• Nenhum resultado encontrado

A diferenciação das práticas em favor das sementes de alto rendimento no Brasil

3 AGENTES ECONÔMICOS E SUAS ESTRATÉGIAS NA CONSTRUÇÃO SOCIAL DA NATURALIZAÇÃO DAS SEMENTES INDUSTRIAIS NO BRASIL

3.1.3 A diferenciação das práticas em favor das sementes de alto rendimento no Brasil

O período foi caracterizado pela consolidação das ―indústrias de sementes‖ no Brasil. Segundo Sorj (2008), o conhecimento sobre a produção de sementes estava inicialmente concentrado no estado de São Paulo, que detinha orçamento superior aos recursos federais. A partir de 1965, o governo estadual começa a transferir para cooperativas e empresas privadas este papel, e se cria o Sistema Nacional de Produção de Sementes.

Além da Agroceres, que foi fundada em 1945, na década de 60 ocorreu a entrada das multinacionais de semente no Brasil. Se instalaram a Cargill e a Pioneer-Hy-bred. Na década de 70 vieram a Limagrain e Asgrow. No final da década de 1970 a Dekalb e da Ciba-Geigy (FUCK; BONACELLI, 2009).

Estas empresas se instalam no Brasil com relativo atraso. Elas aguardaram as condições objetivas para sua implantação, especialmente uma regulamentação que lhes garantissem certas condições favoráveis. Nesse período as ações de conformação do referido campo das sementes foram ganhando força – o que se reflete no volume de sementes selecionadas produzidas. O aumento da produção de sementes selecionadas foi notável, sobretudo a partir da entrada das grandes empresas transnacionais no Brasil. Na Tabela 1 apresenta-se um comparativo da quantidade de sementes produzidas após a entrada das grandes corporações (entre 1965 e 1975). O período corresponde, também, a um dos primeiros momentos da abertura econômica do Brasil ao capital internacional.

Tabela 1 – Evolução da produção de sementes selecionadas entre os anos 1965 a 1975 nas regiões Sul e Centro-Oeste (ton)

Ano Batata Algodão Soja Trigo Arroz Milho

1965 4.528 47.457 3.559 31.183 9.892 45.562

1975ª 31.078 64.827 557.027 633.090 219.967 111.466 *a Estimado

Fonte: (LIMA, 1978 apud SORJ, 2008, p. 28)

Esta modificação na composição dos agentes do campo das sementes no Brasil deveu-se, segundo Sorj (2008) ao desenvolvimento do complexo agroindustrial, mas sobretudo do contexto político e econômico, que privilegiou, a certo momento, a abertura da economia ao capital estrangeiro. A aceitação das ―tecnologias importadas‖; das máquinas e dos insumos, se deveu também a subsídios estatais.

No caso brasileiro, a consolidação da ―indústria da semente‖ (como um tipo de agroindústria) fez parte de uma estratégia política mais ampla de promoção da transformação estrutural da agricultura brasileira – processo esse conhecido como modernização da agricultura. Esse processo é caracterizado pelo significativo investimento de capital estrangeiro e rápida consolidação de setor agroindustrial de produção de maquinaria e insumos agrícolas e processamento de alimentos, como detalhado em Sorj (2008). Para a ocorrência deste processo, entretanto, houve necessidade de alcançar-se pré-condições políticas – favoráveis a abertura da economia ao capital estrangeiro.

O final da Segunda Guerra Mundial marca o fim da Era Vargas e o Início da República Populista74. A dinâmica de abertura ao capital estrangeiro e simultânea disposição à intervenção do Estado na dinamização da produção agrícola afetou, por fim, as condições do investimento agroindustrial.75 Como ilustra Calil (1999) a introdução das sementes híbridas em substituição ao milho de paiol foi projetada

74

Fonseca (1985) sustenta que no Brasil já se fazia valer o conflito de interesses entre os conservadores brasileiros e os interesses econômicos e políticos dos países aliados estrangeiros. O projeto nacionalista e centralista de Vargas era então um obstáculo à própria Revolução Verde. O golpe de estado ocorreu em 1945, dando fim ao projeto nacionalista. Os vencedores enunciavam a abertura do Brasil a entrada e saída sem restrições de capital estrangeiro e a eliminação dos órgãos de intervenção econômicos estatais.

