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3 REFLEXÕES SOBRE A GRAMÁTICA NORMATIVA TRADICIONAL

3.5 A disciplina Português

No artigo Português na escola – História de uma disciplina curricular, de Soares (2002), a autora discorre sobre a visão da disciplina Português, a partir da segunda metade do século XX. Em 1950, há transformações no conteúdo de português porque a sociedade passa por mudanças sociais, culturais, políticas, econômicas e educacionais. A escola passa a receber alunos de todas as classes sociais, o que a democratiza. Portanto, a função e os objetivos precisam sofrer adaptações. Aliado ao aumento de indivíduos na escola, existe uma grande necessidade de professores que não passam por um processo seletivo tão rigoroso.

Diante das novas exigências, gramática e texto começam a se constituir em disciplina e o conteúdo vai sendo articulado. Soares (2002, p. 167), sobre essa realidade, declara: “... ora é na gramática que se vão buscar elementos para a compreensão e a interpretação do texto, ora é no texto que se vão buscar estruturas lingüísticas para a aprendizagem da gramática.” É o que se pode chamar de gramática do texto. Sob essa ótica, os livros didáticos trazem exercícios de vocabulário, de interpretação, de gramática e de redação. As atividades vinham prontas e o professor, frente a essa realidade, não formulava atividades com o mesmo vigor de antes. Os professores ficavam e muitos ficam esperando dos autores de livros didáticos as atividades prontas. Esse quadro está inserido em um momento em que a profissão de professor passa a ser desvalorizada, os salários caem e as condições de trabalho não são favoráveis. Tudo isso faz com que os docentes procurem facilitar a prática em sala de aula e, um dos recursos usados, é o apego quase que exclusivo ao livro didático na preparação das aulas. Sobre esse período, Soares (2002, p. 168) declara:

... a gramática teve primazia sobre o texto nos anos 1950 e 1960 (primazia que ainda hoje é dada em grande parte das aulas de português, nas escolas brasileiras). Esta persistente primazia da gramática talvez se explique pela força da tradição que, como se disse, vem dos tempos do sistema jesuítico, e persistiu do século XVI até as primeiras décadas do século XX; talvez se explique também pelo vazio que só recentemente começa a ser preenchido pelas modernas teorias de leitura e de produção de texto.

Em 1970 e nos primeiros anos de 1980, a disciplina Português sofreu transformações em virtude da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 5692/71), promulgada pelo governo militar. Os objetivos educacionais iam ao encontro da ideologia desse novo regime de governo. A língua passaria a contribuir para o desenvolvimento proposto pelos militares. O nome da disciplina foi alterado para Comunicação e expressão nas séries iniciais do 1º grau, Comunicação em língua portuguesa nas séries finais e Língua portuguesa e literatura brasileira no 2º grau. Nesse período, surge a teoria da comunicação para auxiliar na análise da língua. As concepções de língua como sistema e como expressão estética foram substituídas por língua como comunicação. Conforme explicita Soares (2002, p. 169), “... trata-se de desenvolver e aperfeiçoar os comportamentos do aluno como emissor e recebedor de mensagens, através da utilização e compreensão de códigos diversos – verbais e não-verbais. Ou seja, não se trata mais de estudo sobre a língua ou de estudo da língua, mas de desenvolvimento do uso da língua”. Os livros didáticos minimizam a gramática e, nesse período, passou-se muito a discutir sobre ensinar ou não gramática. Os textos dos livros didáticos não são apenas literários, mas os autores procuram trazer para os livros textos de jornais, de revistas, de publicidade, de histórias em quadrinhos, etc. Na segunda metade da década de 80, houve outra mudança, e a disciplina voltou a ser Português nos currículos dos ensinos Fundamental e Médio. É nos anos 80 que chegam às escolas e no currículo de formação de professores, a Sociolingüística, a Lingüística Textual, a

Pragmática e a Análise do discurso que são áreas da Lingüística fundamentais aos avanços do ensino do Português.

A Sociolingüística mostrou à escola as diferentes variedades lingüísticas dentro da língua portuguesa. O ensino, que era dirigido às camadas sociais de maior prestígio, também é guiado para as classes desprestigiadas que vêm para a sala de aula trazendo a heterogeneidade lingüística. Isso exige novas atitudes dos professores frente às variedades da fala e, é claro, diante da variedade padrão escrita que é na escola que deve ser aprendida.

