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A diferenciação das práticas em favor das sementes transgênicas no Brasil

3 AGENTES ECONÔMICOS E SUAS ESTRATÉGIAS NA CONSTRUÇÃO SOCIAL DA NATURALIZAÇÃO DAS SEMENTES INDUSTRIAIS NO BRASIL

3.1.4 A diferenciação das práticas em favor das sementes transgênicas no Brasil

A Revolução Verde marca, de forma significativa, a penetração da industria de sementes e conformação das regras especificas do campo das sementes no Brasil, ou seja, a vinda das empresas sementeiras multinacionais para o país, que operam aos moldes internacionais. A participação do Estado na pesquisa e na produção de sementes, inicialmente mais proeminente, foi perdendo importância relativa frente a iniciativa privada.

Este processo acabou impactando profundamente a pesquisa com sementes na Embrapa. Segundo Boas (2008), foi na década de 1990 que a Embrapa redesenhou a sua relação com o mercado de sementes. Nesta época o setor privado prevalecia ao setor público na produção e distribuição de sementes. Grandes indústrias de sementes privadas passaram a produzir com base em novas tecnologias, dominando a maior parte do mercado de sementes. Ou seja, passaram a ser o agente dominante no campo das sementes, trazendo dificuldade para a manutenção dos obtentores públicos, como a Embrapa. Conforme a citação:

A pesquisa e o desenvolvimento de cultivares, que até então era um ambiente em que predominavam as instituições públicas, passou por

profundas modificações. Fortaleceu-se a presença dos grandes conglomerados que passaram a atuar com o aporte de novas tecnologias, altos investimentos e estratégias agressivas para a conquista de mercado. Empreendimentos de grupos nacionais com capacidade de inovação também surgiram, buscando oportunidades criadas pela segmentação de mercado. O setor de sementes passou a ser bastante competitivo, o que exigiu um grande esforço de adaptação dos obtentores para permanecerem no mercado (BÔAS, 2008. p. 16).

Nos anos 90, diante da distinção entre agricultura familiar e empresarial, a Embrapa como instituição pública de pesquisa, precisou estabelecer estratégias diferenciadas segundo o público-alvo. Conforme Bôas (2008, p. 17):

Para a agricultura familiar, em que predomina a função social, as cultivares são obtidas por meio de projetos especiais de melhoramento e os canais para introdução de cultivares envolvem programas comunitários e ações governamentais. Para atender a agricultura empresarial utilizam-se as parcerias para a pesquisa e o desenvolvimento de cultivares e os contratos de licenciamento para a produção e comercialização de sementes.

Com a aprovação da Lei de Proteção de Cultivares, em 1997, a participação da algumas variedades desenvolvidas pela Embrapa e por cooperativas ou empresas privadas de caráter nacional, cedem espaço às empresas multinacionais. Neste período, segundo Bôas (2008), o Brasil fez importante modificações nas legislações sobre sementes:

Paralelamente às modificações da legislação de propriedade intelectual, promoveram-se outras alterações na legislação, como a Lei de Sementes, n. 10.711/03 (BRASIL, 2003), a Lei de Inovação Tecnológica, n. 10.973/04 (BRASIL, 2004), a Lei de Biossegurança, n. 11.105/05 (BRASIL, 2005), e o Registro Nacional de Cultivares, instituído no MAPA pela Portaria n. 527/97 (BRASIL, 1997), as quais têm fortes vínculos entre si e em conjunto proporcionaram condições para a modernização do setor de produção de sementes no Brasil (BÔAS, 2008, p. 21 e 22).

No Brasil as empresas que produzem sementes em geral não desenvolviam pesquisa tecnológica (WILKINSON; CASTELLI, 2000). Segundo Wilkinson e Castelli (2000), a transgenia encontra um país que precisava enfrentar a pobreza e as injustiças sociais, mas que ao mesmo tempo estava se modificando, a nível regulatório, para assegurar a garantia dos direitos de propriedade intelectual sobre sementes. Tal processo resultou no que Wilkinson e Castelli (2000) viriam a chamar de ―Transnacionalização da Indústria de Sementes no Brasil‖. Em 1997 a Monsanto compra a Agroceres, consolidando um movimento de compra da indústria sementeira pela indústria química, que se converte em uma das mais poderosas

―Empresas da Vida‖, o agente dominante entre os dominantes do campo. No Brasil, a soja RR foi liberada em 1998 e o milho transgênico em 2008 (BRUINS, 2009).

Entre 1990 e 2013, segundo Santos (2014), as fusões e aquisições no Brasil foram as seguintes: Sakata compra a empresa Agroflora; a Limagrain compra as sementes Gerra; a Dupont compra a Pioneer Hi-Bred (que por sua vez havia comprado as Sementes Dois Marcos); a Monsanto compra as empresas FT sementes, Agroeceres, Canavialis, Seminis, MDM, Delta e Pineland, Agroeste, Alellyx e Braskalb; a Bayer compra as empresa: Granja 4 irmãos, Soytech Seed, Biotrigo Genética, Sementes Ribeiral, Sementes Fartura, Mitla Pesquisa Agrícola, Wehrtec e a Melhoramento Agropastoril; a Dow Agrosciences compras as empresas FT biogenética, Híbridos Colorado, Dinamilho, Empresa Brasileira de Sementes, Agromen e Coodetec.