75

A afirmação de Fonseca sobre a realidade da agricultura antes dos anos 50 confirma o momento que a agricultura brasileira começa a ser modificada pelo conjunto de conhecimentos e práticas que estavam sendo transferidos dos países ricos para os países pobres, que segundo a autora, poderia ser lido como um processo de expansão de relações de produção capitalista.

acompanhada de outras três: a substituição da avicultura caipira pela avicultura industrial; a substituição da enxada e do arado pelas máquinas e a implantação do binômio milho-porco. O argumento que sustentou tais intervenções referia aos seguintes aspectos: o milho de paiol - que predominava nas lavouras- era de baixa produtividade e não tinham o padrão industrial, a avicultura caipira não tinha nenhum padrão de qualidade ou sanitário, a enxada e o arado estavam ultrapassados pelas máquinas e o milho deveria ser transformado em porco uma vez que a indústria permitiria agregação de valor a este último. Percebemos neste discurso a presença de uma classificação das sementes, mediante a desqualificação do milho de paiol e promoção do milho híbrido.

Embora a indústria das sementes tenha se instalado no contexto da expansão do complexo agroindustrial, ela requereu condições especificas ao seu desenvolvimento para cuja criação convergiram agentes diversos: governos e um complexo de organizações públicas e privadas, envolvidas em iniciativas de cooperação internacional. Nesse sentido, destaca-se que a concepção e implantação dessa iniciativa tiveram apoio da United States Agency for International Development (USAID) e Universidade do Mississipi. De modo geral, passou-se a requerer do Estado uma intervenção que ia além da elaboração de legislação que controlasse o comercio de sementes. Segundo Wilkinson e Castelli (2000, p. 29).

A primeira legislação de âmbito nacional para a indústria de sementes, que data de 196576, instituiu normas exclusivamente relacionadas ao disciplinamento da atividade de fiscalização do comércio, não dispensando qualquer tratamento à organização da produção de sementes e mudas. Os padrões adotados foram criados com base na experiência dos estados que já haviam estabelecido legislações de fiscalização de sementes, como o Rio Grande do Sul e o Paraná. No bojo dessa ―nova‖ legislação, regulamentada por portarias em 1967, foi articulada uma política de produção de sementes que ficaria conhecida como Plano Nacional de Sementes (PLANASEM). [...] Por meio desse plano foram estabelecidas as principais diretrizes de competências dos órgãos governamentais para o segmento produtivo, que podem ser consideradas o marco preliminar da implementação de um sistema organizado de produção de sementes do país. Oficializam-se, então: a) a supletividade do Poder Público na produção de sementes básicas e comerciais; b) a organização de programas de treinamento para os produtores de sementes e mudas; c) a obrigatoriedade do registro de todas as pessoas e entidades dedicadas à produção de sementes e mudas.

76 ― primeira lei de sementes brasileira, por exemplo, foi editada em um período histórico em que

muitos países adotaram legislações semelhantes, influenciados pelo paradigma do produtivismo e da ‗modernização‘ da agricultura, da padronização dos produtos agrícolas e da fragmentação das várias etapas da produção agrícola. Nesse novo paradigma industrial, as variedades de alto rendimento, homogêneas, estáveis e dependentes de insumos externos, introduzidas pela revolução verde nos anos 1960 e 1970, adquiriram papel central‖ (S NTILLI, 2009, p. 2012).

substituição das sementes de ―baixa qualidade‖ por ―sementes melhoradas‖ contou com a Política Nacional de Sementes (melhoradas) em 196777. A referida política conferiu incentivos do Ministério da Agricultura para a iniciativa privada produzir e distribuir as referidas sementes. Segundo os preceitos da norma legal, caberia ao Estado o provimento de infraestrutura para ―o progresso da iniciativa privada‖ (p. 15). ssim, o programa de sementes visava fazer chegar tais sementes aos agricultores, especialmente pelo estabelecimento de uma indústria de sementes, com base no setor privado. Conforme citação:

Esta disponibilidade de sementes de qualidade superior, no entanto, não ocorre de maneira simples e espontânea. Uma série de atividades altamente especializadas precisa serem conduzida, seguindo-se uma sequência preestabelecida e um cronograma de execução. Essas operações são tão especializadas, revestidas, cada uma, de características próprias, que um complexo de atividades específicas e inter-relacionadas é a única maneira de se transformar pequenas quantidades de sementes genéticas em volumes comerciais disponíveis ao agricultor. […] Este conjunto de atividades específicas e inter-relacionadas forma o complexo conhecido como indústria de sementes. Esta é a filosofia que norteia os trabalhos do subprograma AGIPLAN – o estabelecimento, no país, de uma indústria de sementes, com base no setor privado [...] (VECHI, 1974, p. X).

