• Nenhum resultado encontrado

OBJETIVOS FONTES BLOCOS TEMÁTICOS EIXOS INTERPRETATIVO COMPREENSIVOS-

3 ITINERÂNCIAS REFLEXIVAS: SOBRE A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA, PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL, FORMAÇÃO E

3.3 FORMAÇÃO, EXPERIÊNCIA E APRENDIZAGEM: DESVELANDO OS SENTIDOS

3.3.2 A experiência como princípio do processo formativo

Para refletir sobre a experiência, faço a opção por compreendê-la no contexto da docência, a partir do conceito de experiência formativa, como aborda Larrosa (2002) e, experiência formadora, pelos estudos de Josso (2004). As aberturas para outros caminhos que a discutem, tem a intenção de situá-la em relação às bases históricas e filosóficas que subjaz o conceito.

Os estudos de Larrosa (2002) e Josso (2004) transversalizam a tese desde a problematização do objeto de pesquisa provocando reflexões e levantando provocações para pensarmos de outro lugar a concepção de experiência e como esta pode ser o caminho para entender o nosso próprio processo formativo.

Um dia, em uma palestra, escutei uma frase do escritor Pedro Nava que dizia que "a experiência é um farol que ilumina para trás". Isso já faz muitos anos e eu não me esqueci. A frase ficou anotada em uma antiga agenda. A experiência já era algo que me instigava. Cada vez que a (re) lia, tentava construir um entendimento acerca do seu sentido. É como se Nava dissesse que a experiência de um não poderia ter o mesmo valor para a vida do outro. Ou, que a experiência, por si só, não poderia resultar em sabedoria.

Mas, como a experiência de um não serviria ao outro, se aprendemos ao longo de nossa vida que é importante ―ouvir a voz da experiência‖? Pergunto-me: Da experiência de quem?

Por ter optado pelos caminhos da fenomenologia existencial, compreendo que a experiência não é apenas aquilo que adquirimos com o tempo, com a informação, nem com a transmissão de um saber do outro. Tampouco a repetição da ação por diversas vezes de forma mecanizada.

A experiência é um movimento conjunto de reflexão, é a informação ressignificada e com atribuição de sentido, são os saberes do outro que identifico como saberes também

importantes para mim, são os acontecimentos que geram em mim algum tipo de aprendizagem. Muitas coisas acontecem na nossa vida, mas somente a experiência deixa algum vestígio, alguma marca, é por isso seu caráter, singular.

Contudo, para que esta aconteça é preciso estar abertos, receptivos, e é por isso que Larrosa (2002) nos diz que é neste momento que se faz necessário desacelerar, refletir e escutar, dando sentido ao que nos acontece. Em que momento, nós, professores universitários desaceleramos para nos permitir ser tocados pelo que nos acontece?

Nesta perspectiva, a experiência e o saber que dela derivam permitem apropriarmo-nos e agir sobre a nossa própria vida. Não é uma questão de aprender algo, como se estivéssemos desprovidos de um saber e, ao final do processo, já o dominássemos não se trata de uma relação exterior com o saber.

Partindo do entendimento de que a experiência pode modificar o sujeito desde que ele se permita refletir sobre o que lhe acontece, o processo de formação é o caminho para que possamos aprender pela experiência.

Larrosa define essa compreensão como experiência formativa, que é a ideia que implica um voltar-se para si mesmo, uma relação interior com o mundo, com o que se passa, sendo, então, "o que acontece em uma viagem e que tem a suficiente força como para que alguém se volte para si mesmo, para que a viagem seja uma viagem interior" (LARROSA, 2010, p. 53).

Por isso, a experiência formativa, para o autor, não suporta o controle, a intimidação, tampouco pretende dominar aquele que aprende, capturá-lo, apoderar-se do sujeito em formação. Assim, as experiências são únicas, produzidas por meio de processos muito particulares de formação do sujeito. Há uma afinidade com o conceito de (auto) formação trabalhado por Nóvoa (2002), aproximando-se dessa discussão, como um processo que tem a diversidade como fundamento da formação do professor, configurando-se em um processo pessoal de formação, em que os sujeitos constroem itinerários próprios, por considerar a autonomia do professor na definição desses itinerários formativos, ou seja, das experiências formativas, que mais se aproximam de seus interesses pessoais e profissionais, no contexto organizacional em que atua.

Os estudos de Larrosa (2010) e de Nóvoa (2002) nos ajudam a ter um entendimento sobre a formação do docente universitário como um processo de construção que antecede e transpõe o tempo cronológico da carreira profissional, por ser esse processo subjetivo e pessoal, quase sempre dissociado do desenvolvimento profissional e delineado exclusivamente pela lógica temporal (quanto mais tempo no magistério, mais/melhor conhecimento e experiência).

