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I. Indústria Aeronáutica Mundial: Dinâmica da Inovação e Mudanças Estruturais

I.1. A Dinâmica da Inovação na Indústria Aeronáutica

I.1.5. A Dinâmica da Inovação e a Incerteza

Como visto, o principal fator competitivo da indústria aeronáutica mundial está assentado sobre a incorporação de inovações, particularmente tecnológicas. Quando a inovação apresenta um caráter disruptivo levando a uma descontinuidade da trajetória tecnológica, a incerteza em relação ao seu futuro, não apenas quanto ao seu êxito, mas também quanto ao momento correto de adotá-la, se torna um dos elementos centrais da dinâmica da inovação da indústria aeronáutica. Como destacado por Rosenberg (2006, p.164): “A escolha do momento e a natureza da decisão de adoção [das inovações tecnológicas], por parte das firmas de negócios individuais, é uma questão-chave”.

Na indústria aeronáutica, essa incerteza é agravada, ainda mais, pelos elevados custos de introdução das inovações radicais. O desenvolvimento de uma nova geração aeronaves tem atingido valores cada vez mais elevados, de forma que uma inovação mal sucedida passa a comprometer a sobrevivência da própria empresa. Por exemplo, o lançamento do Boeing 707, nos anos 50, representou cerca de 20% dos ativos totais da companhia, enquanto que nos anos 70, os custos de desenvolvimento do Boeing 747 representaram mais de 90% desses ativos89. Desta maneira, a escolha de uma trajetória

tecnológica errada ou, mesmo que numa trajetória correta, o momento errado de entrada,

88 Para uma melhor análise da relação entre inovação e custo, ver o “Capítulo 4 – Inovação e Evolução Industrial” (UTTERBACK, 1996, p.85-111).

possivelmente leva a empresa a ter que abandonar esse segmento de mercado ou, ainda, a sua falência.

Um exemplo disso ocorreu no segmento de aviões comerciais de médio porte, também conhecidos como aviões regionais. Nos anos 80, três empresas, a canadense de Havilland Canada (DHC)90, a sueca Saab e a brasileira Embraer, dividiam esse segmento

com aeronaves semelhantes: aviões bimotores turboélices na categoria de 30 passageiros. Nos anos 90, passou a existir uma demanda por aeronaves maiores, fazendo com que essas empresas tivessem que desenvolver novos modelos. Enquanto a Bombardier e, na seqüência, a Embraer lançaram aviões de propulsão a jato, a Saab investiu num modelo turboélice, uma tecnologia que não estava sendo mais aceita pelo mercado91. Como

resultado, a Saab precisou abandonar o segmento de aeronaves comerciais se concentrando no desenvolvimento e produção de aviões militares.

O exemplo acima corrobora com a afirmação de Rosenberg (2006, p.164-165):

“Visto que o futuro tecnológico se encontra, inevitavelmente, envolto em incerteza, não é de surpreender que diferentes empresários terão expectativas diferentes. (...) Portanto, ao analisar qualquer decisão histórica com respeito à difusão [das inovações tecnológicas], é preciso ser sensível à natureza específica das expectativas mantidas pelos empresários com relação ao curso futuro da tecnologia”. Isso é válido tanto para o segmento comercial da

indústria aeronáutica como para o militar.

No segmento comercial, a incerteza da dinâmica da inovação está diretamente relacionada com a definição do projeto dominante, dado que ele “exerce um impacto

poderoso no desenvolvimento das inovações tecnológicas futuras”92. O projeto dominante é

aquele que vai estabelecer os novos parâmetros da trajetória tecnológica e, até sua definição, o grau de incerteza permanecerá bastante elevado. Sendo assim, a questão central está em verificar se uma determinada aeronave se consolidará ou não como o novo projeto dominante da indústria aeronáutica comercial.

90 A empresa de Havilland Canadá que produzia os aviões regionais Dash 8 foi incorporada pelo grupo

Bombardier em 1992 (BOMBARDIER, 2008).

91 A Saab lançou o SAAB 2000, um bimotor turboélice com capacidade para 50 passageiros, tendo construído

apenas 64 unidades entre 1994 e 1999. Em comparação, os jatos ERJ-145 da Embraer e CRJ-200 da Bombardier, com a mesma capacidade de transporte, venderam mais de 1.000 unidades cada e ainda se encontram em produção.

