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A dimensão subjetiva da formação: a constituição das aprendizagens

OBJETIVOS FONTES BLOCOS TEMÁTICOS EIXOS INTERPRETATIVO COMPREENSIVOS-

3 ITINERÂNCIAS REFLEXIVAS: SOBRE A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA, PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL, FORMAÇÃO E

3.3 FORMAÇÃO, EXPERIÊNCIA E APRENDIZAGEM: DESVELANDO OS SENTIDOS

3.3.3 A dimensão subjetiva da formação: a constituição das aprendizagens

Até aqui já vimos que aprender com as próprias experiências é possível, pois a vida nos permite isso. Aprender, ou não, com estas experiências, vai depender do processo e da forma que estas se manifestam na nossa vida, pois as mesmas experiências podem acontecer e serem compreendidas de formas diferentes.

Em função de uma aprendizagem podemos, também, alterar a nossa ação e atitude de forma direta, na própria prática, o que pode ressoar no significado da experiência. Isso não implica, no entanto, que o pensamento não esteja presente nestas ações. Ação já é o pensamento em ato, por isso, há situações em que no decorrer do próprio fazer nos damos conta de que estamos aprendendo e mudando o nosso modo de agir e ser. Isso é um indicativo de que algo nos passou e de que algo aprendemos.

Contudo, além das mudanças decorrentes daquilo que vivemos, podemos compreender melhor como e porque passamos a fazer, pensar ou sentir de outro jeito, pois se estamos realizando uma aprendizagem mais consciente, nos aproximamos de fazê-lo como experiência formadora (JOSSO, 2004). Formadora, porque ao ser compreendida e apropriada pelo sujeito, pode auxiliá-lo a construir ou modificar seus projetos de vida ou de formação.

A aprendizagem ―é um processo que não se deixa controlar facilmente. Acontece mais vezes quando não esperamos do que quando a programamos‖ (NÓVOA, 2008, p.5), o que revela a sua complexidade.

Todo processo de formação implica em alguma aprendizagem, mas com ela não se confunde. A aprendizagem indica que viemos a saber algo que não sabíamos: uma informação, um conceito, uma capacidade, mas não implica que esse 'algo novo' que se aprendeu nos transformou em um novo 'alguém'. E essa é uma característica forte do conceito de formação: uma aprendizagem só é formativa na medida em que opera transformações na constituição daquele que aprende. É como se a definição da formação indicasse o percurso pela qual nossas aprendizagens e experiências nos constituem como um ser singular no mundo. Um ser de subjetividades.

A questão da subjetividade é fundamental quando indagamos sobre a vida e a pessoa do professor, quando queremos saber por que cada um se tornou o educador que é. De acordo com Nóvoa (1992, p.54), a subjetividade é um lugar de lutas e conflitos, um lugar de maneiras de ser e estar profissionalmente. Assim sendo, creio que a maneira como cada educador procede e ensina, pode estar diretamente dependente daquilo que ele é como indivíduo, quando exerce seus ensinamentos, consequentemente, pode

possibilitar que se volte ao seu próprio processo de aprendizagem da docência.

Os trechos a seguir trazem registros de elaboração dos professores cursistas em torno das suas compreensões sobre aprendizagem, ensinagem e avaliação. Eles fazem uma articulação entre os textos estudados e vão reelaborando esse entendimento, em consonância com sua própria vivência na docência.

A aprendizagem não depende basicamente do domínio do conteúdo pelo professor, mas de uma construção realizada pelo professor-aluno frente às reais necessidades de conhecimento. Substituímos nossa concepção fundada na epistemologia do senso comum por uma epistemologia genética, onde a ação do sujeito (aluno) é imprescindível para o processo de apreender. Com isso, buscamos nos afastar de uma aprendizagem memorística e repetitiva e partimos para a construção do conhecimento através da interação professor-aluno-conteúdo e realidade social.

A ensinagem é uma ação de enfrentamento da construção do conhecimento através da prática social efetivada de forma consciente pelo professor e aluno, necessária à formação para a graduação, e deste processo resulta a aprendizagem. Aprendizagem que parte da lógica dialética que considera a síncrese trazida pelo aluno, a partir da qual parte uma análise intencional e sistemática dos conteúdos, chegando à construção da síntese, a partir da qual pode resultar numa ação transformadora. Cabe ao professor compartilhar o saber de forma prazerosa, mobilizando o aluno para a construção do conhecimento. Com relação à avaliação no Ensino Superior percebemos a necessidade de promover cursos após a admissão de professores das áreas de bacharelado antes de atuarem como professores. O processo de avaliação, majoritariamente utilizado, é centrado na valorização dos alunos que possuem maior capacidade de memorizar e repetir os conteúdos abordados e não daqueles que desconstroem e reconstroem os conhecimentos. Nossa mensuração está muito voltada para uma análise quantitativa em detrimento da qualitativa. (MEMÓRIA PEDAGÓGICA I - Reflexão sobre a atividade/Diário Reflexivo – Professor Cursista)

Quando a experiência é compreendida como construtora de sentidos e significados, passamos a entender nossos momentos de descobertas como uma construção conjunta através de um diálogo crítico-reflexivo. Os professores-cursistas tinham total liberdade para expor seus conceitos, dúvidas, pontos de vistas e iam aprendendo com isso.

Ao reportar-se a sua memória, expunham para si sentidos que antes não enxergavam e, só passam a fazer isto ao se autorizar, neste sentido. Ou seja, as internalizações dos aspectos significativos, pela experiência registrada, só causarão este efeito se os autores do registro, no caso, os professores, reconhecerem-se como seres inconclusos, de uma realidade inacabada, sendo sensíveis ao reconhecimento das aprendizagens intrínsecas, que podem construir através da reflexão, ressignificando-se

como um agente mobilizador e socializador da relação entre conhecimentos, aprendizagens e saberes.