Neste momento histórico, duas frentes de batalha foram abertas para promover as sementes melhoradas no Brasil. Uma que estimulava o uso das ―boas sementes‖ e outra que proibia a comercialização de sementes fora dos ―padrões‖. Com relação a questão da comercialização de sementes fora do padrão, vale recordar a regulamentação inicial (da lei de sementes no período 1965/6878) que previa a proibição de comercialização de todo material que não tivesse passado por análise experimental e que não tivesse o certificado dos órgãos oficiais. Visava-se, desta forma, assegurar o rendimento, adaptação, resistência a doenças e qualidade industrial das safras. Se conclamava a oficialidade do Estado para legitimar as variedades melhoradas – o Estado como certificador do valor que dizem ter tais sementes e como impositor de leis que também institucionalizam a discussão,

77

O levantamento bibliográfico registrado por Wetzel (1972) evidencia que o conhecimento sobre sementes já não era tão escasso no Brasil. Foram encontrados 232 trabalhos científicos sobre estas culturas, sendo 54 para milho, 53 para trigo, 30 para soja e 29 para cacau. Contudo, fora destas oito culturas, que eram prioritárias para o governo, os pesquisadores publicaram 84 trabalhos para batatas, 65 para hortaliças, 64 para algodão e 62 para o arroz. Para forrageiras foram apenas 8 trabalhos.

78

Nenhuma alteração fundamental ocorreu até o ano 1977. Somente em 1977 que a legislação nacional se equipara as legislações internacionais, pois rege a fiscalização, a produção e a comercialização de sementes.

servindo de árbitro legítimo nas situações de conflito. O exercício efetivo desse poder de controle requereu tanto a formação de ―experts‖ em análise de sementes, quanto uma infra-estrutura de laboratórios e fiscalização79. Coube ao Estado, então, constituir os serviços de fiscalização da comercialização das sementes, em conformidade a lei no. 4.727 de 1967, que estabeleceu a infraestrutura de fiscalização. Segundo Wilkinson e Castelli (2000, p. 29):

Também foram dadas atribuições e competências às Secretarias de Agricultura do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Minas Gerais na condição de "Entidades Certificadoras", outorgando-se-lhes ainda competência para homologarem os boletins de análises emitidos pelos laboratórios oficiais.

Para a operação deste sistema investiu-se na preparação de técnicos, ou seja, sua especialização no exterior, reforçando a importância dos convênios com USAID – Universidade de Mississipi, anteriormente referidos. Em 1965, uma publicação da International Seeds Testing Association (ISTA), intitulada International Training Course on Seed Improvement for Latin America 80 registra que participaram do curso 19 pessoas do Brasil; sete pessoas do Perú; duas da Colômbia; uma da Costa Rica; uma de Honduras; duas do México; uma do Chile e quatro do Uruguai (JUSTICE; BUNCH, 1965).

Como fruto desse processo os agentes do campo das sementes começaram a existir oficialmente e ocupar suas posições para garantir as regras de produção e distribuição de sementes segundo os interesses dos agentes dominantes do campo81. Neste momento tornaram-se mais evidentes os atores e os papéis dos agentes do campo de sementes, pois as regras e a lógica de produção de sementes já se encontram efetivas e ocorreu a formação de grupos e sua organização para representação política, os quais funcionam como frações de classe, a saber: produtores de sementes, comerciantes e especialistas (melhoristas e analistas) os quais passam a ditar, de forma mais autônoma, a dinâmica do campo, bem como a

79

Uma condição para que isso ocorresse era a criação de laboratórios de análise de sementes nos estados. As regras para a qualidade das sementes para os laboratórios brasileiros seguiam a regras divulgadas em bibliografias internacionais.

