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Capítulo I – “Braços civilizatórios” na modernização dependente do mercado de trabalho

5. A dialética do negro e do branco-imigrante

Diferentemente dos diagnósticos socioeconômicos que associam automaticamente o imigrante como a categoria social que por excelência começa por baixo num mercado de trabalho estranho ao da sua própria nação, a interpretação sociológica de Fernandes sobre o lugar do negro no mercado de trabalho assalariado (pós-abolição) faz um convite à reflexão crítica de que essa fórmula não é inteiramente válida para um contexto localizado na periferia do capitalismo e ainda marcado pela herança viva da escravidão.

Sua teoria não nega que a inserção dos imigrantes brancos no mercado de trabalho brasileiro tenha significado um começo por baixo. No entanto, traz em discussão elementos históricos para o entendimento de como, para contingentes nacionais não brancos, principalmente para o negro e o mulato – e, em geral, toda população rural pobre de migrantes internos –, a construção da vida a partir da venda “livre” da própria força de trabalho implicava um começo bem por baixo, ou seja, em posições muito precárias do mercado de trabalho. Segundo Fernandes,

enquanto o branco da camada dominante conseguia proteger e até melhorar sua posição na estrutura de poder econômico, social e político da cidade e, enquanto o imigrante trocava sucessivamente de ocupações, de áreas de especialização econômica e de posições estratégicas para a conquista de riquezas, de prestígio social e poder, o negro e o mulato tinham de disputar eternamente oportunidades residuais com os componentes marginais de sistema – com “os que não serviam para outra coisa” ou com “os que estavam começando bem por baixo” (Fernandes, 1964a: 42).

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Como mostrou Brasil Jr. (2010), ao tratar da obra A integração do negro na sociedade

de classes (1964),55 o “imigrante de Ultramar” é o elemento que ilumina tal contradição,

permitindo enxergar “as desvantagens de integração” de outros “grupos sociais” no funcionamento do capitalismo periférico. O “lugar” e o “papel privilegiado” que o imigrante

ocupou nessa ordem e sua “integração bem-sucedida nos setores mais dinâmicos”56

espelham o “fator de integração limitada ou precária” dos contingentes nacionais “subalternos” (op. cit.: 177). Do ponto de vista sociológico, essa questão permite enxergar a continuidade da estruturação da sociedade brasileira na “discriminação racial” e na reprodução de “desigualdades sociais” (op. cit.: 184). De fato, para Fernandes, a sociedade brasileira preserva um intacto “paralelismo entre raça e posição social ínfima”, ou seja, entre “estratificação racial e social” (Fernandes, 1964a: 335 e 594).

Essa função epistemológica da “evidência” é muito distinta daquela de fundamentar o diagnóstico social acima referido na imigração, como se a presença dos imigrantes europeus fosse a causa do racismo imperante na sociedade brasileira. De fato, essa causa não se encontra na relação branco-imigrante e negro, quando ambos são parte da classe trabalhadora, mas naquela capital e trabalho dentro do sistema capitalista, pois esta última representa, conforme destaca Basso (2000: 18), o “núcleo das relações sociais racistas”. E igualmente Fernandes não faz uma interpretação separada da imigração “em si”. Ao contrário, situa analítica e historicamente esse fenômeno no Brasil em sua interrelação com o racismo e o funcionamento do capitalismo periférico, mais especificamente com as seculares raízes coloniais do regime de escravidão.

55 Conforme ressalta Brasil Jr. (2010: 178 e 179), nos anos 1950, o debate da sociologia brasileira sobre a

questão nacional “se polarizou em torno da ‘questão racial’”, sendo essa obra de Fernandes, junto a Brancos e

negros em São Paulo (1955) – realizada em parceria com Roger Bastide –, fundamentadas em pesquisas

empíricas em diversificados segmentos de classe da população negra durante as décadas de 1950-60 – realizadas pelos autores e uma equipe de pesquisadores no projeto de investigação sobre a questão racial no Brasil, O

preconceito Racial em São Paulo (1951), patrocinado pela Unesco. Essa questão racial ganha peso durante esse

mesmo período também no cenário internacional, por estar ligada ao conflito ideológico suscitado após o regime nazista e ao desenvolvimento dos movimentos de libertação nacional no contexto africano e asiático, que denunciavam a opressão racial secular na qual vivia a população desses territórios. Ver (Villen, 2013a).