Afinal, a experiência não se constitui vinculada somente às dimensões técnicas e teóricas, mas a repertórios mais amplos. Os professores possuem 'referências' as quais resultam das interações sociais nas quais vivenciam relações, ora no lugar de quem aprende, ora no lugar de quem ensina. Para responder às questões que a prática formula, os professores acessam essas referências compostas de dimensões conscientes e inconscientes. Fruto não apenas da racionalidade, mas de subjetividade, afetividade, valores e preconceitos. Por isso sabemos que o exercício da docência é multifacetado mergulhado em vivências, conflitos e dilemas que exigem de cada um de nós, professores, respostas desconhecidas e soluções, muitas vezes, impensadas.

Nesta perspectiva, a formação passa a ser concebida como o processo nos quais sujeitos, inacabados, contraditórios, com histórias pessoais esculpidas nas relações que estabelecem com a natureza, com a cultura e consigo mesmos, encontram formas de se desenvolver e crescer.

Mas é importante, também, reconhecer que nem tudo que aprendemos - ou vivemos - deixa traços que nos formam como sujeitos. Uma experiência torna-se formativa por seu caráter afetivo; ao nos aproximar de algo que era exterior, caminhamos em direção à constituição de nossa própria vida interior. Por ter esse caráter de encontro constitutivo, os resultados de uma experiência formativa são sempre imprevisíveis e incontroláveis.

Macedo (2011) nos diz que ―(...) para ser formativa, uma aprendizagem terá que vir imbricada a um ponto de vista, a uma atitude, a uma ação reflexiva‖ (p.110). A dificuldade em se dar conta do nosso próprio percurso de aprendizagem manifesta-se nas situações em que precisamos relatar, narrar, explicar quais estratégias utilizou para aprender determinado conhecimento e esses são também conteúdos para se pensar uma proposta de formação docente que faça sentido.

A experiência é fonte e recurso importante para a aprendizagem do professor, pois está embasada na reflexividade, na tomada de consciência, no entendimento de que há uma mudança de postura em função deste processo de aprendência (ASSMAN, 2004), é ponto de partida para que esta aconteça. A ideia de aprendência abordada por Assmann (2004) nos questiona: ―Se a vida só tem vigência enquanto processo de aprendizagem, se falamos de vivência, experiência do aprender, por que não dizer logo aprendência?‖ neste sentido a aprendência seria o prolongamento da nossa capacidade de aprender sempre.

em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador‖ (p. 37). De acordo com o autor, o caráter formativo implica no respeito à natureza do ser humano, e os conteúdos que são ensinados devem estar aliados a uma formação moral, pois enfatiza que ―educar é substantivamente formar‖ (FREIRE, 2006, p. 37).

Vivemos em uma sociedade aprendente, isso é um fato. Por isso, aprender constitui-se em um processo que se estende à vida inteira e inclui todo tipo de participação em processos cognitivos, desde os micros espaços até socioculturais. Um processo que constrói e se constrói e dinamiza o ato de aprender, indissociável da dinâmica da vida. Por isso a universidade precisa se posicionar ao definir qual a sua concepção de formação, não só para os seus professores, como principalmente, aos seus estudantes.

Assman (2004, p. 32) quando diz que ―educar é fazer vivências do processo do conhecimento. O produto da educação deve levar o nome de experiência de aprendizagem‖, ele nos alerta que a educação superior deveria ser um espaço formativo de ―aprendência‖, até para justificar a missão científica da universidade e a sua vocação educativa. Sendo a sociedade um sistema vivo, a formação na educação superior precisa também garantir essa vivacidade, até para conviver com a diversidade dos sistemas sociais, econômicos e culturais. E, ainda, complementa que, ―onde não se propiciam processos vitais tampouco se favorecem processos de conhecimento‖ (ASSMAN, 2004, p.26).

A aprendizagem é, tanto do ponto de vista antropológico, como do pedagógico e social uma condição/obrigação da existência e uma questão de mobilização e de sentido na aproximação do sujeito ao saber, que supõe uma aproximação ao mundo, por isso uma aproximação ao saber em que a subjetividade e o envolvimento do sujeito em atividades significativas é fundamental (CHARLOT, 2002).

A aprendizagem e a formação são, neste sentido, uma aproximação do sujeito ao mundo, aos outros e a si próprio; é uma aproximação ao saber que não é apenas epistêmico, mas é também identitário e social. Uma relação com o saber implica uma dimensão de identidade: ―aprender faz sentido por referência à história do sujeito, às suas expectativas, às suas referências, à sua concepção de vida, às suas relações com os outros, à imagem que tem de si e à que quer dar de si aos outros‖ (CHARLOT, 2002, p. 72).

Essas distinções são importantes, entre outros aspectos, para acentuar o caráter complexo das experiências que constituem nossa itinerância e, igualmente, situar o grau

da nossa implicação em cada um delas, em face do que cada uma põe em jogo e, consequentemente, o caráter formador das experiências.

Precisamos criar as condições para que os professores universitários reconheçam e se reconheçam no processo formativo e encontrem as condições necessárias que lhes garantam uma (auto ou inter) formação consciente, pois vir a ser professor, estar sendo professor, é uma produção de si mesmo, que se faz na dinâmica da sociedade e da cultura.

A produção do ser professor não pode ser uma definição a priori, pelo contrário, é toda uma constituição de contingências do fazer pedagógico, do sujeito em prática e na prática; passa pela construção identitária, passa pela profissionalidade, passa pela experiência.

4 MEMÓRIAS PEDAGÓGICAS: COMPREENDER A FORMAÇÃO, DAR SENTIDO À