e aumentar sua eficiência e eficácia;

f. socialização de equipamentos e tecnologia para o uso comum e ampliação do impacto dos serviços;

g. outras atribuições que possam demandar os membros da rede.

Ainda sobre esta rede de atendimento, o Art. 86 do ECA estipula que a política de atendimento aos direitos das crianças e adolescentes será exercida através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, de competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Os artigos 87 e 88 do ECA colocam as linhas e diretrizes dessas redes de atendimento:

Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento: I - políticas sociais básicas;

II - políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que deles necessitem;

III - serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão;

IV - serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos;

V - proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente.

VI - políticas e programas destinados a prevenir ou abreviar o período de afastamento do convívio familiar e a garantir o efetivo exercício do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes;

VII - campanhas de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e à adoção, especificamente inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos.

Art. 88. São diretrizes da política de atendimento: I - municipalização do atendimento;

II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais;

III - criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa;

IV - manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente;

V - integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional;

VI - integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Conselho Tutelar e encarregados da execução das políticas sociais básicas e de assistência social, para efeito de agilização do atendimento de crianças e de adolescentes inseridos em programas de acolhimento familiar ou institucional, com vista na sua rápida reintegração à família de origem ou, se tal solução se mostrar comprovadamente inviável, sua colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei;

VII - mobilização da opinião pública para a indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade.

Já o Art. 90 do ECA regula as responsabilidades das entidades de atendimento:

Art. 90. As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção das próprias unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas de proteção e sócio-educativos destinados a crianças e adolescentes, em regime de:

I - orientação e apoio sócio-familiar; II - apoio sócio-educativo em meio aberto; III - colocação familiar;

IV - acolhimento institucional;

V - prestação de serviços à comunidade; VI - liberdade assistida;

VII - semiliberdade; e VIII - internação.

§1º As entidades governamentais e não governamentais deverão proceder à inscrição de seus programas, especificando os regimes de atendimento, na forma definida neste artigo, no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual manterá registro das inscrições e de suas alterações, do que fará comunicação ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária.

§2º Os recursos destinados à implementação e manutenção dos programas relacionados neste artigo serão previstos nas dotações orçamentárias dos órgãos públicos encarregados das áreas de Educação, Saúde e Assistência Social, dentre outros, observando-se o princípio da prioridade absoluta à criança e ao adolescente

preconizado pelo caput do art. 227 da Constituição Federal e pelo caput e parágrafo único do art. 4o desta Lei.

§3º Os programas em execução serão reavaliados pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, no máximo, a cada 2 (dois) anos, constituindo-se critérios para renovação da autorização de funcionamento:

I - o efetivo respeito às regras e princípios desta Lei, bem como às resoluções relativas à modalidade de atendimento prestado expedidas pelos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, em todos os níveis;

II - a qualidade e eficiência do trabalho desenvolvido, atestadas pelo Conselho Tutelar, pelo Ministério Público e pela Justiça da Infância e da Juventude;

III - em se tratando de programas de acolhimento institucional ou familiar, serão considerados os índices de sucesso na reintegração familiar ou de adaptação à família substituta, conforme o caso.

Desta maneira, os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares atuam como mecanismos de coordenação das políticas públicas que são voltadas à infância e ao atendimento de crianças em situação de risco, em nível municipal. Eles são caracterizados pela participação da sociedade, atuando de maneira conjunta com o governo, agindo na proteção e na garantia dos direitos da criança e do adolescente no âmbito de cada município.

Conforme estabelece o ECA, em seu artigo 131, o Conselho Tutelar é um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Sua atribuições, de acordo com o Art. 133 do ECA, são:

I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;

II - atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VII;

III - promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:

a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança;

b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações.

IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;

V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;

VI - providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional;

VII - expedir notificações;

VIII - requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando necessário;

IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente;

X - representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal;

XI - representar ao Ministério Público para efeito das ações de perda ou suspensão do poder familiar, após esgotadas as possibilidades de manutenção da criança ou do adolescente junto à família natural.

Parágrafo único. Se, no exercício de suas atribuições, o Conselho Tutelar entender necessário o afastamento do convívio familiar, comunicará incontinenti o fato ao Ministério Público, prestando-lhe informações sobre os motivos de tal entendimento e as providências tomadas para a orientação, o apoio e a promoção social da família.

Ainda, não se pode deixar de falar no SINASE. Em sua apresentação sobre Sistema Nacional De Atendimento Socioeducativo, em 2006, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, explicam que, celebrando os 16 anos da publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, apresentaram o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE (que mais tarde, em 18 de janeiro de 1012, foi promulgado em Lei 12.594) que foi o fruto de uma construção coletiva que durou alguns dos últimos anos e envolveu diversas áreas de governo, representantes de entidades e especialistas na área, além de uma série de debates protagonizados por operadores do Sistema de Garantia de Direitos em encontros regionais que cobriram todo o País. A necessidade de intensa articulação dos distintos níveis de governo e da co-responsabilidade da família, da sociedade e do Estado demanda a construção de um amplo pacto social em torno dessa coisa pública denominada SINASE.

Entende-se por SINASE, conforme o §1º do Art. 1º da Lei 12.594/12, o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem a execução de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atendimento a adolescente em conflito com a lei.