56 Brasil Jr. (2010: 194 e 189) também discute o diagnóstico muito similar feito por Gino Germani quanto à

posição ocupada pelos nacionais e imigrantes europeus no mercado de trabalho em Buenos Aires – no final do século XIX e na primeira metade do século XX: “É possível aproximar, tal como aparece nos argumentos dos autores [Fernandes e Germani], a ação do imigrante de ultramar nos dois contextos em virtude da posição que eles ocuparam no processo de modernização”. Conforme destaca, segundo os referidos estudos de Germani, na capital argentina os imigrantes europeus também compuseram majoritariamente os “estratos da classe média em expansão (ligados ao comércio)” e do “novo proletariado urbano industrial”.

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Para o entendimento mais aprofundado dessa questão, é necessário dialogar com o pano de fundo das considerações já expostas sobre o processo de “modernização dependente”. Aqui, será tão somente focalizada a análise de Fernandes sobre o lugar da imigração no movimento de modernização dependente do mercado de trabalho brasileiro a partir do “progresso importado”, que remete à pedra angular da desagregação do sistema de produção escravista e à implantação do mercado de trabalho assalariado no país, dentro do regime republicano.

A fotografia social fornecida na sua obra sobre a situação do negro e do mulato no momento sucessivo à abolição ilustra o quanto a liberdade significou socialmente para eles um “segundo momento” da “espoliação racial secular” (Fernandes, 1964b: 11). Ao “cativeiro de quatro séculos que produziu riqueza pública e individual” se seguiria uma “espoliação racial abolicionista” sem nenhuma “redenção” ao negro, bem como ao seu trabalho (op. cit.: 47). Isso, porque sua “liberdade e igualdade [formal de direitos]” continuariam modeladas e bloqueadas pela “concentração racial da renda, do prestígio social e do poder”, ou seja, impedidas de serem “fruídas socialmente” (op. cit.: 118 e 140).

O autor cita inúmeros manifestos dos movimentos negros no Brasil denunciando “a mentira do 13 de maio [abolição], que deixou o negro no mais completo abandono para servir a causa da arianização” (Fernandes, 1964a: 117). Esses manifestos acusam como o negro se

transformou, diante do imigrante, num “exótico na sua própria terra”57 e continuou ocupando

o papel de “simples coisa na sua sociedade” (Fernandes, 1964b: 115). A ordem democrática não modificou esse panorama, ao contrário, serviu para “solapar a importância da cor como

ponto de referência” nas lutas sociais58 (Fernandes, 1964b: 408).

57 A comparação com o imigrante em termos psicobiológicos era colocada nesses termos preconceituosos

criticados por Moura (2014: 37): “ele [o negro] era colocado como um ser de pura natureza, ser rítmico, dionisíaco, sexual, em comunhão apenas com as forças elementares do mundo, enquanto o branco era o racionalismo, o progresso, a civilização. Daí a tendência cultural do negro para ser jogador de futebol, sambista e malandro, e a mulata símbolo do sexo extraconjugal”.

58 Fernandes dá destaque à importante função desses movimentos para a conscientização e autoafirmação do

negro (enquanto uma coletividade), em relação aos inúmeros mecanismos (econômicos e culturais) de dominação da ordem social capitalista branca, permitindo desmascarar a construção ideológica da “fatalidade psicobiológica” do destino do negro (Fernandes, 1964b: 46). Para o autor, mesmo se o horizonte de transformação desses movimentos em geral se identificasse com uma “revolução dentro da ordem” (Fernandes, 1964b: 10), ou seja, fosse limitado à assimilação dos valores da ordem capitalista branca, teve relevante função para a organização da ação política e a transformação da identidade do negro numa “coletividade” consciente de sua realidade histórica.

