• Nenhum resultado encontrado

A discricionariedade na nomeação para os cargos em comissão e os limites

3 A DISCRICIONARIEDADE NA NOMEAÇÃO PARA OS CARGOS

3.2 A discricionariedade na nomeação para os cargos em comissão e os limites

Conforme visto em capítulo anterior, a Constituição Federal, no art. 37, II, trata do cargo em comissão como aquele “declarado em lei de livre nomeação e exoneração”. Portanto, a própria Constituição prevê a discricionariedade, seja quanto à nomeação, seja quanto à exoneração dos ocupantes dessa espécie de cargos públicos. Nesses casos, é dispensável a motivação do ato, o que, todavia, não significa que a nomeação não esteja sujeita à “aprovação no teste da

é o interesse público depende, em certa medida, de uma avaliação subjetiva. Daí que, para o autor, pode existir certa margem de discricionariedade para o administrador na qualificação do interesse público (Curso de direito administrativo cit., p. 412-413).

170 No que tange à forma do ato administrativo, ressalta Maria Sylvia Zanella Di Pietro que há

divergência na doutrina, haja vista que parte dela considera que, em relação a tal aspecto, o ato é sempre vinculado, enquanto outros defendem que a forma pode ou não ser discricionária, a depender do que previr a lei. Para a doutrinadora, “a não ser que a lei imponha à Administração a obrigatoriedade de obediência à determinada forma (como decreto, resolução, portaria), o ato pode ser praticado pela forma que lhe parecer mais adequada. Normalmente, as formas e procedimentos mais rigorosos são exigidos quando estejam em jogo direitos dos administrados, como ocorre nos concursos públicos, na licitação, no processo disciplinar”. A autora pondera também que a lei pode prever mais de uma forma possível para alcançar o mesmo efeito jurídico, caso em que haverá discricionariedade quanto à forma (Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988 cit., p. 82-83).

171 FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração

pública. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 13.

172 FIGUEIREDO. Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:

racionalidade intersubjetiva, coibida toda a arbitrariedade, inclusive a do controlador”.173

A lei que cria o cargo de provimento em comissão pode prever requisitos a serem atendidos pelos futuros servidores ou impedimentos à ocupação do cargo. Nesses casos, a liberdade de nomeação é delimitada pela própria lei. A título exemplificativo, podem ser mencionadas a vedação de nomeação de parentes, bem como as exigências de experiência anterior ou qualificação profissional mínima.

Quanto à restrição pela lei à nomeação de parentes para os cargos de provimento em comissão, interessante trazer à colação o entendimento de Elival da Silva Ramos, para quem a legislação com esse teor reforça o princípio constitucional da impessoalidade, in verbis:

É inquestionável, pois, que o legislador ordinário de todas as esferas da federação (em face da descentralização da competência legislativa sobre matéria administrativa) pode estabelecer restrições à nomeação ou designação de parentes da autoridade nomeante para o provimento de cargos em comissão ou o preenchimento de funções de confiança, desde que proceda com razoabilidade. Mais do isso, o princípio da impessoalidade, coadjuvado pelos princípios da moralidade e eficiência administrativas, é consideravelmente reforçado por legislação desse naipe, cujos efeitos benéficos à profissionalização da Administração Pública e ao banimento da fisiologia política são evidentes.174

Cite-se também a seguinte decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a qual afirma a possibilidade de a legislação ordinária prever a proibição da nomeação de parentes:

(...) de uma interpretação fundada em uma racionalidade estritamente técnica, chega-se à irrefutável conclusão de que a Constituição Federal em momento algum proíbe a nomeação de parentes para o exercício de funções públicas, mas, também, por outro lado, não impede que o legislador ordinário venha a disciplinar essa questão de nomeação de parentes segundo requisitos objetivos, ou mesmo proibir como é proibida na Justiça paulista. Isso significa dizer que se o legislador ordinário, no âmbito de suas respectivas competências legislativas, pode dizer quais são as funções que podem ser preenchidas em confiança ou comissão,

173 FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração

pública cit., p. 23.

pode também expressamente proibir a nomeação de parentes, ou permiti-las segundo requisitos objetivos.175

Já no que tange às exigências de um nível mínimo de qualificação ou de prévia experiência profissional na área de atuação, além de limitarem a discricionariedade no provimento do cargo em comissão, prestigiam os princípios constitucionais da moralidade e eficiência, que, nos termos do art. 37, caput, da Constituição Federal, devem pautar a atuação da Administração Pública.

A respeito do tema, Vanice Lírio do Valle pondera que:

Se a ideia inspiradora dessa figura de exceção ao princípio concursivo, é a instituição de uma estrutura de articulação entre a instância política, que desempenha a gestão superior da administração, e o plano técnico e burocrático; constitui pressuposto de possibilidade mesmo dessa atuação, revestir-se o titular do cargo em comissão, de condições mínimas que lhe permitam o desenvolvimento desse mesmo diálogo com a estrutura por ele dirigida ou chefiada. Fere, portanto, a qualquer parâmetro de razoabilidade, confiar a direção de um órgão de vezo competencial predominantemente técnico – um setor, por hipótese, de controle de câmbio em um Banco Central, ou ainda, uma divisão de pesquisa científica em uma instituição voltada a essa mesma atividade – a pessoa que não se revista de qualificação suficiente que lhe permita interagir, com um mínimo de compreensão, com seus subordinados, seja para a eles transmitir com clareza, os parâmetros políticos de um programa de governo, seja para reportar, ao agente político a quem responde, as eventuais objeções técnicas de seus subordinados.176

Todavia, é importante notar que critérios objetivos devem ser observados não apenas por ocasião do provimento do cargo em comissão, mas também durante o exercício das funções inerentes ao cargo. De fato, o ocupante de cargo comissionado deve ser frequentemente avaliado no que tange ao seu desempenho funcional, a fim de se assegurar a eficiência da atuação estatal.

Por outro lado, em que pese a relevância de previsão em lei de critérios auferíveis objetivamente, seja no que tange ao provimento ou à avaliação do titular

175 TJSP, 13ª Câm, de Dir. Público, AI 0044464-08.2006.8.26.0000, Rel. Des. Ferraz de Arruda,

decisão monocrática proferida em 04/04/2006. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2006-abr- 06/constituicao_nao_proibe_nomear_parente_desembargador>. Acesso em: 24 maio 2013.

de cargo em comissão, é importante considerar que uma disciplina exaustiva da matéria pela legislação pode acabar por trazer maiores prejuízos do que benefícios.

De fato, a lei, geral e abstrata, não tem a aptidão de prever, de antemão, qual a melhor opção diante de uma situação concreta, especialmente em razão da complexidade e dinamismo das relações sociais, sem contar a diversidade de realidades da Administração Pública em um País de tão vasto território como o Brasil. Ademais, não se pode pretender resolver um problema moral da sociedade por meio do direito positivo.177 Dessa forma, é de extrema importância que a lei preserve certa margem de liberdade ao agente público em relação ao provimento dos cargos em comissão, liberdade essa que, conforme veremos a seguir, deverá ser exercida em conformidade com os princípios constitucionais.

3.3 Os princípios constitucionais como limites à discricionariedade na