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CAPÍTULO 1 – A ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA COMO CAMPO DE

1.3 Agentes e estruturas: o modelo de Walter Carlsnaes

1.3.2 A dimensão disposicional

Essa dimensão serve a explicar porque determinadas motivações e escolhas vieram em primeiro lugar. Em uma pergunta básica, ela pode ser resumida como: “qual a disposição que levou à determinada ação?”. De acordo com Holsti (2006), para certas classes de decisões, a perspectiva do processo cognitivo é importante – e não somente um meio de preencher os detalhes –, mas acrescenta que não é em si só suficiente. Para Herz (1994, p. 78),

A relação que qualquer ator estabelece com diferentes estímulos é afetada pelas suas crenças. Particularmente em determinados contextos, como as situações não-rotineiras, as decisões tomadas nos escalões superiores da máquina estatal, os eventos não antecipados e as situações que geram tensão e pressões sobre os decisores, a relevância da investigação do papel das variáveis subjetivas é hoje amplamente aceita.

É neste sentindo que percebemos como Carlsnaes vincula essa dimensão que cria uma relação causal com a dimensão posterior, a intencional. E tal como essa, é também formada por duas categorias conceituais que são essenciais em uma análise causal deste tipo:

a) Valores (incluindo normas): são uma categoria normativa causal. Para Carlsnaes (1987), a contradição entre preferências e escolhas particulares é resultado de condições previamente concebidas a partir da complexidade dos valores; esse problema pode ser resolvido cognitivamente pelos formuladores de política, ou quando não resolvido, a ‘culpa’ em última instância é de valores incompatíveis.

b) Percepções: dentro do campo das percepções duas distinções são necessárias. Primeiro, entre as reivindicações referentes às distorções no modo como os tomadores de decisão veem a realidade: “o que os decisores percebem não são necessariamente as características objetivas da situação mas, ao contrário, um significado ‘dado’ ou ‘atribuído’; e essas atribuições – sobre as quais as decisões são tomadas – constituem uma distorção da realidade23” (CARLSNAES, 1987, p. 99. Tradução livre); e, segundo, entre as várias limitações que caracterizam o processo informativo durante a tomada de decisão de tal maneira que esta tende a seguir mais uma lógica psicológica do que formal. Essas categorias se conectam, mas é importante, do ponto de vista teórico, separá-las.

Valores e percepções também são fatores intimamente relacionados, tanto que é impossível falar de um sem implicar o outro: “valores (e normas) obviamente colorem nossas percepções (mesmo quando não estamos conscientes disso), enquanto – talvez de uma maneira menos óbvia – nossas percepções modelam e reforçam nossas premissas normativas e anseios24” (CARLSNAES, 1987, p. 102. Tradução livre).

Como Herz (1994, p. 80) aponta:

Embora a ação de política externa continue sendo a unidade de análise básica, o autor [referindo-se a Carlsnaes] preocupa-se em investigar o papel de elementos cognitivos que precedem o processo decisório, no caso, valores e percepções. Não encontramos, contudo, em seu trabalho, uma discussão sobre o conteúdo desses mesmos valores e percepções, apenas referências à posição que ocupam no esquema explicativo que focaliza as ações em política externa.

Essas categorias cognitivas são identificadas com os sistemas de crenças, que são guias diretos para o estabelecimento de metas; vínculo indireto com a maneira como o processo de ordenamento das preferências se dá através da assimilação de novas percepções com outras já familiares, distorcendo e minimizando possíveis pontos de ruptura (HOLSTI,

23 Do original: “(…) what the decision-maker perceives is not necessarily the ‘objective features of the

situation’ but, rather, an ‘assigned’ or ‘ascribed’ meaning; and that these imputations – on the bases of which decisions are made – constitute a distortion of reality23” (CARLSNAES. 1987, p. 99).

24 Do original: “Values (and norms) obviously colour our perceptions (even when we are not aware of

it), while – if perhaps in a somewhat less obvious fashion – our perceptions fashion and reinforce our normative premises and pursuits” (CARLSNAES, 1987, p.102).

2006). Ole Holsti (2006) ainda aponta as circunstâncias em que recorrer aos “sistemas de crenças” pode ser interessante na análise de política externa. São estas:

1) situações não rotineiras que exigem a aplicação de procedimentos de tomada de decisão tais como a decisão de iniciar ou terminar um conflito;

2) decisões tomadas por líderes do alto escalão que são relativamente livres dos constrangimentos organizacionais;

3) questões de longo alcance, que envolvem incertezas e maior influência das lideranças no poder;

4) quando a situação é ambígua e passível de múltiplas interpretações; 5) situações em que há sobrecarga de informações nas quais o tomador

de decisões tem que adotar mais de uma estratégia para organizá-las; 6) eventos não-antecipados nos quais as reações iniciais são suscetíveis

de refletir “conjuntos” cognitivos;

7) situações nas quais tarefas cognitivas complexas associadas com a tomada de decisão comprometem ou colidem com os desígnios dos principais líderes executivos.

Continuando desenvolvendo seu argumento, Holsti (2006) alerta que as perspectivas cognitivas não podem ser usadas de maneira simplista, primeiro porque em qualquer sistema político há crenças compartilhadas, mas em governos pluralistas pode haver variações nas crenças, o que nos leva a focar no tomador de decisão, ao invés de assumir uma homogeneidade de crenças e valores. Segundo, não é prudente assumir um vínculo direto entre crenças e ações de política externa, e é importante ressaltar que o papel que aquelas exercem nessa é mais sutil. Para Holsti (2006, p. 41), “a atenção deveria ser direcionada aos vínculos entre crenças, e em certas tarefas da tomada de decisão que precedem a decisão – definição da situação, análise, prescrição e semelhantes”.

Carlsnaes, em 1987, trabalhou com a perspectiva de conciliar valores e percepções sob o manto de um só termo: sistema de crenças. De maneira semelhante à que Holsti (2006) as definiu, eles são códigos operacionais dos tomadores de decisão e são a causa das políticas externas expressas na dimensão intencional. Logo, encerramos assim um ciclo de causa e efeito.

As duas dimensões trabalhadas até o momento indicam um viés individualista, focada em atores “interpretativos”. Carlsnaes acredita inovar ao acrescentar justamente a próxima dimensão, a estrutural.