Estas aquisições e fusões trouxeram impactos para a indústria de sementes no Brasil. Surgiram novos negócios como licenciamento e terceirização da produção, bem como novas parcerias público-privadas. No período de 2005 a 2012, para a soja transgênica, as Liberações Planejadas no Meio Ambiente (LPMA) concedidas pela CTNBIO foram assim distribuídas: a Dupont teve 25%, a Monsanto 21%, a Syngenta 13% e a Embrapa 8%. Para o milho, a Monsanto ficou com 36 % das liberações, a Du Pont com 25%, a Syngenta com 18% e a Dow com 15%, considerando-se apenas as principais empresas. Desta forma ―Grandes multinacionais como Monsanto (27%), Du Pont/Pioneer (19%), Dow AgroSciences (10%), Syngenta (10%), Bayer (5%) e Basf (4%) passaram a dominar a pesquisa e o desenvolvimento de produtos biotecnológicos no País‖ (S NTOS 2014, p. 139). Na mesma fonte se percebe que a Embrapa é responsável por 3,5% das LPMA.

Segundo a Celeres (2014), ao longo dos últimos anos o uso da transgenia se consolidou no Brasil, sobressaindo-se sobre as sementes convencionais. Ou seja, a transgenia passou a ser o padrão e as convencionais orientadas a um nicho de mercado (um crescente mercado de produtos GMO-free de países europeu e asiáticos). A soja é a cultura líder no uso de sementes transgênicas, seguida do milho. As sementes transgenicas atingem percentagens próximas de 90% da área de cultivo nestas especies. O dinamismo do setor de sementes pode ser inferido a partir da dinâmica de registro de cultivares. Segundo a Celeres (2014), os pedidos de proteção estão aumentando ano a ano desde a aprovação da lei de proteção de cultivares, que coincide com a liberação dos cultivos transgênicos. No conjunto se

percebe o aumento de pedidos de proteção para variedades estrangeiras85. As culturas com maior número de pedidos de proteção são a soja e outras grandes culturas, somadas à ornamentais.

Segundo Celeres (2014) a simplificação do manejo tem sido uma das motivações para opção pelas cultivares transgênicas, que passam a constituir o uso padrão. Contudo, as empresas tem tido problemas com a vida útil das tecnologias propostas, de modo que o manejo inadequado da tecnologia vem obrigando a constantes atualizações tecnológicas. Entretanto, para entender a importância assumida pela transgenia deve-se considerar, também, a dinâmica recente do agronegócio brasileiro que influencia na disposição dos agentes econômicos ao investimento (influenciando no tamanho do mercado) bem como o sucesso das estratégias de institucionalização de regras que garantam o retorno dos investimentos privados no melhoramento: adoção de iniciativas de proteção da propriedade intelectual e de legislações que regulam os produtos da biotecnologia.

Os momentos de crise econômica são, frequentemente, momentos em que se avivam as discussões sobre a modernização e fortalecimento do agronegócio, apresentando-se o aumento das exportações de produtos agropecuários como parte da solução da crise. Desta forma facilitou-se a entrada das sementes transgênicas no Brasil. Uma série de fatos relevantes comprovam a atenção dada, no início da década de 1990, à globalização dos mercados agrícolas. Em 1994 estabeleceu-se o acordo do Mercosul e implementou-se o plano Real. Em 1995 renegociou-se as dívidas dos grandes agricultores, operação chamada securitização. Em 1996 foi aprovada a Lei Kandir que isenta de ICMS produtos agrícolas exportados, inclusive as operações das tradings. Em 1998 implementou-se o Programa de Revitalização de Cooperativas de Produção Agropecuária (RECOOP) para salvar as cooperativas do agronegócio da falência. No ano 2000 lançou-se o programa Moderfrota e, em 2003, aprovou-se o cultivo comercial de sementes transgênicas. Esse conjunto articulado de medidas proporcionou condições para um novo dinamismo no agronegócio, manifestado, no que se refere às sementes, por fusões de grandes

85

Segundo a fonte, este crescimento das solicitações estrangeiras, para proteção de suas cultivares é reflexo do princípio da reciprocidade entre países membros em conceder o mesmo tratamento aos obtentores nacionais ou estrangeiros. Outra razão é que, na atualidade, as leis e procedimentos técnicos estão harmonizados. inda ―a segurança jurídica proporcionada por um sistema de proteção intelectual de cultivares estimula as empresas obtentoras a expandirem suas operações a outros países‖ (S NTOS et al., 2013. p. 27). Segundo a mesma fonte, 97% das cultivares de flores e plantas ornamentais pertencem a obtentores não-residentes.

empresas, lançamento de novas variedades e patenteamento de eventos biotecnológicos, alterando o mercado de sementes. Assim, o mercado brasileiro de sementes em 2015 alcançou movimentação de R$ 10 bilhões, com venda de 4 milhões de toneladas de semente, ficando atrás apenas dos EUA e China. Soja e milho corresponderam a 74% do valor do mercado de sementes e as forrageiras a 11% (RODRIGUES, 2015).