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Suas análises invocam a centralidade do entendimento das dinâmicas de renovação de um sistema de hierarquização social com base no que denomina categorias histórico- sociais de cor e de classe, consideradas como um “todo operativo” do convívio esteriotipado pelo preconceito de cor. Com essa preocupação, explica que o “sistema de referência” herdado do “padrão assimétrico e tradicionalista de relação racial” da sociedade colonial se renovou, sob novas bases, no período pós-Abolição. De um padrão de “segregação sistemática” (Fernandes, 1964b: 67), na ordem democrática passa-se àquele de “isolamento difuso”, que ainda serve para tolher “a evolução das tensões raciais” (Fernandes, 1964b: 87). O preconceito de cor é a alma desse sistema, enquanto “fator de desigualdade racial” que “fornece a justificação emocional, moral e racional da discriminação” (Fernandes, 1964b: 45).

Se no regime de trabalho escravo era a cor da pele o determinante explícito da posição do negro, como escravo, ao lado do branco, como senhor; naquele assalariado surgem outros mecanismos (não somente de natureza econômica), que o sociólogo explicita minuciosamente, demonstrando o quanto atuam de forma dissimulada, mas não por isso menos eficazes, para a exploração do trabalho negro e a criação de “linhas não expressas da especialização racial”, colocando o negro nas piores posições do mercado de trabalho (op. cit.: 253).

Já na década de 1840, quando eram feitas as primeiras experiências de convivência do trabalho escravo com o “livre” nas fazendas onde fora implantado o regime de parceria, já se operava uma divisão tanto do “espaço social do escravo” (Moura, 2014: 48) quanto da técnica do trabalho (Lamounier, 1986: 24). E essa divisão perdura mesmo após a Abolição, como expõe Fernandes, por meio da dialética do negro e do branco (imigrante e nacional)

no mercado de trabalho assalariado59, ou seja, respectivamente entre o que a ordem imperante

59 Essa dialética foi colhida pelo estudo da situação histórica do negro na cidade de São Paulo, dentro do

contexto de industrialização, crescimento econômico e demográfico da cidade (em particular devido aos fluxos imigratórios internacionais), no período compreendido entre o final do século XIX e os anos 1960. São Paulo era considerada pelo autor “a comunidade burguesa mais representativa do capitalismo e da civilização industrial no Brasil” (Fernandes, 1964b: 538), onde se exprimia claramente a “associação entre urbanização e europeização, nova morfologia da cidade e das relações de trabalhos” (Fernandes, 1964a: 35). A cidade que com a chegada em massa de imigrantes no final do século XIX foi “branqueada”. Em 1893, 54% de sua população era estrangeira (Fernandes, 1964a: 36). Segundo explica, esse panorama só foi modificado a partir de 1935, com a retração dos fluxos internacionais, concomitante ao aumento da migração interna e ao crescimento natural da população negra.

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considerava o “agente econômico deformado” e o “agente histórico socialmente significativo” (Fernandes, 1964a: 35 e 51).

Essa dialética se coloca como um instrumento analítico para mostrar como o mercado

de trabalho “une” o imigrante e o negro, ao mesmo tempo em que os “separa”60. E essa

relação se traduz essencialmente na posição que ocupam na competição e no acesso, modelados pelo preconceito de cor, ao trabalho assalariado.

O movimento dessa dialética começa pelas desvantagens encontradas pelo negro no “ponto de partida” para sua inserção no mercado de trabalho. Ao passo que o negro perdia “sua importância privilegiada como mão-de-obra exclusiva”, o “regime de trabalho livre se consolidava em São Paulo sob monopólio de todas as posições básicas [do mercado de

trabalho] pelos brancos” (Fernandes, 1964b:165). Se no meio rural o imigrante deveria

substituir o negro no trabalho das lavouras, nas cidades era considerado o trabalhador mais adaptado à incipiente indústria.

Por um lado, a posição simbólica atribuída ao imigrante era legitimada pela cultura hegemônica branca: “o agente natural do trabalho livre”, “a grande esperança nacional de progresso por saltos”, “o fator humano da modernização da ordem social competitiva” (Fernandes, 1964a: 42, 43, 337). Por outro lado, o negro era encarcerado nos estereótipos raciais que compunham a cultura e a mentalidade da sociedade colonial.