80

Esta publicação era resultante de um curso realizado em Campinas, em novembro de 1964, relatados por Oren L Justice, que era presidente da referida associação e H. Dean Bunch, que era diretor da US-AID/Mississipi, State University.

81

Estes irão se dedicar a delimitar a fronteira de um campo que lhes garanta autonomia no processo de análise, de produção e de comercialização.

refutar medidas e formular demandas segundo os interesses da indústria de sementes harmonizados internacionalmente.

Em 1967 se estabeleceram as regras nacionais de análise de sementes. Junto ao II Seminário Brasileiro de Sementes, realizado em Pelotas, no ano de 1968, realizou-se o I Encontro Nacional de Analista de Sementes. Como se pode constatar, o evento foi uma reunião de um conjunto de técnicos especializados em análise de sementes. Nota-se que a temática apresentada neste encontro reproduz, de forma homóloga, os objetivos, preocupações e interesses já estabelecidos pelas regras e organizações internacionais de sementes. Como um campo profissional, os analistas brasileiros reproduzem as regras internacionais para análise de sementes, pressionando para que se tornassem lei e, assim, viessem a ser impostas e aceitas por todos82. O grupo também demostrou ter autoridade de falar sobre política de sementes e de endereçar ações ao Ministério da Agricultura, ou diretamente aos setores específicos.83

Os agentes dominantes do campo das sementes brasileiros se revelaram a partir dos anos 70. Em 1970 fundou-se a Associação Brasileira de Tecnologia de Sementes (ABRATES) e a Associação Brasileira do Comércio de Sementes e Mudas (ABCSEM). Em 1972 registrou-se a fundação da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (ABRASEM)84 BCSEM é uma ―Sociedade civil sem fins lucrativos, que representa, assiste, orienta e une os comerciantes de sementes e mudas de todo o Brasil‖ ( BR SEM, 2015). Sua trajetória foi marcada pela influência no Estado (como associação, buscou prestígio para interferir no governo e defender os interesses em nome das empresas associadas) e por barganhas para

82 Neste seminário, houve pressão para a efetivação da lei de sementes (lei n 4727/65 – regulamento

57.061/65) no Brasil. Ela se dá exatamente quando começa a se identificar um possível e provável campo das sementes no Brasil.

83

A questão da especialidade pode ser conferida pelos temas discutidos no encontro: a) problemas de produção e beneficiamento; b) legislação, c) certificação, d) política de sementes; e) organização da produção; f) laboratórios de análise; g) regras de análise e pesquisa sobre análise de sementes; criação de entidades de produtores de sementes e entidades de análise de sementes.

84

Ao mesmo tempo que se institucionalizavam as regras do campo das sementes na forma de lei, a iniciativa privada estava incumbida de criar entidades estaduais e nacionais de produtores, comerciante e especialistas em sementes e mudas. Há também uma nova discussão que se apresenta a época, no campo das sementes, que é a proteção de cultivares. No Brasil, até a criação em 1997, da Associação Brasileira de Obtentores Vegetais (BRASPOV), o tema da proteção dos direitos do melhorista não tinha ganhado a mesma força que os analistas de sementes tiveram no campo das sementes.

aumentar os ganhos, como por exemplo, visando isenções de impostos. A ABRASEM, enquanto agente coletivo do campo congrega, segundo a citação:

Associações Estaduais de Produtores de Sementes e Entidades Representativas de todo o setor de sementes do Brasil, de obtentores a usuários; passando pelos setores de pesquisa, produção, multiplicação, beneficiamento, armazenamento e comercialização, e objetivando uma representação institucional forte e atuante. Foi criada para congregar, representar, assistir e orientar as Associações Estaduais e do Distrito Federal, bem como as demais associações, entidades correlatas e associadas. É também função da ABRASEM a coordenação e gerenciamento de assuntos em âmbito nacional, de interesse de suas associadas e da agricultura nacional (ABRASEM, 2014).

Neste contexto, as sementes não melhoradas passaram a ser consideradas de baixa tecnologia, não adequadas (paleontológicas) recomendando-se sua substituição antes mesmo da criação do termo ―Revolução Verde‖. Portanto, o termo é mais bem explicado como uma estratégia política de expansão de uma determinada visão de mundo que reforçava as hierarquias do espaço social.

3.1.4 A diferenciação das práticas em favor das sementes transgênicas no

Outline

Documentos relacionados