O cenário de crise e de demandas por políticas públicas e legislações específicas garante, aos agentes dominantes do campo das sementes, o poder de definição e controle de muitas regras, aumentando o grau de autonomia dos agentes dominantes. A disponibilidade de capital econômico suficiente para produzir uma nova variedade, por sí só, limita a participação de muitos agentes no campo. Em razão do alto investimento econômico, o produto criado, a partir da posse do capital científico, precisa novamente converter-se em capital econômico. A forma de assegurar a realização desse proposito recai sobre normas que garantam os direitos sobre propriedade intelectual e os direitos dos obtentores. À medida que os princípios do campo se institucionalizam e são valorizados por mecanismos formais do Estado, mais intransponíveis se tornam suas fronteiras e mais restrições ao uso das sementes próprias são observadas.

No polo dominante do campo das sementes, a Associação Brasileira de Obtentores Vegetais (BRASPOV) é uma das mais recentes institucionalizações, uma organização que representa as empresas criadoras das variedades, abrindo caminho para a proteção dos eventos biotecnológicos. Vejamos a citação:

A Associação Brasileira dos Obtentores Vegetais (BRASPOV), fundada em 1997, é uma sociedade Civil sem fins lucrativos, que foi criada para congregar, representar, assistir e orientar os obtentores vegetais, ou seja, as empresas públicas e privadas que mantém programas de melhoramento genético e desenvolvem cultivares, com o objetivo primordial de disponibilizar ao agricultor brasileiro, materiais altamente produtivos, estáveis, resistentes a doenças e adaptados às nossas condições edafo- climáticas (ABRASEM, 2015).

Os membros do conselho da BRASPOV são a Coodetec, Pioneer, Syngenta, Monsanto, Embrapa, Dow Agrosciences, Sakata, Basf, Iapar, Bayer, Biotrigo e Monsoy. São sócios da BRASPOV as seguintes empresas: Basf S.A, Bayer S.A, GDM Genética do Brasil Ltda., Biotrigo Genética Ltda., Cooperativa Central de Pesquisa Agrícola (Coodetec); Centro de Tecnologia Canavieira CTC), Delta And Pine Land Company, Dow Agrosciences Industrial Ltda., Du Pont do Brasil S.A –

Divisão Pioneer Sementes, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); Fundação Centro de Experimentação de Pesquisa (Fecotrigo), Igra Sementes, Instituto Mato-Grossense do Algodão (IMAmt); Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), Instituto Rio-Grandense do Arroz (IRGA), Monsanto do Brasil Ltda., Monsoy Ltda., Nidera Sementes Ltda., OR Melhoramento de Sementes Ltda., Ricetec Sementes Ltda., Sakata Seed Sudamerica Ltda., Syngenta Seeds Ltda., Tropical Melhoramento e Genética (TMG) e Wehrtec Tecnologia Agrícola Ltda. (ABRASEM, 2015).

Desde a formação do campo das sementes, ou seja, os agentes que defendem as sementes industriais preconizam proteção via patente ou por direito de obtentor. Entretanto, a transgenia fez com que a Lei de Proteção de Cultivares se parecesse defasada. O desequilíbrio entre as formas de propriedade intelectual no tempo da transgenia é amplamente favorável a Leis de Patentes. Nesse contexto, mesmo com o sucesso da Lei de Proteção de Cultivares (LPC) (MACHADO, 2014), os agentes dominantes do campo lutam por maiores avanços. Uma das principais questões diz respeito ao direito do obtentor sobre os produtos da colheita, que afeta diretamente as plantas ornamentais, mas que também passou a ser demanda para as grandes culturas, como soja, trigo, arroz e algodão, que reclamam da disposição sobre o uso próprio de sementes e a extensão dos direitos aos produtos da colheita. Por esta razão apresentaram ao Congresso Nacional dois Projetos de Lei (PL) com o objetivo de alterar a LPC, PL 2325/2007.

Diante do exposto, a Figura 3 sintetiza um conjunto de agentes interessados nas sementes, que figuram no polo dominante do campo das sementes no Brasil.

Figura 3 – Agentes destacados do campo das sementes no Brasil em diferentes períodos

Figura do autor

Nota-se que agentes permanecem ao longo da história e alguns se reconfigurando. A Braspov é a mais recente organização brasileira dos agentes dominantes e revelam as empresas associadas. Mas recentemente mereceram a atenção o interesse pelas sementes de forrageiras, sendo constituída a Antrosem em 2009 e a Unipasto em 2002. Vale ressaltar que uma das agências mais importantes dos anos 2000 é a própria CTNBIO, constituída em 2005.

3.2 DETERMINANTES DAS MUDANÇAS NAS PRÁTICAS: AGENTES E SUAS

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