Contrastando com os atributos considerados necessários ao trabalho assalariado, esses estereótipos acentuavam no negro “falta de qualificação mínima”, “preguiça”, “vagabundagem”, “displicência”, “despreparo”, “falta de inteligência e de técnica”, “incapacidade de se adaptar à tecnologia moderna”. Enfim, uma miríade de avaliações apresentadas como características “psicobiológicas”, funcionais à legitimação dos privilégios dos brancos e à manutenção do “negro na sua posição na ‘cozinha da nação’” (Fernandes, 1964b: 166).

Os resultados de suas pesquisas empíricas comprovaram como essas representações

interagiam com a realidade prática do mercado de trabalho61. O sociólogo usa a imagem da

60 “Negros, brancos e mulatos interagiam entre si como se fossem separados e unidos pela antiga etiqueta

racial”; “onde havia a concentração de estrangeiros era mínima a de negros” (Fernandes, 1964a: 338 e 40).

61 Segundo Fernandes, é possível identificar uma “diferença de grau” na integração (social e econômica) do

negro no período posterior à abolição 1900-1936, se comparada com a década de 1940 até 1961 (Fernandes, 1964a: 237). Como destacou Brasil Jr. (2010: 197), diversos fatores explicavam essa diferença: o papel desempenhado pela organização política dos movimentos negros; a diminuição na entrada dos fluxos

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“diluição” do negro “na massa de assalariados” para descrever a disputa por trabalho a partir da sua situação histórica de “nítida desvantagem no sistema”: aquela de enfrentar duas barreiras, “as que nascem das classes e as que se polarizam em torno da cor” (op. cit.: 138, 144, 498).

O lugar escolhido para o negro no mercado de trabalho era aquele do “isolamento

disfarçado”, no “limiar da proletarização”, na “escória do operariado urbano” (Fernandes, 1964a: 44). Quando não era sinônimo de uma “desocupação involuntária”, significava um “emprego (parcial ou total) de baixíssima remuneração”, em ocupações “infimamente retribuídas”, limitadas ao “ganhar o próprio sustento”, ao “viver entre a fronteira da penúria

e da miséria”(op. cit.: 195, 189, 270, 170).

Sua especialização era em ocupações convencionalmente classificadas como “serviço

de preto”, ou seja, empregos de caráter “serviçal”, “braçal, “sem qualificação ou semiqualificado” (Fernandes, 1964b: 137): domésticos (criadas, cozinheiras, mordomos), capangas, seguranças, lixeiros, auxiliares, aprendizes (Fernandes, 1964a: 167). Enfim, o espaço das “tarefas brutas e degradantes, consideradas acessórias” (Fernandes, 1964b: 41), dentro de uma economia que passava a ter a indústria como centro dinâmico.

A segurança de um contrato de trabalho estável não existia, tendo em vista que a provisoriedade se impunha pelas “ocupações flutuantes, descontínuas”, acompanhando um modo de “viver de expediente”, de “borboletear de serviço em serviço”. Não era possível “ganhar a vida de maneira segura, compensadora e constante” pela venda “livre” de seu próprio trabalho (Fernandes, 1964a: 270, 168, 170, 166).

Todos esses fatores foram identificados como a “raiz dos males da população negra”

(op. cit.: 166) na nova ordem competitiva democrática. Mesmo com raras exceções de uma

“elite negra”62 ou da parcela mínima integrada ao proletariado em postos mais privilegiados

da economia urbana “modernizada”, a regra era o bloqueio racial de acesso a um trabalho como “fonte de classificação socioeconômica e de mobilidade vertical”. Logo, a posição do

imigratórios provenientes da Europa, a geração de empregos decorrentes do ciclo de industrialização nesse período.

62 “A riqueza e a posição social não corrigem por si mesmas, e para todos os efeitos, as limitações resultantes

da condição racial”; a “ascensão social cria um drama para o negro” (Fernandes, 1964b: 312). Ao mesmo tempo em que não é aceito plenamente na classe dominante dos brancos, “nega”, “rejeita”, “subestima” os negros da classe trabalhadora (op. cit.: 329).

