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CAPÍTULO 2 – HISTÓRIA, IDEIAS E INSTITUIÇÕES DA POLÍTICA EXTERNA

2.5 Os meios de ação e os instrumentos da influência global

Os Estados Unidos têm se utilizado de intervenção militar desde o início de sua história, mas como exemplos de casos recentes podemos citar a Coréia (1950), o Líbano (1958), o Vietnã (nos anos 1960 e 1970), a República Dominicana (1965), Granada, (1983), o Panamá (1989), o Iraque (1991) e o Haiti (1994).

Outra forma de ação tem sido as sanções, que ocupam um meio-termo entre ações diplomáticas e ações militares coercivas ou intervenção direta. Essas sanções são criticadas, pois a relação entre pressão econômica e mudança política ou comportamento militar é raramente direta, o que torna difícil avaliar a efetividade das sanções. Cuba é um caso onde as sanções econômicas falharam. Este caso mostra ainda que sanções podem falhar porque nem

todos os Estados se comprometem a elas, mesmo quando impostas pelas Nações Unidas (como no Iraque no início dos anos 1990). As sanções atingem principalmente a população civil, mas continuaram sendo utilizadas como um meio de demonstrar para o público a resolução em agir, mas sem recorrer à guerra. Na verdade, o grande clamor do PNAC (1998), acima citado, era que sanções não eram suficientes para barrar o ímpeto maligno de Saddam Hussein. O debate das sanções continua recente, e os casos de Coreia do Norte e do Irã servem para reavivar o debate.

As ações secretas visam produzir resultados na política de outro país sem os Estados Unidos se mostrarem diretamente envolvidos, ou servem também quando não há outros meios de se iniciar o contato. Esse tipo de ação tenta influenciar os eventos diretamente, e as operações no Afeganistão e na Nicarágua revelam o quão incisiva se tornou a ação da CIA, sem nem mesmo se preocuparem em manter o apoio dos Estados Unidos secreto. Na verdade, nas relações entre Cabul e Washington, este tem sido um dos elementos centrais.

A ajuda econômica pode ser entendida de duas formas: do ponto de vista realista, a ajuda externa é um instrumento de política que anima os interesses de política externa do doador. Para os idealistas, preocupações humanitárias são mais importantes que considerações geoestratégicas (mas não as negam). Na prática, os programas de ajuda externa dos Estados Unidos são um misto das duas motivações. Essa ajuda econômica, no entanto, tem um nítido matiz de promoção de um estilo de vida e fomento de instituições econômicas aos moldes do auxiliador (KEGLEY; WITTKOPF, 1996). O Afeganistão é importante caso nesse sentido, em que se digladiavam as superpotências, e outras potências. Para Mohmand (2007, p. 108), “cada um dos países envolvidos, especialmente os Estados Unidos, a União Soviética, e a Alemanha Ocidental, tentaram exercer pressão sobre as lideranças afegãs para influenciar a orientação política do desenvolvimento econômico e da modernização no Afeganistão38”.

Diante desse cenário podemos refletir sobre os meios de ação das potências, em especial dos Estados Unidos, no início do século XXI. Como apontou Joseph Nye (2002), há dois mecanismos pelos quais os Estados podem atingir seus objetivos em política externa: o

soft power (poder brando) ou o hard power (poder bruto).

Os Estados Unidos têm influência na moeda, língua, modo de vida, no setor militar e em outras esferas da vida política internacional que fascinam aliados e não-aliados (NYE, 2002). Sendo assim, a cultura, a história, as ideias, os ideais e os valores que embebem a

38 Do original: “Each of the involved countries, especially the United States, the Soviet Union, and

West Germany, tried to exert pressure on the Afghan leadership to influence the political orientation of economic development and modernization of Afghanistan” (MOHMAND, 2007, p. 108).

política externa norte-americana são também instrumentos de poder. A cultura é poder no momento em que duas incompletudes culturais se encontram, e uma é mais habilidosa em conquistar a outra. Ser poderosa não é necessariamente ser superior, mas pressupõe sapiência, que em política externa seria, na linha do pensamento de Nye (2002), o uso do soft power. Em contraposição a esta forma de poder, poderíamos apontar o uso da força e da economia como instrumento de força, através de intervenções e ocupações, que de maneira simplificada chamaríamos de hard power. Se o poder brando coopta ao invés de coagir, o poder bruto é apoiado tanto em induções quanto em ameaças.

A questão da mudança de regime, e em específico a promoção da democracia, por meios pacíficos é um exemplo nítido do poder brando. Ela sempre assumiu na política externa dos Estados Unidos um papel importante, e sempre esteve presente nos discursos presidenciais, em especial daqueles incluídos no escopo da escola wilsoniana. Para Joseph Nye (2002, p. 248), “antes da década de 1980, os Estados Unidos não se empenharam no incentivo à democracia em bases muito amplas, mas, a partir dos governos Reagan e Clinton, esse estímulo passou a ser um instrumento político deliberado”.

É claro que durante o governo Clinton, estes anseios ficaram claros tanto nos discursos oficiais do presidente e de seus Secretários de Estado, quanto na atuação internacional. E mesmo que após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, o terrorismo tenha ressurgido como uma nova ameaça e a questão da segurança tenha voltado a ocupar um dos lugares de destaque na agenda norte-americana, a democracia passa a ser vista e usada como um “remédio”, ou ainda, como considerado por Colin Powell, uma solução para os países que fomentam o terrorismo.

Todavia, o que se examina é como a promoção democrática se vinculou cada vez mais aos imperativos bélicos, questionando a validade do que se passa a chamar “exportação da democracia39”. De qualquer maneira, os ideais e os valores se mostram fundamentais como objetivos de política externa dos Estados Unidos em si mesmos e também como formas de maquilar outros objetivos. Apesar de parcialmente desconexa e incoerente, essa prática está inserida na miríade de formas como os Estados Unidos têm agido internacional, tanto com o objetivo de ampliar quanto de concretizar seu poder no mundo. Além do mais, como o intervencionismo é uma característica histórica da ação externa do país, era de se esperar que

39 Para Castro Santos (2001), a exportação da democracia tem se dado de diversas maneiras nos últimas décadas e mecanismos institucionais se fortaleceram após o fim da Guerra Fria para auxiliar neste alvitre: “A exportação da democracia tem sido exercida de várias maneiras: por meio da política externa americana, com destaque para a política de ajuda, de radiodifusão, de programas internacionais de intercâmbio de estudantes e de acadêmicos; por meio da atuação da ONU, da OEA, de organizações não-governamentais, do National Endowment for

intenção e disposição se vinculassem nesses aspectos, formando um arranjo estritamente norte-americano, e que foi aplicado ao Afeganistão.

O que não se pode é reificar uma forma ou outra de ação, pois o interesse nacional não segue essa lógica. Está interessado na manutenção da segurança nacional, e no caso da potência hegemônica, está diretamente vinculado a arranjos em outros países e regiões. É justamente isso que passaremos a ver no próximo capítulo, em que estudaremos além de um breve histórico do Afeganistão, as duas fases iniciais da história da política externa dos Estados Unidos com o país considerado: a intervenção indireta (do final dos anos 1970 ao final dos anos 1980) e o desengajamento seletivo (do início dos anos 1990 ao início dos anos 2000).

CAPÍTULO 3 – ESBOÇANDO UM ESTADO: O AFEGANISTÃO AO LONGO DOS