A Lingüística, ao mostrar que as variedades do português apresentam suas respectivas gramáticas, traz a idéia de que a variedade padrão escrita descrita nos compêndios normativos não é a única a ser ensinada. Desse modo, busca-se refletir sobre o papel, os objetivos e a função da gramática no ensino. A Lingüística Textual procura mostrar que o ensino da gramática não se deve centrar apenas nos limites das estruturas fonológicas e morfossintáticas, mas precisa ligar-se ao texto como uma maneira diferente de tratar a oralidade e a escrita. Além disso, contribuições da Pragmática, da Teoria da Enunciação e da Análise do Discurso trazem concepções diferentes sobre o trato com a língua. Esta não é mero código comunicativo, mas é ato enunciativo, ou seja, a Lingüística vê a relação da língua com aqueles que a usam, com o contexto e com as condições sociais e históricas. Não há como negar essas contribuições e deixar o ensino de língua portuguesa e de gramática, especificamente, continuar de modo tradicional, por meio de frases descontextualizadas para identificação de suas partes com base na exercitação da metalíngua das gramáticas normativas. Para que as mudanças ocorram, compartilho com Soares (2002, p. 174) a seguinte idéia:

Três questões atualmente em discussão na área educacional brasileira só poderão ser esclarecidas e decididas, no que se refere à disciplina português, se se buscar realizar essa articulação e síntese: a definição de parâmetros curriculares para a disciplina

português, a reformulação dos cursos de formação de professores dessa disciplina, a avaliação dos livros didáticos para essa disciplina.

No livro, Gramática na escola, Neves (2003, p. 10) relata pontos importantes sobre o ensino da gramática que se resumem em duas questões básicas: “Para que se ‘ensina’ a gramática e para que se ‘usa’ a gramática que é ensinada?”. As respostas são baseadas nos seguintes aspectos: melhoria na comunicação, na compreensão, na correção, no conhecimento das regras do padrão culto, na aquisição das estruturas da língua, na sistematização do conhecimento, na fala e na escrita, em busca de sucesso na vida social e profissional. Em seguida, Neves apresenta o que é ensinado nas aulas de gramática, que se resume, basicamente, na transmissão de conteúdos dos livros didáticos. Para a fixação dos conteúdos gramaticais normativos, há muitos exercícios relativos ao reconhecimento e à classificação das classes de palavras, das funções sintáticas, da classificação dos termos da oração e do ensino das definições como forma de reconhecer as nomenclaturas gramaticais. Para a realização dessas atividades, a maioria dos professores afirma que parte do texto e outros da teoria. O texto funciona como mero pretexto para o ensino gramatical o que, a meu ver, é uma falácia para o ensino da variedade padrão escrita.

Com relação aos alunos que recebem esse tipo de ensino, os professores alegaram muita dificuldade no aprendizado. As razões apresentadas foram as seguintes: ausência de esforço, de interesse, de vontade de pensar, de maturidade, de capacidade de abstração e de percepção da utilidade da gramática. Poucos professores referiram-se às dificuldades como sendo provenientes de métodos ultrapassados e da alfabetização deficiente, por exemplo. Um número considerável de docentes disse não ter dificuldades.

Para finalizar a exposição que Neves (2003) faz, passo a mostrar a realidade sobre a natureza da gramática ensinada. Essa natureza vai ao encontro da gramática como um conjunto

de regras (gramática normativa) e da descrição das entidades da língua e suas funções (gramática descritiva). Nenhum professor demonstrou entender a gramática como um sistema de regras da língua em funcionamento. Em resumo, o ensino da gramática, conforme Neves (2003, p. 40) analisa, centra-se em “... atividades de exclusiva exercitação da metalíngua”. Esse quadro torna- se mais desolador quando os professores relatam que mantêm as aulas de gramática tradicional, embora achem que não estão servindo para nada.

Acredito que os docentes anseiam por conhecer métodos mais eficazes, porque sabem que o ensino da gramática tradicional não está levando os alunos a escreverem, adequada e corretamente, na variedade padrão. Todo esse esboço do ensino gramatical fez-me reportar aos jornalistas para que fizessem exercícios tradicionais. Desse modo, mostro como essas atividades são ineficazes para o aprendizado da escrita, pois a maioria dos jornalistas teve um desempenho ruim nos exercícios. Em contrapartida, os textos seguem as regras da escrita padrão e estão inseridos nos princípios da textualidade, nas meta-regras e nos princípios reguladores.