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I. Indústria Aeronáutica Mundial: Dinâmica da Inovação e Mudanças Estruturais

I.3. Principais Atores da Indústria Aeronáutica

I.3.1. O Estado

A participação estatal na indústria aeronáutica remonta às suas origens, pois, na quase totalidade dos casos, as empresas fabricantes de aeronaves foram criadas pelo Estado ou então tiveram grande apoio governamental, principalmente através das encomendas militares e programas de incentivo ao desenvolvimento tecnológico. Entretanto, nas últimas décadas, a exacerbação da dinâmica da inovação e, consequentemente, da concorrência oligopolista, vem levando o Estado a intensificar sua presença na indústria aeronáutica, tanto em nível nacional quanto mundial.

As políticas públicas para a indústria aeronáutica têm se direcionado tanto para o suporte ao desenvolvimento tecnológico como no apoio ao processo de reestruturação. A necessidade de se introduzir inovações cada vez mais complexas, algumas de caráter disruptivo, tem levado o Estado a ampliar sua participação no desenvolvimento das novas aeronaves. Nesse aspecto, o Estado vem centralizando seus esforços para o fornecimento de infra-estrutura técnica e de recursos humanos, com ênfase no fortalecimento dos centros de pesquisa. Além disso, o Estado também tem financiado as atividades de P&D realizadas pelas empresas, através de diferentes mecanismos de subsídio, destacando-se os programas de fomento ao desenvolvimento tecnológico e às encomendas de aeronaves militares. Enquanto a União Européia está investindo mais de US$ 11 bilhões no apoio às inovações

aeronáuticas, através do 7th Framework Program140, os EUA têm destinado dezenas de

bilhões de dólares para o desenvolvimento dos aviões de caça de quinta geração.

Os Estados Nacionais também passaram a ter uma presença crescente dentro da estrutura produtiva da indústria aeronáutica, incentivando a constituição e fortalecimento dos grandes conglomerados aeroespaciais, de forma que esses possam enfrentar a acirrada competição mundial. As diferentes formas de apoio ao processo de concentração da indústria aeronáutica têm obedecido ao modo como estão estruturadas as relações “Estado X Empresa” nos diversos países141. Na China e Rússia, o controle estatal permitiu a reunião

das empresas aeronáuticas em grandes holdings. Nos casos sul-coreano e japonês, o Estado tem atuado, respectivamente, com os Chaebols e Keiretsus, para criar e fortalecer as grandes empresas aeronáuticas. As indústrias aeronáuticas do Canadá e do Brasil já estavam concentradas em grandes empresas que tiveram origem estatal, de forma que as políticas públicas se concentraram no apoio à expansão internacional dessas empresas. Na Índia, a empresa líder contínua sob controle do Estado. Nos países da Europa Ocidental, a forte presença estatal, exercida através de participações minoritárias e incentivos, possibilitou a consolidação das empresas aeronáuticas em níveis nacional e regional. Por fim, nos EUA, a ação do Estado é exercida através das concorrências públicas para o fornecimento de aeronaves militares, que, aos poucos, vem selecionando as empresas vencedoras. Além disso, o governo norte-americano tem apoiado as F&A como forma de criar grandes conglomerados aeroespaciais. Por exemplo, a fusão da McDonell Douglas com Boeing, em 1996, teve apoio direto do governo142. No caso da européia EADS, por sua

vez, a ação estatal chegou a extrapolar as fronteiras nacionais, pois as políticas públicas de três países, no caso, França, Alemanha e Espanha, convergiram para criação desse grande conglomerado aeroespacial.

140 7th FRAMEWORK PROGRAM, 2008.

141 “Os aspectos institucionais que afetam o comportamento econômico foram identificados pela corrente institucionalista, que, segundo North (1990), atribui o desenvolvimento das nações à natureza de suas instituições. Segundo essa visão, as instituições de hoje guardam fortes conexões com as de ontem; daí a importância da trajetória institucional ou path dependency. Nenhum arranjo institucional pode ser definido como “ótimo”, pois eles são frutos de contingências culturais e políticas típicas de cada país” (TIGRE, 2006, p.61).

Quadro 3 – Indústria Aeronáutica Mundial: Políticas públicas de consolidação, 2000-2007

Países/Regiões Empresas Líderes Políticas Públicas

EADS Acordo de acionistas realizado como política de Estado. Manutenção de participações minoritárias.

BAE Systems Evitou a desnacionalização ao apoiar a fusão de dois grupos nacionais (BAe + Marconi Systems). Manutenção de uma golden share .

Finmeccanica

Consolidação das principais empresas aeronáuticas em um grande conglomerado aeroespacial. Manutenção de uma participação minoritária dominante.

Canadá Bombardier Apoio e proteção a única grande fabricante de aviões do país.

Brasil Embraer Acordo de acionistas manteve a golden share e estabeleceu restrições ao controle estrangeiro.

Japão Mitsubishi Primeira contratante dos principais projetos aeroespaciais, além de ter apoio para comandar o consórcio de empresas JADC.

Rússia UAC Criação da UAC, holding estatal que passa a controla as principais fabricantes de aviões.

China AVIC I e AVIC II Apoio às duas grandes holdings estatais.

Índia Hindustan Concentração das atividades do setor em uma única empresa, de propriedade estatal.

