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A diferenciação das práticas em favor das sementes transgênicas

2 AGENTES ECONÔMICOS E SUAS ESTRATÉGIAS NA CONSTRUÇÃO SOCIAL

2.1.4 A diferenciação das práticas em favor das sementes transgênicas

Entre os anos 80 e 90 se consolidaram os conhecimentos em torno da Biotecnologia36. Técnicas envolvendo marcadores polimórficos permitiram estudos de uma região específica de um genoma, segundo os interesses de proceder variações genéticas. A clonagem de DNA foi alcançada em âmbito científico internacional. Inicialmente a transgenia se oferecia como um grande salto em relação a hibridização e ao melhoramento convencional, pois esta modalidade de melhoramento permitiu reduzir as características indesejadas e o tempo necessário para o desenvolvimento de uma nova cultivar. Além disso, ampliaram-se as possibilidades do melhoramento. Fernandez Cornejo (2004, p. 4) adota a distinção de três linhas de melhoramento a partir da biotecnologia: a) transgenia de entrada, ou seja, aquelas que tornam as plantas resistentes a agrotóxicos, insetos e a estresses ambientais; b) transgenia que incrementa nutrientes nas plantas e c) transgenia que leva as plantas produzirem elementos fármacos, combustíveis e alimentos não tradicionais.

Nesse contexto observou-se grande mudança na estrutura industrial do setor de sementes nos EUA distinguindo-se, na descrição de Fernandez Cornejo (2004, p. 26), dois grandes ciclos de fusões e aquisições a partir da década de 1970.

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Fernandez Cornejo (2004, p. 4) destaca a criação da primeira planta geneticamente modificada em 1982.

No primeiro ciclo de fusões e aquisições as indústrias de sementes menores – que haviam persistido até os anos 70 - desapareceram e as que persistiram juntaram-se mediante fusões e aquisições, resultando em concentração no mercado, com surgimento de destacados players internacionais. Segundo o autor, mais de 50 empresas de sementes foram adquiridas pela indústria farmacêutica, petroquímica e empresas alimentares. O autor ilustra que multinacionais como Ciba-Geigy, Sandoz, a Royal Dutch / Shell, Upjohn, e Celanese, entraram no ramo das sementes em meados da década de 1970. Segundo Wilkinson e Castelli (2000, p. 20), neste período, observou-se interesse da indústria de insumos, sobretudo a agroquímica e o interesse do setor de fármacos, da petroquímica e do setor agroalimentar pela indústria de sementes, realizando-se grandes aquisições e fusões, que se iniciam nos 70 e que ―continuaram nos anos 80 e aceleraram-se nos 90‖.

Um segundo ciclo de fusões, aquisições e joint ventures ocorreu na década de 1980, envolvendo empresas que buscavam alcançar a economia de escala para compensar os grandes investimentos em Pesquisa e Desenvolvimentos necessários aos avanços na biotecnologia. Nesse processo emergiram, também, os complexos empresariais identificados com a ―ciência da vida‖, em torno de produtos como agroquímicos, sementes, ingredientes alimentares e farmacêuticos – gerados pela aplicação de pesquisa genética e biotecnológica.

Nesse contexto, o movimento de capitais acabou sendo condicionado pelo sentido das estratégias corporativas: sejam elas a busca de ampliação da participação no mercado, posicionamento estratégico em relação a acesso a mercados e recursos-chave, captação de capitais para viabilizar altos recursos necessários para investimento em pesquisa biotecnológica, busca de convergências de negócios, busca de oportunidades de diversificação de negócios – entre outras – ressaltando-se a questão das economias de escopo, que também geravam ganhos, pois um gene isolado para determinada especificidade pode ser usado em diversas culturas (FERNANDEZ CORNEJO, 2004. p. 27). O processo de reestruturação industrial mostrou-se complexo e dinâmico, em razão das fusões e da concentração das grandes corporações.

Se durante o período sob os híbridos as interferências das industrias se restringiam a algumas espécies agrícolas, durante a transgenia - onde conhecimentos em biologia molecular são requisitados – estendeu-se o melhoramento de maneira genérica a todas as espécies e, devido a exigência em

quantidade de investimento, redefiniram-se as relações entre investimentos privados e públicos no setor.

O uso da transgenia foi moldando a estrutura da indústria e os papéis – na pesquisa e desenvolvimento – do Estado e da iniciativa privada. Com os investimentos do setor privado no domínio das pesquisas sobre sementes, as tecnologias de sementes passaram para o controle da iniciativa privada. Este é um dos elementos marcantes no avanço da subordinação dos agentes do campo das sementes à lógica do campo econômico. Podemos dizer que, com o aporte da biotecnologia, o campo das sementes encontra a maturidade e o setor privado se consolida como definidor da lógica dominante, sobretudo na pesquisa e desenvolvimento, o que se traduz em maior número de certificados de proteção de variedades vegetais (FERNANDEZ CORNEJO, 2004).

