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CAPÍTULO 1 – A ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA COMO CAMPO DE

1.4 O “Executivo da Política Externa” e o caso dos Estados Unidos

Diante do quadro teórico desenvolvido até o momento acerca das abordagens da Política Externa, é importante que ressaltemos que o doméstico e o estrangeiro são duas pontas de um mesmo continuum, mas que cada um guarda com rigor suas próprias características em determinadas situações, mesmo que a Política Externa tenha fontes domésticas e a política doméstica tenha fontes na Política Externa. A Análise da Política Externa entra assim como um campo legítimo do estudo das relações internacionais, capaz de revelar aspectos ignorados por outras abordagens.

Além do mais, o estudo da Política Externa é uma boa maneira de se apreender como a democracia funciona quando analisada dento de um contexto globalizado. Podemos considerar, por exemplo, o quão protegidas estão as necessidades de uma sociedade democrática através das ações de política externa de seus líderes, e em que medida o próprio processo de tomada de decisão é democrático. Assim, uma pergunta que persiste é: para quem é a política externa?

No caso a ser estudado neste trabalho, os Estados Unidos, as decisões de política externa são tomadas por um círculo geralmente pequeno que compreende na maior parte das vezes o Presidente, o Secretário de Estado, o Secretário de Defesa, os chefes dos serviços secretos, e os subordinados a estes. O Congresso também tem sua função em política externa, mas desde a II Guerra Mundial é este círculo, que se conforma dentro do Conselho de Segurança Nacional (CSN) que toma as decisões mais importantes. Podemos identificar esse grupo com o que Hill (2007, p. 66) chama de “Executivo da Política Externa”:

O executivo da política externa detém os poderes de iniciativa, informação, convocação, reuniões e (no caso do chefe de governo) também a nomeação de colegas. (...) geralmente crises simplesmente exacerbam a tendência de

confiar no executivo da política externa para respostas mais criativas e rápidas25.

Por se tratar de um circulo relativamente pequeno e por pessoas apontadas pelo presidente, os valores e as percepções acabam tendo um papel mais importante nas decisões tomadas. É diante da necessidade de maior profundidade analítica que optamos por acrescentar o estudo da dimensão da disposição no nosso estudo, lidando com uma relação de causalidade.

Por fim, mais uma questão que a Análise da Política Externa pode levantar: acerca da moralidade nas relações internacionais. Tanto no nível filosófico quanto prático é difícil decidir qual o nível de obrigação de uma comunidade para com outra. Ao estudar o movimento dos líderes e do “executivo da política externa” das principais potências, por exemplo, temos a profundidade necessária para avaliarmos o comprometimento com valores, ideias e outros aspectos ideacionais das relações internacionais. É justamente isso que queremos ao estudar a intervenção direta dos Estados Unidos no Afeganistão – entender a atuação da potência, a partir de elementos teóricos e históricos, através das escolhas e preferências, das percepções e dos valores, veiculados enquanto um discurso de mudança de regime.

Ressaltamos que o modelo de Walter Carlsnaes (1987; 1993; 2002), com a sua divisão das dimensões nos auxiliará a operacionalizar a nossa pesquisa, e não é um molde que nos conterá na sua pura aplicação. Compreendemos que a decisão sempre se voltará a uma ação, tanto que nossa variável dependente continua sendo a Ação em Política Externa, tal como postulada por Carlsnaes, sabendo que esta refletirá nas agências burocráticas, nas empresas nacionais, no povo, e, especialmente quando tratamos de um país com capacidades elevadas como os Estados Unidos, em todos os outros países.

A Análise de Política Externa, como se pode perceber acima, estuda a ação de indivíduos enquanto depositários de uma pretensa representatividade na decisão e na ação da política externa de seus países. Por isso optamos por trabalhar sob o manto dos estudos da Análise de Política Externa, cientes das possibilidades da área em analisar a forma como que o governo de George Bush se envolveu em um conflito com os Talibãs, a Al-Qaeda, e tangencialmente os afegãos.

25Do original: “The foreign policy executive in particular holds the powers of initiative, information,

convening, meetings and (in the case of head of government) also the appointment of colleagues. (…) often crisis simply exacerbates the tendency to rely on the foreign policy executive for rapid and creative responses” (HILL, 2007, p. 66).

A interação entre povos, como apontado no início deste capítulo, é algo antigo e complexo. Todavia, como assinalam os novos estudos sobre as relações internacionais, as incompletudes, as diferenças, a alteridade, são elementos que impulsionam esse trabalho, no sentido de não somente auscultar os interesses de um grupo pequeno e importante – o “Executivo da Política Externa” na terminologia de Hill –, mas claro, pela visão que se pretende transpassar dos valores e percepções que informaram os Estados Unidos enquanto nação, e a história do Afeganistão, que definitivamente não se encaixa nos esquemas abstratos da nacionalidade impostos pela modernidade, muitos menos na visão weberiana de Estado.

Dessa forma, no próximo capítulo estudaremos os instrumentos de poder global dos Estados Unidos – em especial o poder militar e o intervencionismo – e os instrumentos de influência global – tais como as atividades secretas, diplomacia pública e ajuda externa –, além do papel e tarefas de cada membro do executivo da política externa. Além disso, serão tecidos comentários sobre os valores e ideias que tem sido basilares na política externa dos Estados Unidos a partir de uma perspectiva histórica, em especial sobre como a “democracia” e a “liberdade” tem sido um mote nas ações de política externa do país.

CAPÍTULO 2 – HISTÓRIA, IDEIAS E INSTITUIÇÕES DA POLÍTICA EXTERNA