Nos artigos 3º, 4º e 5º da Lei 12.594/12, são estipuladas as competências. Conforme o Art. 3º, compete à União:

I - formular e coordenar a execução da política nacional de atendimento socioeducativo;

II - elaborar o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, em parceria com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

III - prestar assistência técnica e suplementação financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas;

IV - instituir e manter o Sistema Nacional de Informações sobre o Atendimento Socioeducativo, seu funcionamento, entidades, programas, incluindo dados relativos a financiamento e população atendida;

V - contribuir para a qualificação e ação em rede dos Sistemas de Atendimento Socioeducativo;

VI - estabelecer diretrizes sobre a organização e funcionamento das unidades e programas de atendimento e as normas de referência destinadas ao cumprimento das medidas socioeducativas de internação e semiliberdade;

VII - instituir e manter processo de avaliação dos Sistemas de Atendimento Socioeducativo, seus planos, entidades e programas;

VIII - financiar, com os demais entes federados, a execução de programas e serviços do Sinase; e

IX - garantir a publicidade de informações sobre repasses de recursos aos gestores estaduais, distrital e municipais, para financiamento de programas de atendimento socioeducativo.

§1º São vedados à União o desenvolvimento e a oferta de programas próprios de atendimento.

§2º Ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) competem as funções normativa, deliberativa, de avaliação e de fiscalização do Sinase, nos termos previstos na Lei no 8.242, de 12 de outubro de 1991, que cria o referido Conselho.

§3º O Plano de que trata o inciso II do caput deste artigo será submetido à deliberação do Conanda.

§4º À Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) competem as funções executiva e de gestão do Sinase.

Aos Estados, pelo Art. 4º, compete:

I - formular, instituir, coordenar e manter Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, respeitadas as diretrizes fixadas pela União;

II - elaborar o Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo em conformidade com o Plano Nacional;

III - criar, desenvolver e manter programas para a execução das medidas socioeducativas de semiliberdade e internação;

IV - editar normas complementares para a organização e funcionamento do seu sistema de atendimento e dos sistemas municipais;

V - estabelecer com os Municípios formas de colaboração para o atendimento socioeducativo em meio aberto;

VI - prestar assessoria técnica e suplementação financeira aos Municípios para a oferta regular de programas de meio aberto;

VII - garantir o pleno funcionamento do plantão interinstitucional, nos termos previstos no inciso V do art. 88 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);

VIII - garantir defesa técnica do adolescente a quem se atribua prática de ato infracional;

IX - cadastrar-se no Sistema Nacional de Informações sobre o Atendimento Socioeducativo e fornecer regularmente os dados necessários ao povoamento e à atualização do Sistema; e

X - cofinanciar, com os demais entes federados, a execução de programas e ações destinados ao atendimento inicial de adolescente apreendido para apuração de ato infracional, bem como aqueles destinados a adolescente a quem foi aplicada medida socioeducativa privativa de liberdade.

§1º Ao Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente competem as funções deliberativas e de controle do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, nos termos previstos no inciso II do art. 88 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), bem como outras definidas na legislação estadual ou distrital.

§2º O Plano de que trata o inciso II do caput deste artigo será submetido à deliberação do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. §3º Competem ao órgão a ser designado no Plano de que trata o inciso II do caput deste artigo as funções executiva e de gestão do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo.

Já para os Municípios, conforme o Art. 5º, compete:

I - formular, instituir, coordenar e manter o Sistema Municipal de Atendimento Socioeducativo, respeitadas as diretrizes fixadas pela União e pelo respectivo Estado;

II - elaborar o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo, em conformidade com o Plano Nacional e o respectivo Plano Estadual;

III - criar e manter programas de atendimento para a execução das medidas socioeducativas em meio aberto;

IV - editar normas complementares para a organização e funcionamento dos programas do seu Sistema de Atendimento Socioeducativo;

V - cadastrar-se no Sistema Nacional de Informações sobre o Atendimento Socioeducativo e fornecer regularmente os dados necessários ao povoamento e à atualização do Sistema; e

VI - cofinanciar, conjuntamente com os demais entes federados, a execução de programas e ações destinados ao atendimento inicial de adolescente apreendido para apuração de ato infracional, bem como aqueles destinados a adolescente a quem foi aplicada medida socioeducativa em meio aberto.

§1º Para garantir a oferta de programa de atendimento socioeducativo de meio aberto, os Municípios podem instituir os consórcios dos quais trata a Lei no 11.107, de 6 de abril de 2005, que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências, ou qualquer outro instrumento jurídico adequado, como forma de compartilhar responsabilidades.

§2º Ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente competem as funções deliberativas e de controle do Sistema Municipal de Atendimento Socioeducativo, nos termos previstos no inciso II do art. 88 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), bem como outras definidas na legislação municipal.

§3º O Plano de que trata o inciso II do caput deste artigo será submetido à deliberação do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. §4º Competem ao órgão a ser designado no Plano de que trata o inciso II do caput deste artigo as funções executiva e de gestão do Sistema Municipal de Atendimento Socioeducativo.

A Lei 12.594/12 estipula ainda, em seu art 6º que para o Distrito Federal cabem cumulativamente o que compete ao Estado e Municípios.

É importante como o SINASE vem a acrescentar e firmar o papel no âmbito municipal quanto à execução das medidas. Com isto, temos a possibilidade maior do objetivo pedagógico das medidas socioeducativas, pois ficando sob competência municipal, se tem uma maior personalização, podendo assim se dar um cuidado maior e mais especial a pessoa do adolescente autor de ato infracional.

Documentos relacionados