Os processos formativos propostos dentro de outra lógica existencial demanda a construção de saberes na profissão, mediados pelos discursos entre os sujeitos, pelas relações estabelecidas, pelos conflitos desestabilizadores, que desencadeiam interrogações inquietantes, pelas lógicas que o sujeito constrói para si e comunica aos demais e por um querer estar em formação, numa postura de abertura ante a complexidade do conhecimento em construção. A formação é o lugar da pergunta em busca de respostas, mesmo que provisórias, que façam mover o pensamento e nos tirem do lugar comum.

E mais uma vez Larrosa vem afirmar a importância desse resgate à experiência, a sua dignidade

Talvez reivindicar a experiência seja também reivindicar um modo de estar no mundo, um modo de habitar o mundo, um modo de habitar, também, esses espaços e esses tempos cada vez mais hostis que chamamos de espaços e tempos educativos. Espaços que podemos habitar como experts. Como especialistas, como profissionais, como críticos. Mas que, sem dúvida, habitamos também, como sujeitos da experiência. Abertos, vulneráveis, sensíveis, temerosos, de carne e osso. Espaços em que, às vezes, ocorre algo, o imprevisto. Espaços em que às vezes vacilam nossas palavras, nossos saberes, nossas técnicas, nossos poderes, nossas ideias, nossas intenções. Como na vida mesma. (LARROSA, 2004, p. 24- 25)

Tanto o aprender discente, quanto o aprender docente nos convocam a pensar a experiência como experiência e não como experimento. Como experimento, temos a pretensão de controlar e manipular as coisas e não abrimos espaço para as incertezas e contradições das relações humanas que a experiência nos proporciona, desde que nos entreguemos e nos submetamos a ela.

É importante ressaltar a contribuição de Dewey (2010), como protagonista, no âmbito da filosofia da educação, na reivindicação por uma teoria da experiência para pensar e praticar a educação. Criticando a educação tradicional devido à separação e fragmentação entre o conhecimento comum e o científico, pela concepção de educação como uma preparação para a vida futura e pela concepção de aprendizagem unilateral, que acontece de fora para dentro, Dewey (2010) propôs uma educação que cultivasse também a individualidade, a atividade livre, a necessidade do aluno, o tempo presente, o mundo em mudança e a experiência.

Para ele a experiência é base para o processo formativo, para a construção de aprendizagens. Dewey (2010) faz referência ao sentido de valor das experiências, pois nem toda experiência é experiência. Tudo depende da qualidade, do sentido de valor da experiência, que repousa sobre o efeito dela sobre o indivíduo. Podemos dizer que nem

toda vivência se transforma em experiência ou nem toda experiência é formadora. Para uma experiência ser formadora é necessária uma atitude reflexiva mediante a qualidade da situação vivenciada, ou seja, é preciso analisar o nível de influência para a criação de outras experiências.

Estando em constante movimento, o seu valor não pode ser avaliado apenas na base de para quê e para onde se encaminha. Esse é um aspecto caracterizado por Dewey (2010) como princípio da continuidade, ou ―continuum experiencial‖ - toda experiência toma algo das experiências passadas e modifica as outras posteriores.

Com base nesse principio, no processo educativo, deve-se atribuir o sentido de transformação e criação. Deve-se refletir sobre as experiências que irão influenciar criativamente nas experiências futuras, ou seja, sobre o seu valor educativo. Dewey (2010) também caracteriza a experiência como um movimento interno e externo ao indivíduo, visto que a mesma não se processa apenas dentro da pessoa. Ela tem um lado ativo que muda de algum modo, as condições objetivas em que as experiências acontecem.

Com outro princípio formulado pelo autor, que é o da interação, a experiência ocorre na relação da pessoa com o meio, podendo este ser pessoas, objetos, ambientes. Nesse caso, a subjetividade e a objetividade têm influência direta nas experiências formativas. Embora Dewey (2010) afirme que toda experiência humana é, em última análise, social, pois envolve contato e comunicação, e discuta a questão do controle social, ele concebe o social não no sentido de sociedade ou sistema, mas de ambiência.

A experiência abordada por Josso (2004) como vivência acompanhada de uma formulação teórica e/ou de uma simbolização remete, inicialmente, ao pensamento de Dewey, que defende que as vivências atingem o status de experiências a partir de um trabalho reflexivo sobre o que se passou e sobre o que foi observado, percebido e sentido. O que faz uma experiência formadora é uma aprendizagem que articula, hierarquicamente ―saber-fazer e conhecimentos, funcionalidade e significação, técnicas e valores, no espaço tempo que oferece a cada um a oportunidade de uma presença para si e para a situação, por meio da mobilização de uma pluralidade e registro‖. (JOSSO, 2004, p.39). Para D'Ávila ―A experiência é o ponto de ancoragem para a aprendizagem, principalmente quando se trata da formação de adultos e/ou de profissionais.‖ (2008, p. 31)

Nesta perspectiva, a experiência implica o sujeito em sua globalidade, pois comporta as dimensões sensíveis, afetivas e conscienciais que envolvem emoções, sentimentos, valores e imagens sociais, construídas ao longo de uma vida e que foram

sucessivamente trabalhadas para se tornarem experiências. Como elemento que compõe o nosso devir identitário, ela constitui um referencial que nos auxilia para avaliar uma situação, uma ação, um acontecimento.