Na produção de sementes passaram a distingir-se empresas ligadas ao melhoramento de plantas, onde estão os melhoristas privados e públicos; os produtores de sementes, desde a semente genética até as sementes certificadas (que podem ser associações de produtores ou empresas privadas que trabalham sob licença das empresas de melhoramento); empresas de tratamento e embalagem de sementes, responsáveis pelas informações que se traduzem em segurança aos consumidores, bem como um setor de fiscalização, onde se inserem os analistas de sementes e um setor de marketing e distribuição de sementes, onde figuram representantes comerciais de diversa natureza, observando-se uma tendência à integração vertical da indústria. Nesse contexto, os certificados conferidos pelo Estado para as virtudes das sementes melhoradas funcionam como símbolo ou troféu resultante do jogo, conferindo prestígio aos agentes dominantes.

Associado a essas mudanças na estrutura das indústrias, se observa uma mudança no tamanho dos mercados e nas práticas produtivas com adoção das sementes geneticamente modificadas pelos agricultores no âmbito dos maiores cultivos. Segundo Fernandez Cornejo (2004) o mercado de sementes saltou de US$ 500 milhões em 1960 para mais de US $ 6,7 bilhões em 1997. Em boa parte isso indica o uso, cada vez maior, de sementes compradas. Para explicar essa significativa mudança estrutural há de se remeter a diversas questões. Fernandez Cornejo (2004) enfatiza a importância dos novos marcos legais estabelecidos pelo reconhecimento do direito do melhorista no início da década de 1970, que apontam para possibilidade de retorno do investimento em Pesquisa e Desenvolvimento

privado e ampliação de mercado. No contexto neoliberal, o papel do Estado é assegurar, sobretudo via legislação, a existência e a lógica de mercado à atividade. Importa destacar, também, a relevância dos marcos legais internacionais orientados ao direito do melhorista aos quais os Estados Nacionais foram obrigados a ajustar- se. O destaque é para a ampliação da proteção para produtos da biotecnologia agrícola e a instituição da Organização Mundial de Comércio (OMC) em 1995, que estabeleceu o acordo Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPs), sobre propriedade intelectual no âmbito do comércio internacional, incluindo o direito de obtentor e patente como mecanismos de proteção de variedades vegetais. Desta forma, a propriedade intelectual sobre sementes é tratada como qualquer outro aspecto do comércio internacional. Assim sua aplicabilidade se torna obrigatória, sob pena de retaliação (RALLT, 2015).

Nos marcos legais os direitos são assegurados tanto pela Lei de Proteção de Cultivares (LPC) quanto pelo direito de patente. A LPC concede proteção e direitos exclusivos para comercializar uma nova variedade vegetal durante 18 anos (FERNANDEZ CORNEJO, 2004). Ou seja, todo esse movimento no âmbito da indústria se ampara no fortalecimento do reconhecimento dos direitos do melhorista – que criam novas oportunidades de negócio no campo das sementes.

Entendemos que essas medidas puderam ser, de certo modo, naturalizadas pela referência a inexorabilidade do ―progresso‖. Nesse sentido a biotecnologia poderia ser vista como uma forma de melhorar as plantas para além do que a natureza e os homens teriam sido capazes em sua história milenar de coevolução. Da mesma forma que nos anos 50, os anos 2000 repetiram o discurso da Revolução Verde, uma vez que os agentes referem aos mesmos propósitos humanitários, naturalizando a supremacia das opções tecnológicas que lhes servem de referência sobre outras proposições; contudo as potencialidades da transgenia se ampliaram para muito além do controle da fome. A transgenia se apresenta com finalidades múltiplas. Ela está atualizada com os problemas consensualizados para este tempo, a exemplo do aquecimento global e com as preocupações com a saúde. Tais potencialidades também servem de motivação para a aceitação das tecnologias transgênicas e legitimação dos agentes vinculados a ela. Alguns argumentos dos agentes dominantes chegam mesmo a indicar a aplicabilidade da biotecnologia à produção orgânica e, desta forma, tomam a bandeira dos agentes contestadores, confrontando com o discurso contra a biotecnologia. Deste modo, os agentes

contestatórios perdem aderência às enunciações contra a biotecnologia em si enquanto ciência e são obrigados a contestar apenas o controle político da mesma.

A emergência do conflito entre agentes do campo econômico e campo cultural, ―desinteressados‖37

, mostra-se potencialmente inevitável. As características da inovação em si; a apropriação dos mecanismos da ciência na manipulação genética das plantas; a monopolização do setor; tornam o campo das sementes um campo científico e, ao mesmo tempo, um campo econômico. Ou seja, o processo realizado no âmbito da ciência, impulsiona geração de novas referências para a produção de sementes, sendo que o rumo da pesquisa pode orientar-se em maior ou menor medida por interesses privados ou sociais. Nestas condições, para que determinados agentes do campo cientifico ou econômico se fortaleçam, eles necessitam de certificação, ratificação do campo político, assegurando o retorno de seus investimentos. O controle via Direito de Obtentor e via Patentes, mediante avaliação dos atributos de tais sementes – novas e boas sementes – serão os elementos principais de dominação sobre os agentes que se pautam pela lógica cultural.

2.2 DETERMINANTES DAS MUDANÇAS NAS PRÁTICAS: AGENTES E SUAS

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