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5 ANÁLISE DOS DADOS

6.3 Sugestões aos docentes de Língua Portuguesa

Após a análise dos exercícios gramaticais e de quatro textos dos jornalistas, passo a apresentar algumas sugestões aos docentes de Língua Portuguesa, para que o ensino esteja ligado aos progressos da Lingüística e seja mais eficaz, especificamente, no ensino/aprendizado da variedade padrão escrita. Vejo essa necessidade porque um dos objetivos traçados foi possibilitar,

ao docente, a reflexão de sua prática em sala de aula, através de exercícios inócuos e pouco eficazes, como preenchimento de lacunas e identificação de partes de frases para o emprego da nomenclatura das gramáticas tradicionais. Não estou querendo propor receitas milagrosas que farão melhorar o ensino em curto prazo. Apenas sugiro alguns recursos já conhecidos, mas altamente relevantes e pouco utilizados que devem se associar à prática de retextualização, proposta por Marcuschi (2003). Gostaria que essas sugestões servissem de ponto de partida para algumas mudanças urgentes. Os professores podem levar as sugestões para a realidade da escola e juntá-las às práticas de ensino eficazes que já realizam. Eles precisam colocar as sugestões em prática para pelo menos dizerem: “eu tentei mudar, mas não consegui. Não acredito nessas práticas de ensino”. Creio que, com as dicas que apresentarei, o ensino da escrita padrão será mais eficaz, produtivo e próximo da realidade social.

─ Ensinar a partir de textos, pois não usamos frases descontextualizadas na vida social. ─ Procurar trabalhar os gêneros e tipos textuais pertinentes à realidade social, através de

leituras, de resumos, da retextualização, etc.

─Apresentar as regras da escrita padrão através da retextualização. Seria interessante

partir de pequenos textos, com marcas de variedades da oralidade, para serem retextualizados em outros gêneros característicos da escrita padrão. Assim, trabalha-se a reescrita, que é um meio para lidar com pontuação, regência de verbos, concordância, etc.

─ Focar os assuntos a serem estudados com os alunos com base na freqüência dos problemas ocorridos. Uma boa tática é fazer uso de lâminas e expor à turma o texto, mostrar os problemas e deixar os alunos reescrevê-los.

─ Ler sempre, pesquisar sobre o assunto, escrever e reescrever são atividades propostas pelos jornalistas, por estudiosos da Lingüística e que são defendidas nesta pesquisa como meios eficazes de se tornar o ensino da variedade padrão escrita mais produtivo.

─ Para dar um exemplo concreto, sugiro as seguintes atividades sobre os dois primeiros parágrafos do texto Ministra garante o fornecimento ao ES: Reelaborar os dois parágrafos em forma de diálogo entre o jornalista e Dilma Rousseff. Esse exercício trabalhará pontuação, outras estruturações dos enunciados como a relação pergunta/resposta, etc. Resumir os dois parágrafos, mantendo as idéias básicas. Transformar os dois parágrafos em uma carta de um leitor a Dilma Rousseff sobre o tema do texto. Apresentar os dois parágrafos, com marcas lingüísticas de outra variedade da oralidade, para que sejam reescritos de acordo com as regras da escrita padrão.

Para finalizar, apresento sugestões expostas por Possenti (2002), em seu artigo Um programa mínimo, que confirmam muitas das que já mostrei. Inicialmente, o lingüista defende duas questões fundamentais para nortear qualquer programa de ensino de língua: ter condições para desenvolver e aprimorar a leitura e a escrita constantemente; dispor em etapas questões sobre a escrita padrão, para que os alunos escrevam nessa variedade e que permitam alterar as atitudes sobre a língua, sem preconceito. Para que isso ocorra, Possenti propõe as seguintes estratégias: leituras diversificadas, escrever e reescrever constantemente, enfatizar aspectos da língua que são pretextos para discriminação, preocupação com as alternativas lingüísticas que as variedades da língua têm como forma de expressão; trabalhar as noções de adequação às condições de produção e corrigir quando há desvio às regras de uma determinada variedade.

Possenti também enfatiza a importância de se desenvolver a competência comunicativa do aluno que se fará pela leitura e pela análise de textos variados. Infelizmente, ele aponta para um sério problema que tem ocorrido nas escolas: a leitura e a interpretação de textos tem servido para identificação de conteúdos. Sem desmerecer aqueles que acreditam nessa atitude, outras são mais importantes, conforme ressalta Possenti (2002, p. 329):

Chamar atenção para certas construções que não são típicas dos alunos, mas ocorrem nos textos escritos; destacá-las e trabalhar sobre elas (parafrasear, transformar etc.); chamar atenção para o léxico, tanto para sua especificidade (é um termo jurídico? técnico? ideologicamente marcado? um neologismo?) quanto para seus diversos sentidos – usar dicionários para estudar é muito produtivo; analisar a “estrutura” do texto: como ele se organiza, a que outros textos ele remete, que leitores ele supõe, a que gênero pertence e como sustentar uma classificação? Reescrever pelo menos parte dele, resumi-lo, parodiá- lo, desenvolver aspectos deixados em segundo plano.

Essas atividades devem ser constantes, pois certamente desenvolverão habilidades suficientes para a produção de textos que vão ao encontro dos princípios da textualidade, das meta-regras e dos princípios reguladores. Para completar, Possenti (2002, p. 329-330) acrescenta atividades importantes no que se refere ao domínio gramatical:

Corrigir, isto é, comparar trechos de textos de alunos com as formas padronizadas de “dizer a mesma coisa” – por exemplo, se alguém escreve “a gente saímos de casa”, que esta construção seja comparada com outras (nós saímos, a gente saiu) e, em seguida, que todas elas sejam avaliadas em termos de “correção” ou adequação; parafrasear, ou seja, dizer a “mesma coisa” de outras maneiras – por exemplo, de “A casa caiu” pode-se chegar a “A casa ruiu”, “A residência caiu”, “A moradia despencou”, “Foi a casa que caiu”, “A queda da casa...”. Atividades como essa, além de enormemente produtivas, podem ser realizadas na forma de competições ou brincadeiras, eliminando o que houver de ranço disciplinar e de falsa seriedade.

Que as sugestões não sejam encaradas como receitas definitivas, uma vez que em ensino de língua jamais o sentido de conclusão deve estar presente em sala de aula e em teorias lingüísticas. Apenas estou apontando alguns caminhos, em diálogo com Possenti, porque são atividades que estão ligadas ao desenvolvimento dos estudos lingüísticos e que poderão fazer mais sentido e serem mais eficazes no ensino da variedade padrão escrita. Reafirmo que esta variedade deve ser ensinada, primordialmente, sem negar a existência das outras que marcam a heterogeneidade lingüística do português. Sobre a heterogeneidade, Silva (2003, p. 11) afirma:

A heterogeneidade dialetal pode ser mais ou menos intensa e extensa, mas existe em qualquer língua, já que podemos dar por demonstrado que não há língua historicamente homogênea; por outro lado, a necessidade da unificação, a história tem demonstrado, se faz essencial pelo menos nas sociedades complexas e letradas ocidentais.