Em alguns casos, uma aeronave que introduza um conjunto de tecnologias inovadoras pode não se consolidar como o novo projeto dominante. Como visto anteriormente, foi o caso do revolucionário avião franco-britânico Concorde, que apesar de incorporar a tecnologia supersônica na aviação comercial, não foi sancionado pelo mercado como um novo projeto dominante.

Em outros casos, um modelo posterior de aeronave que passe a incorporar significativos aprimoramentos na tecnologia inovadora, poderá se tornar o projeto dominante da indústria aeronáutica comercial, desbancando o modelo pioneiro.

“Consideremos os problemas vinculados à introdução dos aviões comerciais a jato. A Grã- Bretanha introduziu o Comet I dois anos antes que os norte-americanos iniciassem o desenvolvimento de um avião a jato comercial. Ainda assim, os norte-americanos em algum momento venceram. Retrospectivamente, é visível que o atraso norte-americano lhes foi salutar em vez de lhes custar caro, e que a Boeing e a Douglas escolheram um momento de agir melhor que a de Havilland. Seu atraso permitiu-lhes oferecer aviões que podiam transportar até 180 passageiros, enquanto que o Comet IV transportava até cem, e com uma velocidade de cruzeiro de 550 milhas por horas em lugar de 480 — sólidas vantagens comerciais que puderam oferecer porque estavam fazendo projetos para motores mais modernos e mais poderosos. Mas eles também foram ajudados pela demora de quatro anos para tornar o Comet seguro após seus acidentes devido à fadiga metálica”93. O atraso da

Boeing e sua capacidade de incorporar melhoramentos ulteriores, muitos deles decorrentes dos próprios problemas enfrentados pelos britânicos, fizeram do Boeing 707, o projeto dominante da indústria aeronáutica comercial.

Atualmente, o Boeing 787 Dreamliner busca incorporar o máximo de melhoramentos com o objetivo de minimizar os riscos das novas tecnologias e, assim, se consolidar como o novo projeto dominante da indústria aeronáutica comercial. Entretanto, essa busca por uma maior definição da trajetória tecnológica implica em prorrogar o desenvolvimento desse novo avião. “Os atrasos e adiamentos constantes fizeram com que

o primeiro vôo e o seu lançamento comercial fossem adiados das datas originalmente

92 UTTERBACK, 1996, p.53. 93 ROSENBERG, 2006, p.171.

traçadas pela Boeing”94. O Boeing 787 começou a ser desenvolvido no ano de 2004 para

entrar em operação em 2008, posteriormente essa data foi prorrogada para 2010, mas não será nenhuma surpresa se o cronograma for novamente adiado. “As expectativas do

aperfeiçoamento contínuo de uma nova tecnologia podem, portanto, levar ao adiamento de uma inovação”95 e também ao seu encarecimento.

No segmento militar da indústria aeronáutica, o pioneirismo na introdução de inovações tecnológicas é justificado pela incessante busca da superioridade tecnológico- militar das aeronaves de primeira linha. Entretanto, isso não significa um baixo nível de incerteza quanto à dinâmica da inovação, ao contrário, essa é ainda maior que no segmento comercial pelo fato de não existir um projeto dominante que determine parâmetros mais rígidos para o futuro desenvolvimento das inovações. Como visto, a descontinuidade da trajetória é dada pela introdução de uma nova geração de caças. A tecnologia incorporada nesses aviões, muitas vezes é uma tecnologia ainda não testada, existindo dúvidas quanto ao seu desempenho, além de requerer maiores esforços de investigação e, consequentemente, maiores recursos para o seu desenvolvimento. Dessa maneira, as análises referentes à dinâmica da inovação do segmento militar da indústria aeronáutica devem ser mais amplas, “devem-se considerar não apenas as expectativas com relação a

possíveis melhoramentos da tecnologia em consideração, mas também a possibilidade de melhoramentos das tecnologias substitutas (...) Ao mesmo tempo, as expectativas de contínuo melhoramento na velha tecnologia exercerão um efeito similar”96.