Coréia do Sul KAI Fusão das divisões aeroespaciais dos 3 maiores Chaebols em uma única grande empresa, com participação estatal.

EUA

Europa

Incentivo as F&A de grandes empresas. Seleção das empresas líderes através de concorrências militares.

Boeing Lockheed Martin

Fonte: Elaboração própria.

A participação do Estado não tem ficado restrita ao processo de concentração, e se estende também às operações de coordenação da cadeia produtiva. Observa-se que as alianças estratégicas voltadas para o segmento militar têm sido determinadas pelas políticas de Estado e, posteriormente, executadas pelos grupos aeroespaciais. Enquanto a constituição das alianças internacionais destinadas à produção de aeronaves comerciais, na maioria das vezes, é decidida pelas empresas, mas com a anuência do Estado. Por fim, verifica-se que as parcerias de risco internacionais, particularmente as que envolvem maior conteúdo tecnológico, têm passado pelo crivo das autoridades públicas, sendo em muitos casos resultados de acordos entre os diferentes Estados Nacionais.

As grandes fabricantes de aeronaves e os Estados Nacionais apresentam uma relação cada vez mais próxima, mais complementar, podendo ser classificada como

simbiótica143. Por um lado, o elevado dinamismo tecnológico e o amplo processo de

consolidação reforçaram a dependência que os grandes grupos aeroespaciais têm em relação ao Estado. Por outro lado, o Estado depende cada vez mais do desempenho de suas empresas líderes para poder incentivar o desenvolvimento tecnológico e intervir na reestruturação da indústria aeronáutica. Em suma, os Estados Nacionais, em conjunto com os grandes conglomerados aeroespaciais, tornaram-se os agentes econômicos centrais da indústria aeronáutica mundial; cabendo a ressalva de que a grande empresa apresenta um papel ainda mais decisivo, pelo fato de ser a responsável por efetivar as inovações.

I.3.2. A Grande Empresa

O conjunto de informações apresentado neste capítulo demonstra que o avanço no processo de consolidação levou, não apenas à ampliação da escala empresarial mínima, mas também modificou a forma com que as empresas e o mercado estão estruturados. Como visto, as grandes empresas aeronáuticas estão atualmente organizadas na forma de conglomerados aeroespaciais que operam em escala global e se relacionam com as outras empresas, particularmente estrangeiras, através de uma complexa rede de alianças estratégicas e parcerias de risco, além de apresentarem uma relação cada vez mais estreita com os respectivos Estados Nacionais. Dessa forma, as empresas líderes assumem uma importância crescente, praticamente se confundindo com os limites e interesses da indústria aeronáutica dos seus respectivos países.

Num determinado sentido, todo esse amplo processo de mudanças corporativa e estrutural decorre do elevado dinamismo inovador da indústria aeronáutica mundial. A contínua incorporação de novas tecnologias tem resultado em crescentes custos e incertezas que, por sua vez, exigem empresas cada vez mais robustas. Em suma, “estrutura de

mercado e tamanho da empresa são variáveis endógenas que dependem da natureza e da taxa do progresso técnico”144. Esta relação entre o dinamismo tecnológico e as mudanças

estruturais — os dois fatores críticos da competitividade na indústria aeronáutica — é sintetizada pelo Sr. Jorge Ramos de Oliveira Jr., Diretor de Desenvolvimento Tecnológico

143 Na relação simbiótica, os organismos, no caso instituições atuam de forma conjunta para proveito mútuo. 144 DOSI, 2006, p.141.

da Embraer145: “Dado o elevado tempo de maturação e os altos custos dos projetos é fundamental que estes sejam bem sucedidos comercialmente, caso contrário coloca-se em risco a sobrevivência da própria empresa. Os revezes são cruciais, pois o mercado é altamente competitivo. Por isso, o processo de consolidação desta indústria é liderado pelas empresas que apresentaram projetos bem sucedidos, as demais faliram ou foram incorporadas”.

No sentido oposto, se observa que somente as grandes empresas aeronáuticas — estruturadas na forma de conglomerados aeroespaciais — reúnem as capacitações tecnológicas e financeiras para fazer frente aos elevados custos de desenvolvimento e às incertezas tecnológicas inerentes ao processo de inovação desse setor. Sendo assim, fica demonstrado queo elevado dinamismo tecnológico da indústria aeronáutica depende do alto grau de concentração e da existência de empresas cada vez maiores, dado que são essas que implementam os avanços tecnológicos.

Pode-se concluir que as grandes empresas aeronáuticas são, ao mesmo tempo, causa e conseqüência do elevado dinamismo da inovação e do amplo processo de reestruturação por que tem passado essa indústria. Um processo de “destruição-criativa”, como apresentado por Schumpeter (1984, p.113), que “incessantemente revoluciona a estrutura

econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha, incessantemente criando uma nova”, no caso, uma nova configuração da indústria aeronáutica mundial.

Dessa maneira, o próximo capítulo procura descrever esta nova configuração da indústria aeronáutica mundial, apresentando inicialmente um panorama do mercado internacional e, na seqüência, um estudo mais aprofundado das principais indústrias aeronáuticas nacionais, destacando as características mais marcantes e a atuação das suas empresas líderes.

145 Entrevista concedida pelo Sr. Jorge Ramos de Oliveira Jr., Diretor de Desenvolvimento Tecnológico da