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negro no mercado de trabalho assalariado representava nada mais do que um “drama ocupacional” (Fernandes, 1964b: 145 e 159).

Todos esses fatores acusam o monopólio racial das “tendências à profissionalização

abertas pela industrialização, pela expansão dos serviços administrativos e pelo crescimento do comércio” (op. cit.:158). Em particular, aos imigrantes brancos eram oferecidas as ocupações melhor remuneradas por serem “estratégicas”, ou seja, “profissões que dinamizavam o progresso econômico: engenheiro, arquiteto, professores, pessoal das indústrias” (Fernandes, 1964a: 43). Em suas palavras:

Na indústria, particularmente, diz-se que certos tipos de trabalho especializados têm que ser confiados aos estrangeiros ou aos seus filhos nascidos no Brasil, em virtude de não se encontrarem brasileiros com o necessário conhecimento e prática para o desempenho dessas funções (Fernandes, 1964a: 164).

A mesma sociedade da “democracia racial” padecia do “preconceito de não ter

preconceito”, criando sem pudor o “consenso de que certas posições pertencem ao branco” (Fernandes, 1964b: 437 e 309). E não é por acaso que para os brancos, nacionais e imigrantes, a ascensão social não era um horizonte interditado. Embora o sociólogo não deixe de lembrar que o branco da classe trabalhadora também “compartilhava da igual miséria” da periferia do capitalismo, constata que, para estes, as portas do mercado de trabalho eram menos rigidamente fechadas e ofereciam minimamente a possibilidade de “se diferenciar por todos os níveis da estratificação econômica e da hierarquia social” (Fernandes, 1964a: 241). Prova

disso é a emergência, no início do século XX, de uma “burguesia estrangeira”63,

principalmente industrial, que começa a despontar nos altos estratos sociais. O autor afasta a ideia da “auréola de pioneiro do capitalismo industrial” que geralmente é colocada no imigrante em estudos sobre o tema, por tal interpretação subestimar a “participação do homem de negócio brasileiro”. Somente situa o imigrante como um “tipo humano” que trouxe “influências dinâmicas”, por sua vez, centrais para compreensão de mudanças de

diferentes naturezas na sociedade e economia brasileiras64.

63 “A maior parte da indústria brasileira encontrou-se logo nas mãos de adventícios [imigrantes estrangeiros]

de recente data ou de seus sucessores imediatos – Matarazzo, Jaffet, Pereira Ignácio” (Prado Jr., 1976: 265).

64 “[O] imigrante seria o nosso tipo humano que encarnaria de modo mais completo a concretização interna da

mentalidade capitalista [de acumulação, poupança, consumo] e iria desempenhar os principais papéis econômicos que estruturaram e dinamizaram a evolução do capitalismo no Brasil” (Fernandes, 1964c: 168).

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Se, por um lado, o trabalho para o imigrante era um meio “para iniciar a vida nova na

pátria nova”, por outro, o negro enfrenta o “desajustamento do trabalho” enquanto “realidade permanente” (Fernandes, 1964b: 45 e 172). Se havia, mesmo com inúmeras ressalvas, a possibilidade de melhoramento de vida para o primeiro, o segundo continuava vivendo a espoliação extrema pelo trabalho, traduzida “nem na profissionalização”, “nem na proletarização”, “nem na acumulação capitalista” (op. cit.: 150).

A dialética do negro e do branco-imigrante na modernização dependente espelha,

portanto, a estrutura racializada do funcionamento do mercado de trabalho brasileiro nos tempos de “democracia racial”. Essa ferramenta analítica mostra como há sempre um movimento de “rebaixamento” e de “exploração” no trabalho para o grupo social que é a principal vítima do racismo. No contexto analisado por Fernandes, os imigrantes não eram seu alvo privilegiado.

Resta averiguar, entretanto, o que tampouco pode ser ocultado dentro dos propósitos dessa discussão: as contradições, de fato diferenciadas, porém igualmente imperantes, para os imigrantes da classe trabalhadora.