Para compreendermos a construção da experiência no processo formativo das pessoas, Josso (2004) sugere uma análise tomando-se como referências três modalidades, caracterizadas como experiências feitas a posteriori e a priori, tais como: ―ter experiência‖, que significa viver situações durante a vida que não foram provocadas pela pessoa; ―fazer experiência‖, que são as vivências de situações criadas propositalmente; ―pensar sobre as experiências‖ independentes que elas sejam inusitadas ou criadas por si mesmo.

Este processo de análise contribui para a distinção entre uma aprendizagem fortuita e uma refletida e para a compreensão de como o sujeito dá significação existencial ao conjunto de experiências vivenciadas. A autora chama a atenção para a distinção entre a ―experiência existencial‖ que contempla a pessoa em sua totalidade e corresponde à identidade profunda do ser, e a ―aprendizagem pela experiência‖ que está relacionada a pequenas transformações e contribui para mudar alguns aspectos da identidade, mas ―não há verdadeiramente uma metamorfose do ser‖ (JOSSO, 2004, p. 55).

Desse modo pensar em uma proposta de formação que envolva os docentes universitários, requer uma discussão sobre as aprendizagens desenvolvidas no conjunto de seus percursos de vida, mais especificamente, no que diz respeito à dimensão formadora dos processos formativos e de conhecimentos e da possibilidade de constituir- se em novos saberes.

Entende-se, assim, como Sadalla e Sá-Chaves (2008, p.191), que a formação de professores possa ―privilegiar o desenvolvimento da reflexividade, da capacidade de encontrar/criar novas estratégias, da mobilização contextualizada de conhecimentos e da visão crítica‖. Durante todo o Curso, o exercício da escrita, o Diário, provocou nos professores cursistas esse pensar sobre a experiência, à qual se refere Josso (2004), dentro de uma contextualização da experiência como é dito por Sadalla e Sá-Chaves (2008).

As discussões nos conduzem a reflexões sobre a nossa atuação docente, o processo de aprendizagem do nosso aluno e a construção do conhecimento nos espaços de sala de aula e espaços sociais e institucionais onde desenvolvemos nossa prática/estágio. Identificamos que temos utilizado, mesmo sem consciência, uma metodologia atual, problematizadora, e que nossos alunos veem construindo o conhecimento necessário para a sua formação

profissional.

As estratégias de ensinagem, que muitas vezes estavam sendo utilizadas como estratégias de ensino, passaram a ter outro significado frente às discussões e contextualizações sobre sua utilização.

A avaliação tem evoluindo para uma concepção qualitativa com maior envolvimento e responsabilidade do aluno na auto-avaliação. (MEMÓRIA PEDAGÓGICA I - Diário Reflexivo - Professor cursista)

Ao se dar conta do que tem sido o seu percurso de participação no curso, o professor cursista começa a enumerar o que já considera como uma mudança, ainda que não tenha consciência anterior, sobre a sua prática. A sua capacidade em encontrar novas estratégias para trabalhar, passa pelo reconhecimento do que tem sido significativo na aprendizagem.

Neste sentido, há uma mobilização contextualizada de conhecimentos, o que lhe permite fazer escolhas entre formas de trabalhar, que agora, munido desse conhecimento, considera como mais adequadas. Além disso, se vê numa relação em que o aluno tem papel ativo, daí a possibilidade de escolhas ser ampliada na medida em que abre espaço para a escuta e permite que este participe do processo.

O que Sadalla e Sá-Chaves (2008) vão nos dizer é que o processo de reflexividade desenvolvido por este professor mostra que o saber não é exclusivamente cognitivo, mas tem um compromisso com a ação, pois só ela é transformadora. A reflexividade permite a consciência da experiência, permite que a aprendizagem aconteça. Como nos diz Macedo (2011), ―Tomando a reflexão como categoria fundante da formação, a reflexão sobre a prática é, portanto, ela mesma uma prática. É uma prática de formação‖ (p.193).

O pressuposto que ancora tal entendimento é de que é possível transformar a vivência da docência em experiências significativas, articulando ações e produzindo saberes, buscando compreender e explicar a realidade imediata e, também, nela emergir. Volto-me às palavras de Pedro Nava: ―A experiência é um farol que ilumina para trás‖... Sim. Ilumina. Mais uma vez reelaboro a minha compreensão. É a reflexão fundamentada, sobre a vivência transformada em experiência de vida, que permite o reconhecimento da experiência como formadora. A reflexão é parte integrante desta, por isso, mais do que relatar o que os professores universitários reconhecem em suas práticas como mudanças, interessa-me compreendê-la e, em que medida, repercute seu processo formativo, para que a 'luz do farol' dê visibilidade às aprendizagens.