Ao se analisar o desenvolvimento da atual geração de caças, observa-se um elevado grau de incerteza com relação ao sucesso dos atuais empreendimentos. Atualmente, o F-22

Raptor, da norte-americana Lockheed Martin, é o único caça de quinta geração em

operação, contudo, os resultados desse programa estão muito aquém do esperado. Inicialmente, a Força Aérea Norte-Americana intencionava adquirir 740 unidades do avião para substituir os caças de superioridade aérea F-15 Eagle. Entretanto, as mudanças no cenário geopolítico mundial e os crescentes custos do programa fizeram com que a encomenda inicial fosse reduzida para apenas 184 unidades. Além disso, existe uma grande

94 NEWTICIAS, 2008. 95 ROSENBERG, 2006, p.177. 96 ROSENBERG, 2006, p.177.

pressão, inclusive de segmentos da própria USAF, para que esse programa seja definitivamente cancelado97, dado que até o momento já consumiu mais de US$ 65

bilhões98 ou, aproximadamente, US$ 350 milhões por aeronave. Da mesma forma, “o programa F-35, também liderado pela Lockheed Martin, experimenta atrasos sucessivos em sua campanha de ensaios e questionamentos em todos os países clientes e parceiros sobre os custos elevados e real capacidade operacional da aeronave”99.

Essa elevada incerteza quanto ao futuro da nova geração de caças tem levado a introdução de inovações tecnológicas nos modelos mais antigos. Diversos sistemas desenvolvidos para os aviões de quinta geração como radares AESA, aviônicos que forneçam uma maior consciência situacional aos pilotos, datalinks de elevada capacidade e revestimentos furtivos estão sendo incorporados em caças de gerações anteriores. Por exemplo, “em cima do modelo F-15E Strike Eagle, a Boeing implementou diversas

melhorias, que incluem um revestimento de baixa assinatura radar, um reformulado CFT (Conformal Fuel Tank), permitindo que diversas armas sejam transportadas internamente, e uma nova deriva. A aeronave também incorporará o sistema de EW BAE Systems Digital Eletronics Warfare Systems (DEWS) que será integrado a um radar da Raytheon tipo AESA, similar ao empregado pelo F-35”100. Além da Boeing, essa mesma estratégia está

sendo adotada pelos principais fabricantes de caças da atualidade — incluídas a EADS, a Dassault, a Saab e a Sukhoi.

Quanto às tecnologias substitutas dos caças, destaca-se o recente desenvolvimento dos Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTs)101. Na atualidade, esses veículos são

utilizados, quase que exclusivamente, como plataformas de observação e reconhecimento. Entretanto, nos últimos anos, as maiores empresas aeroespaciais do mundo, particularmente as ocidentais, tem apresentado projetos ou protótipos de VANTs voltadas especificamente

97 DREW, 2009.

98 No programa F-22 Raptor foram gastos cerca de US$ 30 bilhões no desenvolvimento, US$ 25 bilhões para

a aquisição das 184 unidades e mais US$ 10 bilhões para torná-las operacionais (DREW, 2009 e SILVA, 2009).

99 KATSANOS, 2009.

100 REVISTA DA FORÇA AÉREA, 2009.

101 Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT), também chamado UAV, do inglês Unmanned Aerial Vehicle, é o

termo usado para descrever todo e qualquer tipo de aeronave que não necessita de pilotos embarcados para ser guiada. Esse tipo de avião é controlado à distância, por meios eletrônicos e computacionais, sob a supervisão e governo humanos, ou sem a sua intervenção, por meio de comandos programáveis (PLAVETZ, 2009).

às atividades de combate, os denominados Unmanned Combat Aerial Vehicle (UCAVs)102.

Num primeiro momento, os UCAVs visariam complementar as atividades dos caças, dado que a completa substituição das aeronaves de primeira linha por esses veículos necessitaria de um nível tecnológico muito superior ao atual. Além disso, parece não haver um consenso entre os principais estrategistas do mundo sobre a conveniência dessa substituição. Sendo assim, fica a pergunta colocada por Tom Crouch (2008, p.687), curador do Museu Nacional do Ar e do Espaço do Smithsoniam Institute: “A tecnologia irá,

inevitavelmente, substituir os pilotos em um número crescente de cabines militares. Será o F-35 o último em uma longa linhagem de caças monoposto que vem desde o Fokker E.III?”.

A tecnologia introduzida pelos VANT amplia de maneira considerável a incerteza sobre a vantagem ou não de se investir no desenvolvimento de caças de quinta geração, pois passa a se colocar em xeque o próprio futuro dessa categoria de aeronave. Em suma, a incerteza de comprometer-se com a tecnologia atual dos caças de quinta geração ou de aguardar por algum tempo a fim de capitalizar a nova tecnologia dos VANTs?